“De momento, devo dizer que esta crise criou novos sem-abrigo. […] Nesta crise, as pessoas perderam os seus postos de trabalho e os seus rendimentos e tornaram-se sem-abrigo”, diz o comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, em entrevista à agência Lusa em Bruxelas.
Mas apesar da grave recessão deste ano e da recuperação contida em 2021, o responsável luxemburguês considera “que é exequível” tirar todas as pessoas das ruas até 2030, desde que os países da UE façam “muitos esforços para lá chegar”.
“Será que isto é possível em 10 anos? Bem, os americanos decidiram que, em menos de 10 anos, estariam na lua e conseguiram-no porque alocaram todos os recursos e inteligência, para atingir esse objetivo”, compara Nicolas Schmit.
E insiste: “Se esse for o desejo dos Estados-membros, com o apoio da Comissão, e lançarmos uma iniciativa juntamente com a presidência portuguesa sobre esta questão, […] então penso que é concretizável”.
A posição surge depois de, no final de novembro, o Parlamento Europeu ter apelado aos Estados-membros da UE para adotarem medidas para tirar todos os sem-abrigo das ruas até 2030, cujo número aumentou 70% na última década para 700 mil.
Portanto, para a Comissão Europeia, a meta de acabar com os sem-abrigo na UE em 10 anos “depende dos meios e dos recursos que os Estados-membros estão disponíveis para investir nisso e ainda da conjuntura económica”, reforça o responsável, nesta entrevista à Lusa.
Para isso, “é preciso ir além da procura de habitação para estas pessoas, é preciso acompanhá-las, e estes são projetos que já existirem e resultaram, mas não cabe à Comissão implementá-los”, salvaguarda Nicolas Schmit.
Observando que “há boas experiências” em cidades como Lisboa, o comissário europeu vinca ainda que estas “têm de ser ações nacionais ou até locais”, que Bruxelas poderá “apoiar algumas iniciativas através do dinheiro europeu”.
A criação de habitação e assistência para os sem-abrigo é um dos principais fundamentais do Pilar dos Direitos Sociais, um texto não vinculativo para promover os direitos sociais na Europa que foi aprovado há três anos na Suécia.
No documento, lê-se que “deve ser garantido às pessoas necessitadas o acesso a habitação social ou a uma ajuda à habitação de qualidade”, bem como “assistência e proteção adequadas em caso de despejo”.
Ao mesmo tempo, “devem ser disponibilizados aos sem-abrigo alojamento e serviços adequados para promover a sua inclusão social”, refere ainda.
A agenda social será uma das grandes prioridades da presidência portuguesa da UE no primeiro semestre de 2021, estando prevista a aprovação do futuro plano de ação referente a este Pilar dos Direitos Sociais.
O texto defende um funcionamento mais justo e eficaz dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social.
Bruxelas espera avanços nos salários mínimos e dá Portugal como exemplo
"Se será possível um acordo nos próximos seis meses? Espero que sim, mas isso não depende da Comissão", afirma o comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, em entrevista à agência Lusa em Bruxelas.
E acrescenta: "Espero que sim, [que haja acordo] ou que, pelo menos, se possa atingir bastante progresso nessa área, para concluir esse assunto num futuro não muito longínquo".
A definição de um salário mínimo europeu justo e digno promete ser a batalha mais difícil da negociação do plano de ação do Pilar dos Direitos Sociais, que Portugal quer ver aprovado durante a sua presidência da UE, no primeiro semestre de 2021, dadas as divergências entre os 27.
"Segundo o entendi por parte da ministra do Trabalho [Ana Mendes Godinho], essa será uma prioridade e um assunto sobre o qual se irá trabalhar muito" durante a liderança portuguesa da UE, aponta Nicolas Schmit na entrevista à Lusa.
Admitindo dificuldades nas negociações desta proposta do executivo comunitário, o responsável diz esperar "uma dinâmica positiva" no primeiro semestre do próximo ano.
Até porque, segundo Nicolas Schmit, "os salários baixos não permitirão que a UE recupere" da crise gerada pela covid-19.
Observando que, mesmo à margem desta lei europeia alguns países já estão a aumentar o seu salário mínimo, o comissário europeu dá o exemplo de Portugal.
"O salário mínimo tem vindo a aumentar de forma significativa em Portugal e existe a intenção de o adaptar ainda mais nos próximos quatro anos", adianta o também político socialista.
O Pilar Social é um texto não vinculativo para promover estes direitos na Europa e no qual, além de outras questões, é feita uma referência à remuneração, defendendo que "os trabalhadores têm direito a um salário justo que lhes garanta um nível de vida decente".
