Veio da universidade e é à Academia que quer voltar, “com a coluna vertebral bem direita”, depois de presidir ao terceiro maior município do país em população. Eduardo Vítor Rodrigues está desde 2013 à frente dos destinos de Vila Nova de Gaia, depois de deitar ao chão Carlos Abreu Amorim e recuperar para o PS uma câmara social-democrata desde 1997.

Também presidente da Área Metropolitana do Porto, o autarca gaiense quer focar o terceiro e último mandato na consolidação: celebrar a expansão do Metro do Porto e olhar para os programas sociais e para o crescimento de uma cidade que não quer ser apenas a margem sul do Porto.

Enquanto o fizer, Eduardo Vítor Rodrigues caminha debaixo da sombra das polémicas que o levam a tribunal, por causa do chamado PAEL (Programa de Apoio às Economias Locais). E ainda que afirme que o processo em que Vila Nova de Gaia está metida pouco tenha a ver com as tentativas de revisão da lei promovidas no parlamento pelo PS, o nome da cidade está lá envolvido na mesma.

A câmara de Gaia é atualmente liderada pelo PS, que conquistou, nas autárquicas de 2017 nove mandatos, sendo oposição no executivo o PSD, com dois eleitos.

Os votos brancos e nulos pesam num concelho que, apesar da dimensão, não cabe na maioria das agendas da cobertura mediática. Eduardo Vítor Rodrigues avisa que “a exuberância dos números é traiçoeira” e prefere destacar os pequenos regressos às urnas: “É sinal de que criámos laços mais fortes e que as pessoas estão disponíveis para confiar, não tanto no partido, mas na pessoa".

Os votos brancos e nulos em Vila Nova de Gaia são superiores à média nacional. Em 2017 cerca de quatro mil pessoas votaram em branco, em 2013 mais de sete mil brancos e quase cinco mil nulos. Isto tem um significado para si?

Tem, tem. Mas antes é preciso dizer que a exuberância dos números absolutos, no caso de Vila Nova de Gaia, em muitos casos é traiçoeira, porque quando se trata de fazer a abordagem relativa ao número de habitantes e ao número de votantes, percebemos que é uma percentagem que em muitos casos está em linha com a média nacional; pode ter 100 votos brancos em Alfândega da Fé e isso significar 1%, e pode ter quatro mil votos brancos em Vila Nova de Gaia e isso significar 0,7%. Portanto, há aqui uma questão que é preciso sempre relativizar. Por exemplo, ao nível do desemprego os números absolutos são traidores para as grandes cidades.

Mas, no caso, significa quase 4% em 2017 e mais de 8,5% em 2013 em brancos e nulos, como disse, o que é acima da média nacional.

O que diz é verdade. Foram dois mandatos muito significativos: no primeiro a situação foi mesmo surpreendente a todos os níveis, no segundo o número de brancos estabilizou - esses quatro mil, quando olhados para quase 200 mil eleitores de Gaia...

...Houve mais eleitores a votar em branco do que no PAN, por exemplo.

É verdade. É significativo, não estou a dizer que não. Estou é a dizer que em alguns casos é preciso relativizar essa questão. Há oito anos a situação foi mesmo evidente, há quatro foi menos. O que fui percebendo à medida que fui falando com as pessoas - muitas me disseram isso, que votaram em branco - foi que são sobretudo pessoas que não tiveram vontade de votar no PSD, aquelas pessoas de transição, que sempre tinham votado no Dr. Menezes e que lhe tinham dado vitórias retumbantes, e não tiveram vontade de fazer um trajeto imediato do PSD para o PS - por falta de confiança, porque eu me apresentava pela primeira vez. Em 2017 é verdade que continua a ser um bocadinho elevado, julgo que há um fenómeno de resistência a votar noutro partido, mas espero que diminua em 2021, porque é sinal de que criámos laços mais fortes e que as pessoas estão disponíveis para confiar, não tanto no partido, mas na pessoa.

O facto de haver agora novos partidos poderá alterar as contas?

Sinceramente, julgo que não. As pessoas estão a perceber - e não é só em Gaia, é sobretudo nas grandes cidades, mas um pouco por todo o país - que muitos dos ditos pequenos partidos estão a fazer apresentação de candidaturas para segurar votos, mas que não são candidaturas por vocação autárquica. Até porque são candidaturas encabeçadas por pessoas que em muitos casos nada têm a ver com o concelho, como é o caso da Iniciativa Liberal, que tem pessoas que não moram no concelho, não trabalham no concelho, são de fora. Julgo, sinceramente, que não alterarão o equilíbrio de forças; mesmo o Chega alterará mais no sul do país do que no norte, onde ainda tem pouca implantação.

