Isabel Aguiar estava prestes a celebrar contrato quando a pandemia obrigou o patrão a fechar as portas do restaurante. O ordenado que recebia pelo trabalho de ajudante de cozinha foi substituído pelo subsídio de desemprego, de pouco mais de 400 euros.
No último ano, conta, foram muitos os meses em que esse foi o único dinheiro que entrou em casa, uma vez que o marido também deixou de ser chamado para as obras.
“Começou a quarentena e as pessoas deixaram de dar trabalho. Ele estava a recibos verdes e, de repente, ficou sem nada”, recorda a mulher de 34 anos.
Com as escolas fechadas, a mãe de três filhos pequenos viu as contas de supermercado subirem, porque as crianças deixaram de almoçar e lanchar na cantina.
“Passam mais tempo em casa e também comem mais, além de que gastam mais eletricidade por causa dos computadores”, explica Isabel Aguiar que contabiliza todos os gastos ao ínfimo pormenor.
A sorte, diz, é ser porteira, o que lhe retira as preocupações de ter uma renda para pagar todos os meses. A família Aguiar chegou a equacionar mudar-se da capital para a Beira Alta. O destino seria Andorinha, uma aldeia em Oliveira do Hospital onde vivem os pais de Isabel e onde, acredita, teria a vida mais facilitada.
“É tudo muito à justa”, desabafa, admitindo que o Banco Alimentar Contra a Fome tem sido uma ajuda essencial.
Os 21 bancos espalhados pelo país garantem alimentos a cerca de 390 mil pessoas. Isabel é uma delas e falou com a Lusa no dia em que foi recolher o cabaz de frescos ao Centro Social da Paróquia de S. Sebastião da Pedreira, numa zona nobre da capital.
O centro paroquial é um dos parceiros mais antigos do banco alimentar: “Somos a associação nº 6 do banco alimentar”, conta orgulhoso um dos voluntários que faz o transporte semanal dos alimentos dos armazéns para o centro social.
Na sede dos escuteiros da Paróquia de S. Sebastião da Pedreira, estão Maria de Lourdes e Beatriz Miranda, as duas irmãs da obra social encarregues de dividir e partilhar o que chega do banco alimentar pelas 28 famílias que ajudam.
A dedicação que colocam na missão só é interrompida quando se aproxima o meio-dia. Nesse momento, os cabazes e as famílias têm de esperar porque é hora da missa, na igreja contigua.
Os 75 anos das irmãs passam despercebidos quando estão a fazer os cabazes. Mas isso não significa que não tenham medo de ficar infetadas com covid-19.
“Nós temos receio, mas temos as proteções, temos o gel, as máscaras. Arriscamos pelo bem do outro, mas com todas as prudências”, conta a irmã Maria Bela, diretora técnica do centro social e responsável pela comunidade.
A irmã reconhece que “há muita pobreza” e por isso não desistem da missão de ajudar. Uma vez por semana distribuem cabazes de frescos e uma vez por mês entregam a “box” mensal, onde se encontram alimentos mais duradouros, como azeite, massas ou enlatados.
Teresa André já fazia parte das famílias que recebia a “box”, mas o desemprego do filho mais velho fez aumentar as necessidades. O jovem de 24 anos trabalhava num hotel, mas o confinamento mandou-o para casa: “Começou por vir em lay-off mas como o contrato ia acabar mandaram-no para embora. É complicado”, diz à Lusa.
Agora também recebe o cabaz de frescos semanal, mas não é suficiente para deixar de ouvir as queixas do filho adolescente, de 17 anos.
“O meu filho mais novo diz que já não pode ver sopa à frente. À noite é sempre sopa, fruta e um pãozinho com qualquer coisa. Tem de ser, não dá para fazer duas refeições por dia”, explica à Lusa.
Teresa trabalha no centro social, onde almoça, enquanto os dois filhos fazem as refeições em casa. Antes, o mais velho almoçava no hotel e o mais novo na escola. Nessa altura, “era só o jantar e os fins de semana, mas dava para gerir. Agora não consigo”.
Teresa trabalha na cozinha do centro social e o ordenado “não é muito”, mas nem por isso deixa de fazer voluntariado quando é preciso. “É uma pessoa muito bondosa, está sempre pronta a ajudar”, sublinha a irmã Maria Bela.
Na creche e pré-escolar do centro, os funcionários detetam cada vez mais casos de crianças que os preocupam. “As irmãs vão ter cada vez mais pessoas a pedir ajuda. As pessoas tentam disfarçar, mas nota-se, porque os miúdos já falam connosco e consegue-se perceber a situação”, desabafa.
A irmã Maria Bela conta que há famílias que, até há pouco tempo, ajudavam a instituição com donativos e agora ficaram sem emprego: “São discretos”, aparecem no centro “assim rentinho à noite para vir buscar os produtos para poderem suportar as despesas e conseguirem manter a casa, para não serem postos na rua”.
No último ano, o número de desempregados inscritos nos centros de emprego aumentou em cerca de 100 mil, segundo dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional relativos a janeiro. São mais de 400 mil as pessoas que deixaram de ter rendimentos. A estas, sublinha Maria Bela, juntam-se muitas outras que não chegam aos serviços.
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