"O que nos move é a fé e o compromisso que temos para com a Mãe". É assim que Miguel Figueiredo descreve o motivo pelo qual voltou a Fátima, apesar da pandemia, fazendo o caminho desde Braga.
"O ano passado também viemos, não há exceções para nós. Claro que temos receios, como toda a gente, mas a fé é mais forte", explica ao SAPO24. O grupo, constituído este ano por quatro elementos, fez um total de 240 km.
"Geralmente somos cinco a caminhar, mas um dos amigos não conseguiu vir por questões profissionais. De vez em quando lá se alarga mais e há mais o amigo do amigo que quer vir, mas não este ano", conta.
Movidos pela fé, a distância é atenuada. São oriundos de Penafiel, Braga e Barcelos, mas Fátima torna-se perto duas vezes por ano.
"Este grupo tem uma particularidade. Todos os anos compramos 40 imagens de Nossa Senhora de Fátima que são benzidas, em outubro, e em maio regressam connosco e vamos entregando às pessoas em várias situações: quando alguém tem um gesto nobre para connosco ou para com os outros e nós reconhecemos isso e também quando entendemos que a Senhora de Fátima vai criar algo positivo, por exemplo se for uma pessoa que está em sofrimento", partilha Miguel.
A Fátima também chegou Dário Encarnação, com um grupo de 11 peregrinos, acompanhado pelo prior de Vila Nova de Santo André, do município de Santiago do Cacém.
"Trazemos peregrinos de todo o litoral alentejano. Geralmente o número tem cerca de 50 a 60 pessoas, mas este ano estamos só os guias do grupo e mais duas ou três pessoas que se juntaram a nós", diz.
Contudo, o caminho não foi feito desde casa. "A equipa que organiza a peregrinação e a logística juntou-se e fez o último percurso, de Alcanena a Fátima. Foi uma forma de confortar aquilo que ao longo dos anos fazemos, que é a peregrinação com cerca de 250 km. Este ano fizemos 25 km".
"É uma decisão muito pertinente para a nossa sociedade", reflete. "Estamos aqui em representação da nossa comunidade, foi isso que nos fez vir cá: é quase simbólico. Cada um de nós traz um afeto muito especial por este lugar, mas acaba por ser o simbolismo de representar esta comunidade".
Ao chegar ao recinto, o grupo fez a cerimónia habitual: um pequeno momento de oração, em roda. Mas nem tudo foi igual.
"Num ano normal, fazemos sempre o círculo e depois de o senhor padre dar a bênção cumprimentamo-nos com um abraço ou um beijo e nada disso é possível. É também um retrato da nossa sociedade nestes tempos", acentua.
Seja como for, "o afeto é sempre o afeto, o abraço é sempre o abraço". E isso vai sempre continuar, apesar de agora ser traduzido por uma simples inclinação de cabeça a cada companheiro de caminho.
A maior dificuldade em 2021: a questão logística
Fazer o caminho para Fátima tem sempre dificuldades, quer a nível físico, quer logístico. Grupos com experiência tentam sempre encontrar alternativas, mas nem sempre é fácil — e agrava-se mais ainda devido à situação pandémica.
"Todos os anos vamos ficando em albergues ou instituições, como a Cruz Vermelha e bombeiros, e este ano, pelos ditos receios da pandemia, tentámos uma alternativa: a tenda. Íamos parando conforme já não se aguentava mais. Estamos a falar de mochilas que andam à volta dos 14 kg, é muita coisa. Mas fomos traídos pelo mau tempo em alguns dias e tivemos de recorrer a um plano B, que foi ficar em instituições", aponta Miguel Figueiredo, ressalvando que foram sempre bem recebidos.
Também Dário aponta os mesmos problemas, que justificam a decisão de o grupo não ter feito o caminho completo.
"Os sítios onde nos acolhem para as dormidas não têm suporte para isso. Optámos logo por não fazer toda a peregrinação porque tínhamos consciência de que é impossível ficar numa Santa Casa ou em coletividades com um grupo. Não podíamos vir lá de baixo [do Alentejo] e dormir todos ao lado um dos outros. Não há estrutura física para isso", conta.