Gaia começou a perder população em 2012. Nos últimos oito anos perdeu mais de 3.500 habitantes...

Não sei exatamente em que se está a basear para dizer isso.

"Temos sentido é um aumento de jovens à procura de habitação"

Nos números da Pordata, que mostram uma queda abrupta da população residente a partir de 2013.

Pois, é verdade, mas na comparação entre os Censos 2011 e os Censos 2021 tivemos um aumento de cerca de cinco mil habitantes. 

Não, 1854 habitantes. Houve uma inversão da tendência a partir de 2018, mas não tão acentuada.

Vila Nova de Gaia é um território imenso, com cinco vezes a área do Porto, e há uma zona rural muito caraterizada por mão-de-obra ainda muito associada às artes de carpintaria, serralharia, à construção civil. Durante o período de 2009 a 2012/2013 muita dessa gente foi para fora, e isso refletiu-se na população residente. Mas tem havido um retorno, que a pandemia atrapalhou um bocadinho. Curiosamente, e também de acordo com os dados preliminares dos Censos, temos sentido é um aumento de jovens à procura de habitação para residirem em Vila Nova de Gaia.

Antes de avançar para as questões da habitação, disse que as suas origens são humildes e que isso se reflecte nas políticas de apoios sociais. Pode falar-nos dessas políticas?

Comecemos: somos o único município do país que tem um programa municipal de apoio aos cuidadores informais. Andamos há anos a falar nos cuidadores informais e até o programa nacional é ainda um programa piloto. É o primeiro programa municipal de apoio a uma franja da população que tem cerca de 1.200 pessoas nessa condição em Vila Nova de Gaia, e que nós apoiamos com uma prestação mensal e com um conjunto de medidas que passam, por exemplo, pela institucionalização, durante uma semana, da pessoa cuidada, para que o cuidador possa ter uma semana do que quiser, de férias, de paz, de não fazer nada. O que for.

E para os jovens, os tais que estão à procura de residência no concelho?

Temos um programa municipal de apoio ao arrendamento, criado há quatro anos. Foi um programa que visou ajudar os jovens, sobretudo, e as classes médias a terem um apoio financeiro para aquilo que já era, na altura, um aumento significativo das rendas que se fazia sentir no concelho. Temos também bolsas remuneradas - e não bolsas académicas - de estágios profissionais para jovens que saem do ensino superior, ou que saem do 12.º ano, e quando batem à porta do mercado de trabalho, o mercado diz "você não tem experiência", e, quando querem ter experiência, o mercado de trabalho continua a dizer que não lhes dá oportunidade. Portanto, trabalham na câmara municipal ou nas empresas municipais durante um ano e têm daí uma primeira experiência significativa e remunerada.

"Evoluímos de um patamar em que estávamos numa situação hiper-difícil do ponto de vista financeiro, com cerca de 300 milhões de euros de dívida"

Temos um programa de emergência social para pessoas que vivem em determinado momento a perda de emprego de um dos membros do casal, uma perda de habitação imediata, e conseguirmos acudir a isso, à factura da eletricidade ou da água. Portanto, conseguimos ter uma fonte de financiamento para casos que são de emergência. Depois, temos dois modelos de organização da escola, um que permitem um conjunto de atividades extra-curriculares, juntamente com os pequenos-almoços e os lanches gratuitos, com 15 mil alunos beneficiários, outro que se destina a 800 alunos com deficiências, um programa que julgo único no país, que permite que os alunos possam fazer hidroterapia, hipoterapia e cinoterapia sem que os pais paguem um cêntimo.

Em 2019 a câmara tinha uma despesa per capita de 405 euros, quase metade da média nacional. Porquê?

Porque evoluímos de um patamar em que estávamos numa situação hiper-difícil do ponto de vista financeiro, com cerca de 300 milhões de euros de dívida, e eu não tinha a disponibilidade que tinha o Porto ou Oeiras para avançar com esse processo. Sendo certo que uma parte dessas verbas, por exemplo para as crianças com necessidades educativas especiais, não é paga ao abrigo da ação social, é paga ao nível da prestação de serviços, que são os donos dos centros hípicos, ou das terapias com cães; no caso das piscinas é feito por nós, mas o transporte é pago externamente.

"A linha amarela vai ser duplicada e ao mesmo tempo conseguimos um segundo investimento, já em concurso, que é a segunda linha de Gaia, o interface com o comboio com uma ponte dedicada"

Gaia tem cinco vezes a área do Porto, como disse, e mais população também. Apesar disso, vive na sombra do Porto, é um pouco a margem sul. O que lhe falta para se impor?

