O primeiro registo é de 01 de janeiro de 1958, quando contava 16 anos, num jantar na casa da avó paterna, Joana Mavigné Costa, em que recebeu o presente natalício, “uma excelente gravata de seda natural”; o último, de 10 de setembro de 2019, da visita à Casa de Cabanas, em Afife, “lugar cativo [do poeta] Pedro Homem de Mello” (1904-1984).

Adverte o autor que esta aventura numa escrita mais intimista assume sem receio o frente-a-frente "com a desfocagem da pretérita juventude, a enganosa nitidez da maturidade, e a perturbante distorção do futuro incognoscível”.

A adoção de uma “filha inopinada” - uma “rafeira cadelinha”, de seu nome Chiascina e cognome “a peregrina” - merece um anexo, contando a sua história, como foi encontrada em Itália e salva, numa das viagens do escritor, que nesta narrativa dá testemunho do seu afeto pelos animais e pelo gosto por viajar.

Sobre este anexo, o autor de “Os Naufrágios de Camões” qualifica-o como “um discurso celebrativo do amor a uma cadela que salvou da morte prematura [e com quem viveu 13 anos]”, “um gesto com o qual espera que o redimam das suas mais óbvias fraquezas”.

A linha cronológica definida, reconhece o autor de “Tocata para Dois Clarins”, “não contempla capítulos marcantes, e por vezes bem longos”, nomeadamente “os fastos do serviço militar, incluindo o biénio da sua comissão na Guiné[-Bissau] com os períodos imediatamente anteriores e posteriores à Revolução de Abril [em 1974], e com a época que sucede a estes”, que reconhece terem sido “relevantes” para si, pois coincidem com a publicação dos seus dois primeiros romances.

Também não inclui o período que viveu no Reino Unido, iniciado no verão de 1976, assim como a estada, que qualifica como “iluminante”, em Veneza.

Estes 'silêncios' são justificados por Mário Cláudio com a respiração que, na altura, se manifestava "mais cadente ou exaltante do que o repositório deles, ou porque distintas vertentes do ofício exigissem maior empenho ou atenção”.

Sobre o diário afirma o escritor que desfilam nele “a larva repelente, a pedante crisálida, e a mariposa festiva”, reivindicando “o direito às três máscaras”, pois o autor “procurou poupar os que o compulsarem à dolorosa fealdade do planeta, realçando em compensação a sua beleza fugidia”, referindo que “talvez tenha falhado redondamente”, este objetivo.

Mário Cláudio é pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido em 06 de novembro de 1941, no Porto, e que se estreou literariamente em 1969 com o livro de poesia “Ciclo de Cypris”, ao que seguiu, em 1974, a novela “Um Verão Assim”.

Com uma carreira literária de 50 anos distinguida com o Prémio Pessoa e o Prémio Virgílio Ferreira, Mário Cláudio soma cerca de 20 galardões, entre os quais o Grande Prémio de Romance e Novela, da Associação Portuguesa de Escritores (APE), que recebeu três vezes, pelos livros "Amadeo" (1984), “Retrato de Rapaz” (2015) e "Tríptico da Salvação" (2019), e dois Prémios PEN-Clube, por "O Pórtico da Glória" (1998) e "Camilo Broca" (2007).

Em 2019 reuniu a poesia em "Doze Mapas" (1969-2019). A sua obra de ficção mais recente inclui "Embora Eu Seja Um Velho Errante" (2021) e "Teoria das Nuvens" (2023).