Diariamente, a Direção-Geral da Saúde (DGS) emite relatórios de situação com os dados mais recentes da pandemia de covid-19 em Portugal. Os números, sempre a crescer desde o início de março, mostram diferentes itens: há os totais nacionais, regionais, concelhios. Há dados sobre sintomas, idades e local de recuperação.
À medida que o crescimento da doença abranda, a análise dos dados põe em evidência algumas situações estranhas: como, por exemplo, a da região norte com “crescimento” negativo entre segunda e terça-feira. Ou seja, se no dia 25 de maio a região de saúde do Norte (que inclui todos os concelhos de Viana do Castelo, Braga, Porto, Vila Real e Bragança, mais alguns de Aveiro e Viseu) totalizava 16.699 casos confirmados de infeção, no dia 26 perdia dois casos, somando 16.697.
Porém, no mesmo período em análise, concelhos como Braga (+4), Gondomar (+2), Guimarães (+3), Matosinhos (+3), Póvoa de Varzim (+1), Santa Maria da Feira (+1), Valongo (+2), Viana do Castelo (+1) ou Vila do Conde (+1) viam aumentar o número de casos.
O que explica esta aparente disparidade entre os totais da região, a descer, e os totais concelho a concelho, a subir em vários locais?
Existem pelo menos duas explicações para a diminuição de casos num local, como explicou fonte da DGS ao SAPO24. A atualização das moradas é uma delas: quando o caso é reportado, se não lhe for atribuída de imediato a morada de residência do utente, assume-se a morada do local de notificação. Quando as autoridades incluirem o endereço do doente, esse caso vai transitar para o concelho — e, nalguns casos, pode mesmo saltar de região.
Por exemplo: uma pessoa de Mafra que desenvolva sintomas enquanto está de férias no Algarve, após teste positivo em Faro, vai somar-se aos casos do sul do país. Todavia, quando os dados forem afinados, esse caso será atribuído à região correta (Lisboa e Vale do Tejo) e ao concelho certo (Mafra).
Nessa altura, o concelho de Faro perde um caso — e a região de saúde do Algarve também.
Mas há outro fator que pode levar ao desaparecimento de casos: os resultados aos exames das mortes.
Na segunda-feira, dia 25, o relatório de situação somava 14 mortos às contas nacionais, aumentando para 1.330 o total desse dia. Porém, na conferência de imprensa, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, esclareceu logo que apenas seis desses 14 mortes tinham ocorrido de facto ao longo das 24 horas anteriores.
“Apenas seis dos 14 novos óbitos ocorreram nas últimas 24 horas e os restantes nove óbitos incluídos no relatório da situação de hoje resultam da verificação dos certificados de óbitos levado a cabo pela DGS”, disse António Lacerda Sales.
A diretora-geral da Saúde explicou depois que os certificados de óbitos eletrónicos emitidos pelo médico são feitos a pacientes suspeitos de covid-19, mas sem terem ainda um teste positivo.
“Nesta situação covid pode acontecer um óbito e a pessoa tem sintomatologia compatível com covid, o médico regista como covid e depois nas horas seguintes, se chegar um teste a dizer que afinal era negativo, que a causa seria outra, obviamente que esse óbito não é contabilizado. O inverso também pode acontecer”, explicou Graça Freitas.
Esta explicação é confirmada pela Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN). Ao SAPO24, fonte da instituição afirma não ter nada a acrescentar às informações da DGS e do ministério da Saúde.
No início da pandemia, quando o volume de dados era maior, estas oscilações não se notavam tanto. Agora, com os números a evoluir mais lentamente, os desvios saltam à vista: foi o que aconteceu no Norte, entre segunda e terça-feira.
Na segunda, a diretora-geral da Saúde frisou isto mesmo: “pode haver pequenas diferenças” no número de óbitos novos em cada dia. “Agora há muitos poucos casos de óbitos, não estranhem poder haver pequenas diferenças no dia-a-dia que se devem apenas à precisão do certificado de óbito”, sustentou.
E quem diz óbitos, diz os casos confirmados: os números dos concelhos têm vindo a ser ajustados consoante a área de residência, levando à alteração de moradas. Há também situações em que as moradas não são notificadas — e ainda o facto de os dados dos concelhos ainda serem apenas 91% do total local (a percentagem tem vindo a aumentar ao longo da evolução da pandemia).
Pode ainda somar-se uma terceira razão: a limpeza de dados duplicados. Já aconteceu mais do que uma vez, e numa ocasião desenhou um cenário negro na cidade do Porto — quando, na verdade, havia mais de quatro centenas de casos repetidos.
Resumindo, segundo as explicações da DGS ao SAPO24 e à imprensa, é possível uma região perder casos mesmo quando os concelhos que a compõem ganham. O fenómeno deve-se à verificação das informações sobre os pacientes, sejam a confirmação das moradas, a limpeza de duplicados, ou o resultado das análises nos casos de óbitos de pessoas com sintomas, mas ainda sem resultado positivo para a infeção pelo SARS-CoV-2.
Não sendo possível perceber em concreto o que aconteceu aos dois casos que desapareceram das contas da região Norte, a DGS afirma que será uma destas razões a explicar a subtração.
Como se fazem as contas
Os casos desaparecidos não têm a ver com a recuperação dos doentes. Os recuperados seguem para a respetiva lista — mas o seu número não é descontado no total de infetados. Chegar ao total de casos ativos no momento implica subtrair os recuperados e os óbitos ao total de infetados, contas que nos mostram que apesar de Portugal ter (a números desta terça-feira) 31.007 casos de covid-19, apenas 11.569 estarão ainda ativos — os restantes são dados como recuperados (18.096), ou óbitos (1.342).
A velocidade a que os dados são colocados no boletim epidemiológico divulgado todos os dias, nas diferentes caixas, é diferente. Os dados do total nacional, bem como o total agrupado por regiões de saúde, referem-se a 100% dos casos reportados. Ou seja, a soma das várias administrações regionais de saúde deve equivaler sempre ao total nacional.
Todavia, os dados concelhios referem-se, ainda a apenas 91% do total dos casos confirmados, pelo que a soma dos casos a nível concelhio não vai resultar no total nacional ou regional.
Para além disso, à medida que o número de casos cresce nos concelhos (com a afinação das informações dos doentes, nomeadamente através da atualização das moradas), ele não vai crescer nos totais regionais e nacional: porque já lá estava.
A informação sobre o concelho de origem dos pacientes nem sempre é colocada quando o caso é notificado às autoridades de saúde. Há um desfasamento informativo, corrigido num ritmo diferente do da evolução global da pandemia.
Assim, enquanto os concelhos veem crescer os seus números individuais, o valor regional não cresce — e até pode diminuir, como aconteceu com a região Norte no início desta semana.
Portugal contabiliza 1.342 mortos associados à covid-19 em 31.007 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia, divulgado na terça-feira.
A região Norte é a que regista o maior número de mortos (752), seguida da região de Lisboa e Vale do Tejo (325), do Centro (234), do Algarve (15), dos Açores (15) e do Alentejo, que regista um óbito, adianta o relatório da situação epidemiológica, com dados atualizados até às 24:00 de segunda-feira, mantendo-se a Região Autónoma da Madeira sem registo de óbitos.
Portugal é o 23.º país do mundo com mais óbitos e o 28.º em número de infeções
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