“O colonialismo é a base do patriarcado, do racismo e de uma forma heteronormativa de entender o mundo”, afirmou a professora, que ensina literatura luso-brasileira na UCLA e escreveu um livro a parodiar os mitos dos descobrimentos.
Em “O KIT de Sobrevivência do Descobridor Português no Mundo Anticolonial”, Patrícia Lino usa o humor para expor contradições e hipocrisias na estrutura, ainda vigente, da visão do colonialismo português.
“Todo o livro assenta na paródia do discurso colonial português, na ideia de que esse discurso não só é errado e continua a existir, como necessita muito de ser debatido”, explicou a docente.
Entre as ideias que a autora pretende desconstruir pela paródia estão a visão do colonialismo português como menos violento que outros, o excecionalismo do descobridor português benigno ou a exclusividade nacional do conceito de saudade.
“O que faço é debatê-lo via humor, sem agredir ninguém mas falando de coisas bastante desconfortáveis”, continuou. “Falo de raça, de género, de sexualidade, de tudo aquilo que o discurso colonial ainda oprime, insistindo sempre num país branco, masculino, heteronormativo”.
O livro foi apresentado recentemente em espanhol num evento do Latin American and Caribbean Studies Program, da Universidade Cornell, uma vez que as suas críticas e paródias são aplicáveis, de forma geral, a todo o colonialismo europeu.
“A dinâmica opressiva do poder colonial, que se impõe sobre os que são diferentes, é sempre igual, não tem nada de misterioso”, referiu Patrícia Lino.
Em Portugal, a docente sublinhou que ainda se está a debater se vamos debater o colonialismo e há alguns grupos que não querem fazê-lo.
“Há uma certa elite, centrada sobretudo em Lisboa, que não está aberta a debater. Discutir o assunto implica desconstruir todo o poder onde o seu privilégio assenta”, afirmou. “O colonialismo é um fenómeno do presente e manifesta-se em muitas coisas”.
Isso explica, para a professora, que o debate seja sentido como o abrir de uma ferida, que implicaria reconsiderar o sistema educativo e como se ensina a História do país. Levaria também a “questionar o modo como lemos os textos literários, que nos são apresentados de uma perspetiva colonial, falar do racismo que há contra todas as comunidades emigrantes afrodescendentes em Portugal, falar dos direitos da mulher, dos gays, trans, lésbicas”, afirmou.
A professora considerou que o colonialismo “é a base de todos os outros poderes” e que o processo de colonização portuguesa só foi possível devido à casa patriarcal e a subjugação das mulheres.
“O processo coloniza não só o corpo da mulher indígena e negra no território das colónias, mas também o corpo da mulher portuguesa que fica no território imperial, pensando que faz parte do império e a suster as casas grandes”, afirmou. “Sem essa casa patriarcal heteronormativa, o colonialismo não existiria”.
É por isso, disse, que o debate que começa a fazer-se está a ser liderado por “mulheres emigradas, feministas, afrodescendentes, o que tão pouco é uma coincidência”.
O atraso da discussão não é, no entanto, específico de Portugal. “O debate pós-colonial do lado da Europa vai incomparavelmente mais atrasado que o debate que está a acontecer na América do Norte e do Sul”, afirmou a autora.
No livro, são apresentados 40 objetos inventados, cuja descrição de funcionamento provoca o riso e abre a discussão. Um dos objetos mais populares nas performances públicas da obra é a “Sebastiana”, uma máquina que propicia as condições atmosféricas ideais para o reaparecimento de D. Sebastião. Outro é o jogo “Colónia”, uma versão colonial do “Monopólio”.
“A paródia tira-nos o tapete do privilégio, da dialética que muitos estão habituados a manipular de forma muito desonesta”, referiu Patrícia Lino.
O livro, além de estar a ser usado em várias universidades norte-americanas e europeias, foi selecionado como semi-finalista no Prémio Oceanos 2021, que distingue obras literárias provenientes de todos os países de língua portuguesa e irá revelar o vencedor em dezembro.
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