Pegando no exemplo dos Açores, a professora de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa questiona o que acontecerá “do ponto de vista da prática parlamentar no dia-a-dia”, se após várias votações do mesmo diploma, este não for aprovado e passar para a sessão legislativa seguinte?
“Isto cria bloqueios institucionais não só do próprio parlamento. Mas imagine que há um diploma do governo que vai ao parlamento e que cai nesta situação. Há um bloqueio institucional efetivo, o que para a governação não é propriamente um passeio no parque, porque, quer dizer, dado que é aquela assunção do Miguel Albuquerque, que é difícil governar dia-a-dia, diploma a diploma”, salientou Teresa Ruel.
Para a investigadora das dinâmicas políticas das regiões autónomas, por isso é que “não foi possível chegar a acordo com a Iniciativa Liberal”, porque o caderno de encargos era substantivo”, designadamente com o pacote da baixa de impostos.
A agenda da Iniciativa Liberal (IL) era demasiado pesada para "aqueles que foram os compromissos eleitorais assumidos pela coligação, portanto, seria governar com outro programa e não com o programa da própria coligação”, apontou Ruel.
Voltando ao exemplo do governo dos Açores, coligação PSD/CDS/PPM que está em maioria relativa e necessita de apoio parlamentar, neste caso da IL, do Chega e do deputado independente, lembrou que para as suas propostas passarem e o orçamento ser aprovado, os liberais lembram sempre que “têm que negociar”.
Na Madeira, vai depender de “como é que o governo vai fazer esta gestão, se propõe ele, em decreto, em projeto de decreto ou se é o próprio parlamento, através das bancadas parlamentares, ou seja, do PSD ou do CDS, ou mesmo do PAN”, a avançar com as propostas, disse.
“A estratégia da ação política depois depende daquela que é a própria natureza e o próprio tópico do diploma a ser a ser apresentado”, considerou, frisando que, nesse caso, haverá “momentos em que vai haver necessidade de ir buscar um voto a algum lado”.
Nesse sentido, apesar do acordo com o PAN “como viabilizador da maioria no parlamento”, o que “tem um cariz utilitário”, Teresa Ruel sublinhou que o PAN “também deixou no ar que, nas medidas que não necessitem de uma validação” sua, “claramente abstém-se de participar nessa viabilização, da maioria no parlamento, e também não deixa de ser interessante essa posição”.
Referindo-se às medidas conhecidas do acordo, a investigadora considerou que não têm “uma estratégia de política pública” e são “uma coisa avulsa”, como, por exemplo, a “vacinação gratuita para os animais”, porque quem não tem animais não beneficia da medida.
“Estou a caricaturar uma medida, mas estou a caricaturar uma das medidas que foram anunciadas”, admitiu Teresa Ruel, acrescentando que há processos complicados que tocam nos “pesos pesados da intervenção do PAN” ou nas suas causas, como a ambiental, com a estrada que vai atravessar a floresta Laurissilva, que está em tribunal por uma ação popular, ou um teleférico para o Curral das Freiras, que está em concurso, “portanto, já está decidido”.
“Aquilo não vai parar porque tem a ver com aquilo que são os interesses económicos e aquilo que é o investimento já feito, e a deputada eleita disse mesmo que o que conta é daqui para a frente, o que está para trás, está para trás”, vincou.
Em termos gerais, perante a vitória da coligação PSD/CDS-PP com 23 deputados, a investigadora do ISCP destacou como tendência “a descida do PSD e a perda da confirmação da maioria absoluta que tinha sido averbada em 2019” e “uma perda também substancial do CDS”, embora apresentando-se em coligação e, por isso, não se saber “muito bem quais são as perdas efetivas”.
Já o PS “efetivamente não conseguiu imprimir ou validar esta dinâmica de competição política de 2019, que esteve à beira também da alternância política”, mas, apesar de um PSD “gasto e completamente ausente” e “já esgotado do ponto de vista daquilo que é a oferta política”, os socialistas não têm “um projeto alternativo que possa substituir esta governação de 47 anos do PSD”.
“Aquilo que nós vemos é que, e com base também naquilo que foi a expressão de votos nos partidos mais pequenos, o eleitorado está efetivamente fatigado. Existe uma fadiga associada a estes anos e esta longevidade de governação, mas não há uma alternativa política em que os eleitores efetivamente possam confiar”, notou.
Por outro lado, com a eleição de novos partidos, o Chega e IL, duas reentradas, do Bloco de Esquerda e PAN, o reforço do Juntos Pelo Povo (JPP) e a confirmação da CDU, “o cenário pós-eleitoral e de funcionamento do parlamento regional em nada colide com aquilo que será, ou aquilo que tem sido a governação”.
Para Teresa Ruel, a subida do Chega “é o ímpeto Ventura, não é mais do que isso”, pois “os próprios candidatos do Chega são dissidentes do PSD, portanto, não há aqui novidade nenhuma”.
Nas eleições de domingo, a coligação PSD/CDS-PP obteve 43,13% dos votos (58.399 votos) e 23 lugares no parlamento regional, constituído por um total de 47 deputados.
Miguel Albuquerque (PSD), que no rescaldo eleitoral fechou a porta a qualquer acordo com o Chega, confirmou na terça-feira um acordo de incidência parlamentar de quatro anos com o PAN, viabilizando assim uma maioria absoluta no hemiciclo.
Há quatro anos, o PSD elegeu 21 deputados, perdendo pela primeira vez a maioria absoluta que detinha desde 1976, e formou um governo de coligação com o CDS-PP (três deputados).
A segunda força política mais votada no domingo foi o PS, com 11 mandatos, o JPP conseguiu cinco, o Chega quatro, enquanto a CDU (PCP/PEV), a IL, o BE e o PAN elegeram um deputado cada.
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