Antes de ingressar no ensino superior, Elio, de Xangai, não sabia que língua se falava em Portugal. Mas já conhecia Fernando Pessoa. A poesia, aliás, teve responsabilidades na decisão de começar a aprender português, há cerca de meio ano, na Universidade de Estudos Internacionais de Xangai.
“Os poemas de Portugal, gosto do caráter que têm, do romantismo. Não escolhi espanhol porque é muito extrovertido”, disse aos jornalistas, numa entrevista que começou em português e terminou em inglês, na sexta-feira, à margem da cerimónia de encerramento do curso de verão de língua portuguesa da UM.
Elio, inscrito no nível elementar, foi um dos participantes na formação da UM que, este ano, regressou ao formato presencial após três edições ‘online’ motivadas pela pandemia da covid-19. Mas não é o único que se apaixonou pela criação pessoana.
Helena, nome português de Huang Xin Yi, de Pequim, subiu ao palco para dizer versos de Pessoa, num espetáculo que associou poesia e movimento. “Usamos gestos quando falamos e fazemos contacto visual com o público, acho que foi uma experiência muito boa”, disse à Lusa, elegendo o preferido dos poemas: “É o Mar Português”.
O curso de verão da UM, na 37.º edição, decorreu entre 10 e 28 de julho, com as manhãs destinadas à língua portuguesa e a módulos temáticos, em áreas como tradução, história de Macau ou relações internacionais, e as tardes passadas em clubes, nomeadamente de capoeira, folclore ou enologia.
Com 280 alunos, de Macau, China continental e Coreia do Sul, esta edição ficou aquém, em termos de inscrições, dos cursos anteriores em formato presencial - o último tinha sido em 2019, quando participaram cerca de 500 alunos. Entre 2020 e 2022, já em modo 'online', foram "à volta de 300", disse à Lusa um dos coordenadores do projeto.
Vítor Silva acredita que, com este hiato de três anos, “se perdeu um pouco o ritmo” a que as instituições de ensino e estudantes estavam habituados. “Alunos do Vietname este ano não apareceram, da Malásia também costumávamos ter alguns, mesmo da Coreia, normalmente eram grupos de 20 ou 40, e foram muito menos, do Japão nem veio ninguém”, notou.
“Esperamos que toda esta dinâmica que teve este ano acabe por projetar a imagem do curso e que volte a retomar os números pré-pandemia”, disse.
O docente, que fez um balanço "excelente" do curso de verão, salientou que para a iniciativa da UM contribui o "ambiente muito favorável" de Macau - português é uma das línguas oficiais - para "aprender muitos aspetos novos da cultura, além da componente linguística".
“Vêm para Macau envolver-se em atividades que certamente não estão disponíveis no contexto onde eles vivem e aprendem a língua portuguesa, [e contribui] o facto de Macau ser uma cidade muito dinâmica em termos de divulgação da promoção da língua portuguesa. Encontram-se em qualquer parte restaurantes portugueses”, exemplificou.
Celina, nome português escolhido por Zhou Jun, concorda: “Macau é um lugar muito especial, com um ambiente muito bom para estudar português, as placas [na rua] estão sempre escritas em chinês e português.”
A aluna, de Xiantan, cidade da província central de Hunan, estuda há quatro anos português na Universidade Jiaotong, em Pequim. Aconteceu por um mero acaso, quando, finalizado o secundário, folheava uma publicação à procura de cursos e universidades para se candidatar. "Descobri o português num livro", admitiu.
Deste curso que agora terminou, leva "muito sobre os conhecimentos, culturas e artes dos países de língua portuguesa".
Já Elio guarda um ensinamento da professora que encontrou em Macau. "Disse-me para não me afundar na língua, mas para ir lá para fora conhecer a cultura e a história de Macau. Eu acho que a história está intimamente relacionada com Portugal, e quando falamos de Macau ou da UM, não podemos ignorar Portugal".
Sobre o que leva estes jovens a aprenderem português, Vítor Silva explica que, na China, a opção “está muitas vezes relacionada com saídas profissionais”, sendo que, no contexto de Macau, é “um pouco privilegiado quem tem domínio sobre as duas línguas” oficiais do território.
“Na China, penso que estará muito mais relacionado com a motivação não só para trabalhar em funções relacionadas com o governo ou com a diplomacia, mas, acima de tudo, com o mundo empresarial, muito com o contexto do Brasil ou de qualquer outro dos países de língua portuguesa”, explicou.
Elio admite que espera vir a trabalhar no consulado de Portugal em Xangai. Já Helena aponta para o outro lado do Atlântico: “O comércio entre a China e o Brasil está a melhorar e acho que, no futuro, vai haver ainda mais colaboração.”
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