Maioria rumo a quarto orçamento, já sem “diabo” de Passos mas com eleições à porta
A "geringonça", maioria parlamentar de esquerda, terá um quarto Orçamento do Estado para negociar e aprovar, "órfã" do principal rosto da oposição, Passos Coelho, que a uniu dois anos contra a austeridade.
PS, BE, PCP e PEV tiveram de gerir e digerir, ao longo de 2017, bons indicadores da economia e o melhor resultado de sempre dos socialistas em eleições locais - a primeira 'sondagem' real em urnas desde as legislativas de outubro de 2015 -, bem como o recuo da CDU, coligação entre comunistas e ecologistas (menos 10 de 34 municípios).
As autárquicas contribuíram também para esfumaçar a ameaça do "diabo" económico-financeiro vaticinada pelo ex-primeiro-ministro e líder social-democrata, Pedro Passos Coelho, que se negou a uma recandidatura à frente do PSD.
Em 2018, Passos Coelho será substituído no cargo por Santana Lopes ou Rui Rio, os dois candidatos que até ao momento se apresentaram à sucessão e que prometem uma oposição menos "maléfica" e mais responsável, aberta a eventuais consensos de regime.
Em 2017, já houve mais gente nas ruas e em greve face a 2016, por melhores condições de vida em virtude da folga orçamental, com o apoio de BE, PCP e "Os Verdes". Posições que não impediram estes partidos de se juntarem ao PS para chumbar a única moção de censura ao Governo até agora, apresentada pelo CDS após os fogos florestais, que provocaram mais de uma centena de mortes.
Em rota de colisão mais frontal e já na reta final de análise ao Orçamento do Estado para 2018 estiveram os bloquistas, que viram a sua ideia de uma contribuição extraordinária no setor energético das renováveis, estimada em 250 milhões de euros, chumbada pelo PS, que contrariou o próprio sentido de voto anterior, na especialidade, numa medida que já fora acordada com o Governo.
2017 ficou ainda marcado pela recente eleição do ministro das Finanças, Mário Centeno, para liderar o Eurogrupo, depois de ter cumprido as metas europeias (recorrendo a cativações, menor investimento público e mais verbas para a estabilização do sistema bancário).
O executivo de António Costa considerou-o um triunfo da sua "via alternativa", o "virar da página da austeridade" e uma atenção da Europa ao "pilar social", mas será Centeno a lidar com o iminente aprofundamento da integração europeia, como resposta ao ‘Brexit’ (saída do Reino Unido da União Europeia), entre outras questões.
A escolha de um ministro das Finanças e Economia a 27, a reforma da União Económica e Monetária, a União Bancária, um Fundo Monetário Europeu ou até políticas de segurança e defesa comuns são matérias com que bloquistas, comunistas e ecologistas discordam, reclamando soberania nacional.
Com legislativas em 2019 no horizonte e a conclusão desta inédita XIII Legislatura, considerada impossível por muitos analistas, BE, PCP e PEV falaram sempre de um "Governo minoritário do PS", sem o quererem integrar nem se mostrando adeptos da renovação dos atuais acordos.
Matérias como a reestruturação da dívida - cujo 'rating' também melhorou em 2017- ou a rutura com as regras comunitárias orçamentais ou relativas ao euro continuam a ser divergências para com os socialistas pró-europeus por parte de BE, PCP e PEV.
Sob o espetro de maioria absoluta socialista ou até de novas geometrias parlamentares, as alas mais à esquerda do PS, os bloquistas, os comunistas e os ecologistas seguem, para já, entre o apoio a um Governo que tem a "espada" do crescimento económico e do emprego "na mão" e o "muro" do défice ordenado pela União Europeia e da dívida pública aos credores, embora com alguns ganhos.
Há a perspetiva do descongelamento de carreiras na função pública, concretizou-se alguma amenização dos escalões de IRS, novos aumentos extraordinários das pensões, contínuo aumento do salário mínimo nacional, assim como outras medidas de reforço dos serviços públicos (saúde, educação, transportes públicos) e apoios sociais.
Será também dada maior atenção, este ano, às diversas propostas partidárias sobre gestão da floresta e correção de assimetrias, após os incêndios do verão e outono.
Santana ou Rio, um deles vai ser o novo rosto da oposição
O PSD vai escolher o 18.º presidente no início do ano, em 13 de janeiro, entre Rui Rio e Pedro Santana Lopes, e despede-se do seu segundo líder mais duradouro, Pedro Passos Coelho, à frente do partido desde 2010.
Depois de Passos Coelho ter anunciado a 3 de outubro que não se recandidatava, foram precisos apenas dez dias para que o partido tivesse dois candidatos à liderança: Rui Rio, que já há um ano admitia entrar na disputa, e Santana Lopes, que acabou por ser a surpresa.