Já houve uma primeira evolução. Apesar de tudo, a transição de Vila Nova de Gaia como cidade dormitório para uma Vila Nova de Gaia que interdepende com o Porto, mas ainda tem uma filiação muito forte e até uma dependência do Porto, é muito evidente também. Portanto, as duas coisas são verdade. É um fenómeno que acontece em todos os países onde há grandes cidades, grandes não por serem grandes em área ou população, mas grandes cidades. Quantos de nós são capazes de mencionar uma cidade à volta da Londres ou à volta de Paris? E, no entanto, são cidades como Vila Nova de Gaia. Apesar de tudo, julgo que mudámos de paradigma, deixámos de olhar para o Porto e de ter com o Porto um sentimento de hostilidade, que era muito evidente na governação do Dr. Menezes e do Dr. Rui Rio, e passámos a ter uma interdependência muito forte em projectos comuns e tentar potenciar as nossas caraterísticas, sem nenhum sentimento de inferioridade, o que for, mas com a noção clara de que cidade do Porto não é a marca Porto, que abrange toda a região. Se calhar, quem vier a Braga ou a Guimarães vem ao Porto, até porque a escala metropolitana em Portugal não tem nada a ver com a escala metropolitana no resto da Europa. É um processo que se vai conquistando. Importante, para mim, é que as populações locais sintam essa identidade reforçada - e, sinceramente, acho que isso tem acontecido.

Está aprovada uma lei para desagregar freguesias, que votou favoravelmente. Por que motivo ainda não se fez nada e porque defende um referendo?

A lei só entra em vigor com a nova legislatura, tem aplicação a partir da data de tomada de posse do novo executivo e nove meses para ser aplicada. A ideia é discutir com os órgão autárquicos, a Assembleia Municipal, e depois decidir, e não fazer tudo a régua e esquadro como fez o ministro Relvas. Defendo um referendo, cujo resultado não é vinculativo, exactamente para ouvir as pessoas e para que os gaienses possam exprimir a sua vontade se ter de se cingir aos eleitos, sobretudo porque que penso que o tema não foi suficientemente discutido.

A expansão do metro levantou algumas questões em Gaia por causa do abate de sobreiros. Estamos a pôr em causa o ambiente para reforçar o ambiente?

Não. Isto em ano eleitoral todos os argumentos são bons, sobretudo para os radicais. Veja, Vila Nova de Gaia tem a maior população da Área Metropolitana do Porto ou da região Norte, tem um território que é cinco vezes a área do Porto, na rede do Metro tem uma pequena antena que liga a Ponte Luís I a Santo Ovídio, que é a linha amarela. A linha amarela é uma micro-linha (mais do que de metro, é de centímetro), que, por acaso, é a linha mais rentável de toda a rede do Metro do Porto. E esta linha foi negociada em 1996/97 por Heitor Carvalheiras, Fernando Gomes e Narciso Miranda. Bem sei que custa dizer isto, mas nos últimos vinte anos não houve nenhum acréscimo, apesar da força política que alguns diziam ter. No meu tempo, a linha amarela vai ser duplicada, estendida entre Santo Ovídio, Hospital de Gaia e Vila d'Este e, ao mesmo tempo, conseguimos um segundo investimento, já em concurso, que é a segunda linha de Gaia, que ligará Santo Ovídio às Devesas, o interface com o comboio e daí ao Campo Alegre e à Boavista [ambas já no Porto], com uma ponte dedicada.

O que fazem ou faziam os seus pais?

O meu pai era chefe de secção na empresa Sogrape, em Vila Nova de Gaia, onde trabalhou até vir reformado. Depois, ao fim de ano e meio, fruto de um pequeno problema que o levou ao hospital, trouxe de lá uma sepsis que o condenou na altura em que estava no melhor momento da vida, com a netinha de dois anos a ir com ele tipo porta-chaves para todo o sítio. A minha mãe era empregada de uma fábrica de calçado. Depois, quando nasceram os dois filhos, eu primeiro, depois a minha irmã, optou por vir para casa porque não havia condições para estarmos em creches ou em jardins de infância. É uma família de origem humilde, que me faz muito valorizar as políticas públicas, porque estou certo de que sem elas nunca teria tido dinheiro para financiar um curso superior no privado ou num estatal muito caro.

Quem são os seus amigos?

Tenho vários, alguns deles fora da política. Confundo muitas vezes os amigos e a família, porque os primeiros amigos são os familiares, são os confidentes, são aqueles com quem nós contactamos no dia-a-dia. Mas depois sim, tenho amigos de infância. Tenho, sobretudo, amigos de longa data - não tenho amigos recentes, tenho amigos de longa data, todos os meus amigos hão de ter mais de uma década de presença comigo, não sou daqueles que faz amigos fáceis e imediatos, embora esteja na moda escrever em qualquer mensagem que se manda, conheça-se ou não a pessoa "Caro amigo".

