O Património Cultural - Instituto Público (PC-IP) divulgou ao SAPO24 a fotografia da reconstrução do rosto do monarca, divulgada na cerimónia desta tarde em Odivelas.

A reconstrução facial do rei Dinis (1261-1325) foi realizada através de impressão 3D baseada nos estudos arqueológicos e antropológicos desenvolvidos nos últimos anos, em contexto tumular e laboratorial.

“Trata-se da primeira imagem cientificamente fundamentada de um monarca português da primeira dinastia, retratado no final de vida, resultando de um extenso e profícuo trabalho de investigação levado a cabo no Mosteiro de Odivelas, onde D. Dinis escolheu ser sepultado”, recorda este organismo do Ministério da Cultura.

Com a reconstituição facial ficou a saber-se que o monarca morreu com a dentição completa, facto raro para a época. Os seus olhos seriam azulados, teria a pele clara e os cabelos também de tonalidade clara, tendo sido encontrados no túmulo evidências de cabelos ruivos, castanhos claros e grisalhos.

O rosto do rei português foi reconstruído através de impressão 3D na Liverpool John Moores University FaceLab, sob coordenação científica da antropóloga Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra, que fez parte da equipa multidisciplinar encarregada do Projeto de Conservação e Restauro do Túmulo de D. Dinis.

A investigação decorreu com uma abordagem interdisciplinar que envolveu peritos em arqueologia, antropologia biológica, conservação e restauro, História e História da Arte, assinala ainda.

O Projeto de Conservação e Restauro do Túmulo do chamado rei lavrador e trovador, iniciado em 2016 por iniciativa da extinta Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), em parceria com a Câmara Municipal de Odivelas (CMO), distrito de Lisboa, constitui o eixo condutor temático do programa alusivo ao sétimo centenário da morte do rei.

Na cerimónia de hoje foi também celebrado um protocolo de colaboração entre a CMO, o Património Cultural e a Museus e Monumentos de Portugal, que consiste em programação ao longo do ano para assinalar a data.

Assim, está prevista uma "exposição itinerante dedicada à divulgação dos resultados do Projeto de Conservação e Restauro do Túmulo D. Dinis, a inaugurar a 18 de abril", que vai "percorrer o país até ao final do ano", apresentando-se em Monumentos afetos ao Património Cultural e nos Museus e Monumentos Nacionais (MMP).

Vai ainda haver um "Congresso Internacional, a decorrer dias 27 e 28 de junho, no Mosteiro de Odivelas", e vai ser lançado um "livro monográfico/catálogo que reunirá o conjunto de estudos interdisciplinares desenvolvidos", com data prevista em outubro.

Ao longo do ano, há também "programação cultural centrada no Mosteiro de Odivelas" e "interação com as escolas e instituições culturais e recreativas do município".

As descobertas no túmulo de D. Dinis

O rei D. Dinis morreu a 7 de janeiro de 1325, em Santarém, mas, para que se cumprisse a disposição do último testamento, datado de 1322, o monarca foi sepultado no Mosteiro de Odivelas, que fundara em 1295.

Em 2016, foi iniciado um processo de restauro e intervenção multidisciplinar ao túmulo de D. Dinis, com os restos mortais do rei, no quadro de um projeto mais alargado de intervenção do próprio mosteiro, e que permitiu um estudo forense do monarca, uma investigação ao manto que o cobria e a descoberta de uma espada medieval dada como desaparecida.

De recordar que o túmulo do rei Dinis foi aberto em 2019 e encerrado a 28 de junho de 2023, numa operação especial.

"Para garantir a segurança na abertura do túmulo e também no seu fecho foi usada uma estrutura em ferro criada especificamente para este propósito, que se desloca sobre calhas instaladas no chão. Esta maquinaria permitiu que a tampa de quatro toneladas voltasse a pousar sobre a arca tumular, sendo de seguida selada pela conservadora-restauradora de escultura", explicou o Património Cultural ao SAPO24.