Pedro Dias, um dos 21 peregrinos de um grupo de Viseu que fez 180 km em cinco dias de caminhada, diz que foi um ano normal, apesar de todas as diferenças próprias da pandemia.
"Houve necessidade de ter cuidados redobrados por causa do alojamento, da alimentação. Evitámos locais fechados e entrar em alguns espaços. E fizemos todos o teste à covid-19 antes de iniciar o caminho. Viemos todos com sentimento de segurança", garante.
Ao contrário de grupos que costumam ficar em espaços partilhados, estes peregrinos de Viseu têm por hábito pernoitar em hotéis. "Dormimos sempre assim, cinco noites a contar com a de hoje. Apesar de ser o normal, este ano fomos especialmente cuidadosos com isso".
Considerando que "há sempre a mesma emoção, a mesma vontade de chegar e de absorver toda a mensagem de Fátima", deixar de lado a peregrinação nunca foi uma possibilidade.
"Nunca ponderámos não vir. Nunca se colocou essa possibilidade, salvo se fosse mesmo proibido vir", remata.
Apoio aos peregrinos? Quase inexistente
Entre os vários grupos, o sentimento de abandono ao longo do caminho é comum.
Miguel Figueiredo, que refere que a "aventura desde ano uniu ainda mais o grupo", diz que o pouco apoio de entidades foi também um obstáculo.
"Temos a lamentar a falta de ajuda que há aos peregrinos. Não há apoio rigorosamente nenhum ao longo do caminho. Só vimos dois apoios e foi mesmo aqui a chegar a Fátima: uma farmácia que tinha à porta apoio aos peregrinos e uma autocaravana que tinha comida a distribuir. De resto, mais nada. Fomos nós que nos fomos ajudando uns aos outros para que cá chegássemos. Há sempre uma bolha ou outra, um pé pisado, mas tudo passa. Quando se chega aqui ao Santuário, tudo passa", reflete.
Dário, apesar de ter feito um percurso mais reduzido, afirma também que só viu apoio "à entrada de Fátima". Mas acaba por ser o esperado: "está tudo completamente deserto, não se vê peregrinos como o que é normal ver num 13 de Maio".
E é precisamente numa das entradas de Fátima, junto à rotunda dos pastorinhos, que se encontra um ponto de apoio fixo, orientado pela Associação Paramédicos de Catástrofe Internacional. Bruno Ferreira, um dos voluntários, explica ao SAPO24 que o local está aberto desde dia 8 e até dia 13, mas que não há comparação com a afluência de peregrinos comparativamente aos anos pré-pandemia.
"Neste posto atendemos cerca de 15 a 20 pessoas, mas temos uma viatura que está a percorrer a zona norte para dar apoio aos peregrinos. Alguns sabem que estamos aqui e pedem apoio através do telemóvel ou das redes sociais e vamos ao encontro deles", diz.
Mas isto "não tem nada a ver com o habitual", aponta. "Num ano normal, neste momento teríamos o posto com muita afluência. Por hora, atendíamos uma média de 300 a 350 peregrinos. A média vai muito abaixo, mas já sabíamos que devido à covid-19 e às restrições [de entrada no Santuário] haveria muito menos peregrinos na rua".
Também a equipa reduziu por estes motivos. "Aqui somos 15 e habitualmente num 13 de Maio normal éramos uma equipa de 150 voluntários. É uma diferença muito grande", explica, o que justifica também que só haja um posto de atendimento, complementado pelo apoio de "unidades móveis de rua".
Apesar disso, o trabalho continua a ser feito e as mazelas são as de sempre: bolhas, problemas de tensão e questões musculares. E, numa análise da equipa, o menor número de peregrinos mostra também a responsabilidade de quem vem. "E, no que depender de nós, chegam o melhor possível", conclui Bruno.
Comentários