Quem foi o pior primeiro-ministro de todos os tempos?

Pedro Santana Lopes.

Qual o seu maior medo?

A morte.

Qual o seu maior defeito?

Teimosia.

Quem é a pessoa que mais admira?

Nelson Mandela, numa perspetiva internacional, se pensarmos em alguém ligado à vida política. Se pensar numa lógica estritamente pessoal, a pessoa que esteve mais perto daquilo que é o conceito de santidade, seja esse conceito o que for para cada um de nós, foi claramente o antigo bispo do Porto D. António Francisco dos Santos.

Qual a sua maior qualidade?

Entre a resiliência - como agora se chama, para mim é só resistência -, e a enorme capacidade de trabalho - não tenho problemas de horários, uma espécie de workaholic , entre as duas venha o diabo e escolha.

Qual a maior extravagância que já fez?

Não sou extravagante. Julgo mesmo que a maior extravagância foi recuperar, pela módica quantia, na altura, de 4.500 euros, um carro, um Mini 1000, completamente destruído, que tinha sido propriedade do meu pai e que eu fui encontrar em casa de alguém que já o tinha numa situação muito abandonada. E, por uma razão simbólica, quis comprá-lo. E, de facto, comprei-o ao preço de novo, mas depois recuperei-o. Julgo que foi a minha maior extravagância. Não sou muito extravagante, vivo com pouco.

Qual a pior profissão do mundo?

[Ri] Neste momento, acho que é tudo ligado à política, porque estamos sujeitos a tudo. Não, estou a brincar. Acho que a pior profissão do mundo é toda aquela que não tem dignidade nos direitos e no salário, essa é a pior profissão do mundo, mesmo que seja uma profissão altamente qualificada. Penso que aquilo que destrói as pessoas é claramente a ausência de direitos e de dignidade no trabalho.

Se fosse um animal, que animal seria?

Apetecia-me dizer um dragão, mas esse não existe. Eu julgo que seria... julgo que seria um animal tranquilo. Nunca seria um gato, porque o gato é traiçoeiro; seria provavelmente um passarinho, gosto de voar, seria um qualquer passarinho, que fosse colorido - não gosto muito de pardais, mas gosto de papagaios. Acho que para um político um papagaio é capaz de ser a solução ideal.

Quem não merece uma segunda oportunidade?

Os traidores.

Em que ocasiões mente?

[Pensa] Sei que se calhar não me fica bem dizer isto, mas nunca minto. O meu defeito pode ser não dizer a verdade toda, até para não magoar as pessoas, mas mentir, não tenho noção de ter essa abordagem, exceto quando estou a brincar com os meus colegas, dizendo-lhes que sei de antemão que o Benfica vai ganhar ou que o Sporting vai perder ou coisa que o valha. Mas não, mentir não faz parte da minha forma de ser — pode fazer parte da minha forma de ser não contar a verdade toda, muitas vezes com receio de magoar as pessoas, mas mentir não.

Quem foi o melhor presidente de sempre da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia?

[Pensa] Cada um no seu tempo... Conheci-os quase todos pessoalmente e acho que olho para as câmaras municipais como corridas de estafetas. Todos fizeram o seu melhor, no seu tempo e com as suas condições. Não tenho a perceção de que se possa comparar um presidente dos anos 1990, com um presidente dos anos 1970, do pós-25 de Abril, e fazer daí uma apreciação qualitativa. Cada um no seu tempo fez coisas extraordinárias, tenho é a noção de que é uma estafeta e de que cada um tem a obrigação de passar para o seguinte um concelho melhor que recebeu, esse é o meu objetivo. Não tenho é a noção de que a câmara municipal começou com alguém — comigo ou com alguém — e acabou no dia em que esse alguém foi embora. Não tenho essa visão de umbigo.

Se fosse uma personagem de ficção, que personagem seria?

Dom Quixote, é o meu alter ego.

Que traço de perfil obrigatório tem de ter alguém para trabalhar consigo?

Lealdade. Acima da competência extrema, porque competente tem sempre de ser. Lealdade.

Qual o seu filme de eleição?

Pelo impacto emocional, "A Vida é Bela", um filme absolutamente extraordinário pelo impacto documental, não tanto como filme, mas como documentário que me marcou para toda a vida, até pelo momento em que o vi. O SiCKO, do Michael Moore.

O que o faz perder a cabeça?

Os traidores e os mentirosos.

O que o deixa feliz?

Um carinho, seja ele qual for. Seja o abraço do meu filho de quatro anos quando chego a casa, seja uma mensagem inesperada de um amigo, da mulher ou da filha.