Os restos mortais do monarca foram envoltos num tecido de linho e posicionados de modo a respeitar o esqueleto humano. Por cima, foi colocada uma cápsula em acrílico e ao lado uma caixa com pequenos fragmentos ósseos, para que eventuais futuras investigações possam ocorrer sem descerramento da arca tumular.

Este estudo forense, pioneiro em Portugal, permitiu fazer um retrato mais fiel do monarca a partir da análise dos ossos, já que foi feita uma reconstituição em 3D da coluna, que permitiu perceber, por exemplo, que tinha uma doença degenerativa.

Em parceria com a Câmara Municipal de Odivelas, os trabalhos envolveram o Laboratório José de Figueiredo, da MMP e o Laboratório de Arqueociências (LARC) do PC-IP.

Canções do rei para assinalar a data

Sete canções atribuídas ao rei D. Dinis vão ser interpretadas em Leiria esta terça-feira, revelando o resultado de uma nova investigação ao chamado “Pergaminho Sharrer”.

Intitulado “A melodia de D. Dinis”, o concerto agendado para as 19h00 na Igreja de São Pedro dará a ouvir música que consta num documento descoberto em 1990 na Torre do Tombo pelo musicólogo norte-americano Harvey Sharrer, que se crê ter letra e composição do sexto rei de Portugal.

Os músicos e investigadores Esin Yardimli Alves Pereira e Ricardo Alves Pereira dedicaram vários meses ao estudo do “Pergaminho Sharrer” e partilham ao vivo o resultado, num concerto com o percussionista Paul Johnson e o barítono Jorge Luís Castro.

“É um trabalho arqueológico musical muito intenso, o mais científico possível”, explicou à agência Lusa Ricardo Alves Pereira.

O documento onde constam as sete cantigas atribuídas ao rei Trovador (1261-1325) é ainda mais relevante porque se trata do “segundo manuscrito de música secular da Península Ibérica e, porventura, o primeiro de Portugal”.

“Na Península Ibérica existem dois manuscritos descobertos, com música registada com as suas notas, da era medieval, de música secular, não religiosa: um é o do jogral Martin Codax, que tem as cantigas de amigo, o ‘Pergaminho Vindel’, da Galiza; outro é o ‘Pergaminho Sharrer’, com as cantigas de D. Dinis - sete delas”.

Esin e Ricardo debruçaram-se sobre este último, mas a tarefa revelou-se complicada. “É um documento que, felizmente, sobreviveu até aos nossos dias, mas faltam partes muito importantes: já não existe página, existem muitas manchas e foi muito difícil retirar as melodias”.

Os dois investigadores analisaram-no e compararam-no com outro tipo de repertório, para encontrar forma de “poder recuperar as partes que não sobreviveram e também reconhecer o que está escrito”.

“O que fizemos é 100% investigação nossa, com base em investigações que fomos lendo de outros musicólogos. O que se vai ouvir é a nossa visão de como o que está naquele manuscrito poderá ter soado na época, incluindo as partes que lhe faltam”, afirmou.

O estudo revela “melodias bastante diferentes” relativamente a outros. Os investigadores preencheram os espaços em branco das canções que constam no documento, estudando a estrutura de cada canção para encontrar paralelismos e, a partir daí, sugerir “notas e ritmos que lá estariam ou poderiam estar”, bem como “a própria maneira de as interpretar”.

Neste repertório composto por cantigas de amor, o orador, “que se referiu como D. Dinis, mas não tem necessariamente de ser”, dirige-se diretamente à amada, numa “expressão interior das emoções que sente”, em torno “do equivalente à dor de amor”.

Não é a primeira vez que se ouvem integralmente as sete cantigas de D. Dinis. Mas, salientou Ricardo Alves Pereira, será uma nova proposta de como soaria esta música, com base “num trabalho muito científico” que “se tornou também um trabalho muito pessoal e que se vai apresentar ao público com muito carinho”.