Segundo o documento, os salários na UE devem "ser fixados de forma transparente e previsível, em conformidade com as práticas nacionais e respeitando a autonomia dos parceiros sociais".
A Comissão Europeia apresentou em outubro a sua proposta legislativa sobre a matéria, mas está ciente das dificuldades nas negociações no Conselho e tem insistido que não quer impor valores aos países, falando antes em indicadores para garantir uma qualidade de vida decente aos trabalhadores.
A questão suscita dúvidas jurídicas porque, embora não vise harmonizar os valores dos salários mínimos na Europa, pressiona uma subida do salário mínimo nos países que o têm determinado por lei.
Os tratados reconhecem a competência de cada Estado-membro na fixação de salários, mas a Comissão apoia-se numa interpretação flexível que integra o salário nas condições de trabalho, o que para alguns juristas, caso seja uma diretiva, resultará numa interferência nas competências nacionais.
Atualmente, 21 Estados-membros têm um salário mínimo definido por lei, enquanto nos restantes seis - Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália e Suécia -- só através de negociação coletiva é que este existe.
São sobretudo estes seis países que se opõem ao conceito.
Contra a proposta estão também as associações patronais, que argumentam que ela pode vir a pôr em causa a viabilidade das empresas europeias, já fortemente afetadas pela crise pandémica da covid-19.
Bruxelas afasta completamente a ideia de um salário mínimo igual em todos os 27.
Portugal ajudará a criar "Europa social mais forte"
"O que notei relativamente a Portugal é que o país entendeu bem -- o Governo e o primeiro-ministro -- que, como temos tantos e grandes desafios económicos pela frente, precisamos de ter uma Europa mais social", declara o comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, em entrevista à agência Lusa em Bruxelas.
"Penso que isto é fortemente sentido, é uma convicção do Governo português, e é por isso que estou muito feliz por podermos contar com o executivo português para este plano de ação [dos Direitos Sociais]", acrescenta o responsável, elogiando o país por estar "muito motivado e entender esta relação com a transição, com a crise e de que é preciso uma Europa social mais forte".
Uma das grandes prioridades assumidas da presidência portuguesa no primeiro semestre de 2021 será a agenda social, estando prevista a aprovação do futuro plano de ação do Pilar dos Direitos Sociais, um texto não vinculativo de 20 princípios para promover os direitos sociais na Europa aprovado em Gotemburgo (Suécia) em novembro de 2017.
"Se não conseguirmos responder a estas necessidades sociais, então a Europa corre o risco de as pessoas terem a ideia que a Europa não está a lidar com os seus problemas", vinca Nicolas Schmit, nesta entrevista à Lusa.
Adotado há três anos, o Pilar dos Direitos Sociais defende um funcionamento mais justo e eficaz dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social, nomeadamente ao nível da igualdade de oportunidades, acesso ao mercado de trabalho, proteção social, cuidados de saúde, aprendizagem ao longo da vida, equilíbrio entre vida profissional e familiar e igualdade salarial entre homens e mulheres.
A Comissão Europeia está a preparar a sua proposta para o plano de ação e deve apresentá-la formalmente no início de 2021, cabendo à presidência portuguesa conduzir o debate e negociar um compromisso entre os 27 que permita 'fechar' um acordo em maio, aquando da cimeira social no Porto.
"Penso que é um bom momento para o fazer e estou muito feliz de o fazer com o Governo português e com o primeiro-ministro, que já conheço há muito tempo", frisa o também socialista Nicolas Schmit.
Para o responsável da tutela, esta cimeira social também será "um bom momento", dado que permitirá "adotar um plano concreto para assegurar progressos na área social".
Ao mesmo tempo, "servirá enviar uma forte mensagem aos cidadãos europeus, de que não nos esquecemos deles e que não estamos apenas a falar de assuntos como comércio e mercado interno, estamos a falar de assuntos concretos que afetam as pessoas: os salários, os direitos das mulheres, os direitos das famílias, a educação, as competências, os postos de trabalho", elenca Nicolas Schmit.
"Temos de melhorar as condições dos postos de trabalho e também a estabilidade, [...] nomeadamente para os mais jovens, quando começam a sua vida profissional. [...] Temos de fazer com que as pessoas passem a ter uma visão estável da Europa e penso que isso é algo em que o primeiro-ministro português está focado", insiste o responsável luxemburguês.
E conclui: "Se conseguirmos começar a reconstruir esta confiança na cimeira social do Porto, e se o fizermos com base no pilar dos direitos sociais, [...] penso que as pessoas vão considerar que a Europa lhes dá um bom futuro".
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