Um adjetivo para Cancela Moura?

[Pensa] Corajoso.

Como gostaria de ser lembrado?

Como uma pessoa de bem, boa pessoa. Não tenho nenhuma visão histórica: nós passaremos à história muito rapidamente, portanto, acho que o melhor é ser lembrado apenas como uma pessoa de bem.

Com quem nunca faria uma aliança?

Estamos a falar de alianças políticas, de alianças de... Com quem nunca faria uma aliança? Do ponto de vista partidário, claramente, com o Chega. Acho que estamos nos antípodas e, portanto, jamais. Do ponto de vista de alianças pessoais, não faria alianças com quem me destrata, seja quem for.

Descreva a última vez que se irritou.

[Ri] Foi há tão pouco tempo que é muito fácil [risos]. A última vez que me irritei foi quando recebi uma chamada do delegado de saúde a dizer que por um contacto de risco tinha de ficar em casa dez dias. Isso aconteceu há 15 dias, portanto...

Tem uma comida de conforto ou de consolo? Qual?

Tenho, tenho. O cozido à portuguesa, sim.

Se for eleito presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia qual a sua primeira medida?

Essa pergunta, para quem já exerce funções, é uma pergunta mais difícil, porque, no fundo, isto para mim sempre foi visto como um trabalho de continuidade. Acho sempre que a primeira medida tem de ser visitar os funcionários, cumprimentá-los e pedir-lhes empenho para os quatro anos que se seguem. Foi isso que fiz nos anteriores, é o que eu farei em outubro.

A que político nunca compraria um carro em segunda mão?

[Ri-se enquanto pensa] Quer dizer, por coerência, diria que a Pedro Santana Lopes [risos]. Mas não, não. Não compraria um carro em segunda a mão a vários políticos, acho que não quero mencionar nenhum (alguns dos quais meus antecessores).

Se fosse congelado hoje e acordasse daqui a 100 anos, qual a primeira coisa que iria querer saber?

Onde está a minha família, onde estão os meus filhos, como é que as coisas estão, o que é que aconteceu. Ainda que se ponha isso como uma pergunta completamente absurda, do ponto de vista da realidade, a verdade é que há hoje boas razões para acreditar que a ciência, não tanto no congela e ressuscita, está a avançar para um aumento "artificial" da esperança média de vida.

Ainda não respondeu à questão ambiental...

No meio deste investimento todo, percebo que pareça uma mudança de paradigma: tradicionalmente este tipo de obras vão para municípios com outro peso político e, de repente, o peso político vira para Vila Nova de Gaia e as obras viram para Vila Nova de Gaia. De toda a Área Metropolitana do Porto, de todos os municípios, incluindo o Porto, é a maior rede aprovada de expansão do metro. Foi uma grande vitória política. Reduzir isso a uns tantos 40 sobreiros - uma parte deles já afectados pela bactéria Xylella fastidiosa outros excessivamente antigos, com um compromisso da Metro do Porto junto da APA [Agência Portuguesa do Ambiente] de os replantar nas serras de Valongo, que foi onde a APA sugeriu, quer sobreiros, quer árvores autóctones, em vez de eucaliptos ou plátanos -, é uma minudência que nem faz sentido. É apenas tentar manchar um trabalho que ninguém esperava que acontecesse e que foi extraordinário.

"A Gaiurb, que é a empresa municipal de urbanismo, teve mais processos para apreciar em ano de pandemia do que no ano anterior"

O metro até Vila d'Este não é arriscar que também ali as habitações passem a ter um valor incomportável?

Esse risco seria preocupante se estivéssemos perante uma urbanização que vai agora começar a ser ocupada. Na verdade, o que está a acontecer ali é uma coisa diferente, que é o que em muitos casos devia acontecer, que é, primeiro, termos habitação a preços relativamente controlados, depois fazermos a reabilitação, que nos custou 22 milhões de euros e é reabilitação em muitos casos em casas particulares, e, depois de as pessoas terem comprado a preço relativamente baixo, terem infra-estruturas dignas que, mais do que aumentar - porque aumenta -, o valor das casas, aumenta a auto-estima e melhora aquele que era o sentimento de segregação de Vila d'Este. Acho que é o modelo desenvolmentista que devemos seguir - e se houver aumento do valor da habitação, trata-se, no fundo, de ajudar classes médias baixas, ou até mesmo classes baixas, que tinham casas que custavam 30 mil ou 35 mil euros e agora vão custar 70 mil ou 80 mil.

O preço médio de compra e venda de propriedades em Vila Nova de Gaia é de 117 mil euros, já acima da média nacional. Isso não é dissuasor para quem quer viver no concelho?

A questão do valor do metro quadrado de habitação em Vila Nova de Gaia é evidente: tem subido. Subiu em plena pandemia, quer para venda, quer para arrendamento. E tivemos também um aumento do número de processos de licenciamento. A Gaiurb, que é a empresa municipal de urbanismo, teve mais processos para apreciar em ano de pandemia do que no ano anterior. Agora, é evidente que este é um fenómeno que não é apenas de Gaia, é um fenómeno das áreas urbanas, é um fenómeno que tem muito que ver com um tempo de crise imobiliária, em que os empreiteiros deixaram de construir porque a banca deixou de emprestar. Se falhou alguma coisa? Falhou o facto de, a partir do último mandato do professor Cavaco Silva como primeiro-ministro, nunca mais ninguém ter pegado na habitação pública como uma prioridade. Depois, o que nós tivemos foi a oportunidade que nos trouxe esta bazuca para ter um valor - 1,4 mil milhões de euros -, para investir, sobretudo nas áreas metropolitanas.

"Os quadros comunitários anteriores foram sobretudo para grandes investimentos, muitos deles altamente centralizados, e, sobretudo, para financiar orçamentos do Estado"

Qual o valor proposto por Gaia?

O município de Gaia já assinou a sua estratégia local de habitação, mais de 143 milhões de euros. A minha convicção, até como alguém que tem costela de esquerda, é que quando o mercado se intensifica nas suas lógicas predatórias compete ao Estado encharcar um pouco o mercado com respostas que permitam regular o preço, não pela lei, por tabelas, por decreto, mas pela intervenção de política pública. E é isso que vamos fazer, tarde e a más horas, infelizmente, porque este não é um assunto que nenhuma câmara municipal possa fazer por si só. Felizmente, aproveitando a bazuca, esta área, como a área dos transportes ou da digitalização, passaram a ser prioritárias - já não era sem tempo.

O pior é que temos tido sucessivas bazucas. Nesta altura ainda temos os fundos comunitários 2020, o 2030 e vamos agora o PRR. Que projetos outros projetos além da habitação gostaria de candidatar?

O primeiro projeto do PRR aprovado em Bruxelas, o primeiro do país, foi a segunda linha de metro de Gaia. Conseguimos alocar cerca de 400 milhões para as duas áreas metropolitanas, onde Gaia tem a sua parte para as políticas de combate à pobreza e apoio às comunidades desfavorecidas. Portanto, há aqui, apesar de tudo, valores significativos que nunca tivemos. É bom que digamos que os quadros comunitários anteriores foram sobretudo para grandes investimentos, muitos deles altamente centralizados, e, sobretudo, para financiar orçamentos do Estado. A bazuca não pode ser isso. A bazuca tem de ser um instrumento de investimento no território, por isso é que se fala da ferrovia, do metro, dos hospitais, etc. Convinha era não ter expetativas exageradas quando, ao mesmo tempo, temos um discurso hipócrita, que é o discurso de que para fazer as coisas é preciso uma mega-burocracia para garantir a transparência. Ora, como eu acho que quanto mais burocracia menos transparência, como tenho experiência do último quadro comunitário, que, à data de hoje, ainda só tem 55% de taxa de execução quando devia estar a acabar a 31 de dezembro, percebe-se bem que não é por falta de vontade dos atores institucionais que as coisas não se fazem.

"Nós somos um país em que a legislação autárquica são dois volumes grossos da Almedina"

É porquê?

É por paragens de dois e três anos nos tribunais, por impugnações, por burocracias brutais, por tempos infinitos que o Tribunal de Contas demora a mandar vistos. Não podemos querer as duas coisas. Acho que temos instrumentos financeiros que, em muitos casos, não sabemos aproveitar por erros de opção política. Noutros casos não sabemos aproveitar por um fincar de pé, uma lógica burocrática que parece ser uma lógica de transparência e não é. Os países do Norte da Europa, onde há menos corrupção e mais transparência, são países em que a legislação autárquica é um livrinho fininho. Nós somos um país em que a legislação autárquica são dois volumes grossos da Almedina.

De quem é a culpa?

Do legislador. Estamos a começar a funcionar num modelo de camadas legislativas como camadas geológicas. Um mandato deixou uma camada legislativa, o mandato seguinte vem e produz legislação, os deputados são avaliados pelo número de leis que propõem e pelas vezes que faltam ao Parlamento e, portanto, propõem leis umas em cima das outras.

... Mas continuam a faltar ao Parlamento.

Continuam a faltar (mas têm os assessores). O que eu promoveria, se pudesse, se mandasse, era a criação de uma comissão - bem sei que criar comissões hoje em dia é uma coisa má -, mas aqui era uma comissão de deslegislação, para limpar a legislação.

Criar um órgão burocrático para desburocratizar?

Alguém que limpasse as várias camadas, que em muitos casos são contraditórias. Encontra uma lei de 1990 que diz para fazer para a direita e depois encontra uma lei aprovada recentemente que diz para fazer para a esquerda, sem ter revogado a que diz para fazer para a direita.

Já que estamos a falar de leis e do Parlamento: em julho o PS, o PEV e o PCP aprovaram na Assembleia da República uma lei que propunha alterações ao PAEL [Programa de Apoio à Economia Local]. Essas alterações iam despenalizar, sobretudo, presidentes de câmara da CDU e do PS. O seu processo já não seria abrangido, uma vez que é o único que já está em tribunal, mas como olha para esta situação?

Veja, foi muito injusto todo este debate que se fez a propósito de Vila Nova de Gaia, porque o processo do PAEL, no caso de Vila Nova de Gaia, nunca seria, ou dificilmente seria, abrangido por alguma mudança de lei. Porque, que eu saiba, as leis não têm efeitos retroativos, portanto, qualquer lei que viesse a ser aprovada agora não teria efeito num processo que já está em curso. Agora, vamos ver qual é o processo que está em curso em Vila Nova de Gaia: em 2015, eu tinha um ano e três meses de presidente de câmara, tive a sorte de ter uma inspeção da Inspeção-Geral de Finanças, a IGF, que não vinha a Vila Nova de Gaia há 15 anos.

"Consegui demonstrar que em três anos e meio é possível passar uma câmara que estava com as contas no vermelho há 16 anos para uma câmara com as contas no verde"

Acha que foi de propósito?

São factos, não sei, não faço juízos de valor, espero sempre que as entidades não sejam politizadas nem partidarizadas. É o que eu espero e desejo em nome da democracia. Acontece que chegados a 2015 as portas foram abertas e a IGF chegou a duas conclusões absolutamente maravilhosas: primeira conclusão, Gaia tinha as contas no vermelho; segunda conclusão, Gaia tinha reduzido pela primeira vez o IMI, por proposta da câmara à Assembleia Municipal. A primeira conclusão deveria levar a IGF a ter vergonha de ter andado tantos anos a ver no jornal como é que a câmara de Gaia estava e a chegar a 2015 para descobrir que tínhamos a conta no vermelho. O problema é a consequência que a IGF tira disto. É que a IGF diz: "Gaia tem as contas no vermelho. Quem é o presidente?" "É este senhor" "Ele é o responsável porque, simultaneamente, é o responsável pelo pelouro das Finanças". Ministério Público. E a seguir diz: "Gaia baixou o IMI. Mas, numa lógica de boa gestão e de tentar passar as contas ao verde, tinha obrigação de cobrar as taxas no máximo para rapidamente resolver o seu problema financeiro" E eu digo: Não senhor. Estou muito orgulhosamente a defender-me em tribunal, para mim isto é uma medalha. Ninguém está a acusar-me de corrupção, ninguém está a acusar-me de desvio de dinheiro...

... Nem todos os processos são por corrupção. A má gestão também pode ser penalizada - estou a falar no geral.

Mas, repare, consegui demonstrar que em três anos e meio é possível passar uma câmara que estava com as contas no vermelho há 16 anos para uma câmara com as contas no verde, até hoje completamente consolidada, uma câmara de bom nome, de boas contas, sem dívidas, como os documentos oficiais mostram. E fi-lo sem ir ao bolso dos cidadãos. Porque não foi apenas o IMI que eu baixei, quero relembrar-lhe que extingui a taxa das rampas, que era uma taxa que existia em Gaia, criada pelo Dr. Menezes, em que tinha de pagar uma taxa por ter uma rampa de acesso à garagem. Extingui a taxa de Proteção Civil. Abdiquei de receita, não por erro de gestão, mas pela minha convicção de que quando um país se endivida ou quando uma cidade se endivida em excesso não têm de ser sempre os mesmos a pagar; a classe média, os que pagam impostos. 

Ainda assim, as receitas em impostos da câmara de Gaia...

Subiram.

... correspondem a 62% da receita, quando a média nacional, já considerada alta, é de 38%.

E ainda bem, sabe porquê? Veja por favor: extingui a taxa das rampas, extingui a taxa de proteção civil, baixei para metade a taxa de resíduos sólidos na fatura da água, reduzi o IMI e, ainda assim, aumentámos a receita. Foi porque a atividade económica, depois da crise, a partir de 2013, melhorou enormemente, e o aumento da receita é o IMT, fruto das transações imobiliárias, é o crescimento de uma malha urbana onde os apartamentos são vendidos a preços elevados e, portanto, as taxas que pagam à câmara são também elevadas.

Quando chegou a câmara tinha um passivo de 300 milhões e oito anos depois passou para 92 milhões. Em que ano havia os 500 milhões que a IGF diz que...

Os 500 milhões são o consolidado em 2015, com as empresas municipais. Ou seja, é tudo muito bonito quando falamos da câmara apenas, mas se me permite a falta de modéstia, o meu mérito não é apenas ter passado a dívida da câmara de 300 milhões para 92 milhões, coisa absolutamente recorde no país - e tendo diminuído os impostos -, mas é também ter resolvido o problema de três empresas municipais, todas no vermelho, e que hoje são empresas estáveis, duas empresas e uma associação sem passivo. Agora, reflita comigo, por favor, se eu paguei nestes sete anos (eu, a minha gestão) 200 milhões de euros, o que seria capaz de fazer se tivesse herdado uma câmara no verde. O meu processo é este, e é até relativamente anedótico para todas as instituições que uma câmara municipal esteja a ser julgada estando com as contas equilibradas. E não há PAEL, há PAELs, com s: há dois Programas de Apoio à Economia Local, o PAEL I e o PAEL II - o PAEL I foi, por exemplo, o que recebeu a câmara de Alfândega da Fé ou Aveiro. O PAEL II era para câmaras em situação de necessidade de tesouraria e, ao contrário do PAEL I, não era obrigatório manter os impostos no máximo.

E GAIA estava no PAEL II?

Estávamos e estivemos. O que a IGF diz é: "Bom, mas mesmo não estando no I, como estava com as contas no vermelho devia ter mantido o IMI no máximo". Ou seja, vamos lá ver: não violei o PDM [Plano Diretor Municipal], não aumentei a dívida...

Foi uma boa opção votar esta lei no verão, numa altura de eleições autárquicas?

Podiam ter feito antes, depois, para a semana, para o mês que vem ou há dois anos. Quando quisessem. Uma coisa é certa, não tem nada a ver com Gaia. Gaia aparece sempre misturada porque há um deputado do PSD do Porto que resolve tentar embrulhar Gaia, não apenas nas embrulhadas que já tinham com a escolha do candidato à câmara, mas numa lei que, por ignorância ou má fé, tentou fazer aplicar a Gaia quando ela não se aplica. Já lá vão três anos e meio desde e ainda não há segundo processo em tribunal [restantes câmaras]. Se calhar foi por culpa da pandemia.

Santana Lopes esteve um mês e duas semanas à espera de que o Tribunal Constitucional validasse a sua candidatura.

Validou dentro dos prazos que a lei prevê. No meu caso, espero que retirem Vila Nova de Gaia desta confusão. Gaia não tem nada a ver com a lei, não precisa de lei nenhuma.

Que pergunta tem para Cancela Moura, o candidato do PSD a Gaia?

Não tenho pergunta nenhuma, no sentido em que conheço o raciocínio e o pensamento dele, porque é vereador sem pelouro na câmara. Quando muito, a pergunta que lhe faria é por que razão não defendeu Gaia no parlamento em momentos tão decisivos como este, em que um seu colega de bancada mistura Gaia numa confusão que não tem nada a ver com Gaia. Porque não esteve mais ativo na defesa de Gaia? Mas é uma pergunta de retórica, porque não tenho nada a perguntar ao Cancela Moura. Ele tem de fazer a campanha dele, eu tenho de fazer a minha. E o povo, no fim, decide. Penso que a seguir à morte uma das coisas que mais receio é essa, dos tribunais. Tenho 50 anos apenas (embora não pareça [risos], estou ali como o Pedro), e daqui a quatro anos, se ganhar as eleições, o mais certo é voltar à minha vida. E a minha vida é na faculdade [de Letras da Universidade do Porto]. Portanto, apesar de todas as questões que vão levantando dessas trapalhadas políticas, quero entrar lá como saí: com a coluna vertebral bem direita.

Para terminar, Gaia está recetiva a receber refugiados do Afeganistão?

Temos duas instituições disponíveis para o efeito, a Misericórdia e a Cruz Vermelha. Embora sejam elas as interlocutoras, somos nós que vamos providenciar a logística, porque elas não têm casas. É uma estratégia de parceria. Estamos referenciados, mas não tenho ainda noção do que aí vem, porque os primeiros refugiados que chegaram estão completamente orientados em Lisboa, uma série de instituições e de pessoas que já apregoaram essa questão. No nosso caso, não fizemos nada que fosse público, até porque não queria que parecesse uma feira, como se fosse uma coisa engraçada. Comunicámos às entidades oficiais, o Ministério da Defesa sabe, e, logo que seja necessário, temos as habitações municipais accionadas, com a parte técnica, social, assumida pelos nossos parceiros.