No mesmo período, dois ‘pesos pesados’ do partido, o ex-líder parlamentar do PSD Luís Montenegro e o eurodeputado Paulo Rangel, ponderaram disputar a liderança, mas acabaram por se autoexcluir, por razões políticas e pessoais.
O futuro líder do PSD apenas terá a sua direção eleita em meados de fevereiro – o Congresso realiza-se entre 16 e 18, em Lisboa –, entrando em plenitude de funções a cerca de ano e meio da data prevista para as legislativas, que deverão realizar-se entre setembro e outubro de 2019.
Antes, e se nada se alterar no calendário eleitoral, Santana Lopes ou Rui Rio terão o seu primeiro teste nas urnas nas eleições europeias, em maio de 2019.
Ambos os candidatos têm sido críticos da atuação do Governo, com Santana a considerar que a atual solução governativa está esgotada, só se mantendo por “sobrevivência do poder”, e a antever que a legislatura poderá terminar antes de tempo. Já Rui Rio tem centrado as críticas num modelo económico baseado no consumo e numa solução governativa que impede verdadeiras reformas para o país.
Rio e Santana dizem estar disponíveis para consensos com o PS em matérias estruturais, mas os dois afastam que os entendimentos possam ocorrer na reta final da atual legislatura.
Quanto ao passado recente do PSD, tem sido o antigo primeiro-ministro a elogiar com frequência Pedro Passos Coelho, classificando o trabalho que fez pelo país durante o período da ‘troika’ como de “salvação nacional” e criticando o seu adversário por ter alinhado com os que atacavam o partido.
Já Rui Rio tem alertado para a erosão do PSD ao longo dos últimos anos e dito que, se esta trajetória não for invertida, o partido corre o risco de perder a capacidade de influenciar a governação, como aconteceu com outros partidos tradicionais na Europa.
Quer Rio quer Santana já elogiaram o trabalho do grupo parlamentar, mas ainda nenhum clarificou se apostará na continuidade do líder parlamentar, Hugo Soares, com mandato até julho de 2019, um lugar que ganha relevância já que nenhum dos candidatos é deputado.
2018 é também o ano em que os sociais-democratas se despedem da sua segunda liderança mais duradoura: a seguir a Cavaco Silva, que presidiu ao PSD durante dez anos, segue-se Passos Coelho, que quase completará oito anos à frente do partido.
O resultado das autárquicas de 01 de outubro de 2017– o PSD obteve o pior resultado de sempre em número de câmaras, 79 sozinho e 98 com as coligações, contra as 160 do PS - levou Passos Coelho a fazer uma reflexão de apenas dois dias antes de anunciar que não se recandidataria para não prejudicar o partido.
À frente do PSD desde 26 de março de 2010, e reeleito em 2012, 2014 e 2016, sem nunca ter tido oposição interna organizada, Passos Coelho exerceu o cargo de primeiro-ministro entre junho de 2011 e novembro de 2015, em dois Governos sucessivos em coligação com o CDS-PP, embora o segundo tenha durado menos de um mês, na sequência do ‘chumbo’ do programa do executivo no parlamento pela esquerda.
No primeiro executivo, o líder do PSD governou a maior parte do tempo sob assistência financeira externa, na sequência do pedido de resgate de 2011, ainda por um Governo socialista.
Já na oposição, nos últimos dois anos, a relação do líder do PSD com o primeiro-ministro socialista, António Costa, foi sempre tensa, com Passos a apostar, primeiro, no incumprimento das metas pela atual solução governativa e, depois, a atribuir os resultados económicos favoráveis em parte à herança do seu executivo e à aposta num 'plano B' de continuação da austeridade nunca assumido pelo executivo.
Enquanto foi líder do PSD, Passos Coelho venceu as duas legislativas que disputou, em 2011 e 2015 - esta última em coligação com o CDS-PP -, mas perdeu para o PS a maioria das câmaras do país nas eleições autárquicas de 2013, perda agravada em 2017, e em 2014 foi também vencido pelos socialistas nas europeias, coligado com os democratas-cristãos.
No plano regional, Passos Coelho perdeu as duas eleições nos Açores durante o seu mandato, em 2014 com Berta Cabral na liderança e em 2016 com Duarte Freitas, mas ganhou as da Madeira em 2015, apesar da saída do líder histórico Alberto João Jardim, substituído por Miguel Albuquerque.
Nas duas eleições presidenciais durante o seu mandato, Passos Coelho viu ser reeleito, em 2011, Cavaco Silva, candidato ao qual o PSD deu o seu “apoio inequívoco” e, em 2016, eleito à primeira volta Marcelo Rebelo de Sousa, que contou com uma “recomendação de voto” por parte dos sociais-democratas.
Passos Coelho prepara-se para abandonar o parlamento quando o PSD tiver novo um líder, mas não é ainda conhecido o que fará no seu futuro profissional. O antigo primeiro-ministro está a escrever um livro que incide sobretudo sobre a sua governação durante o período da ‘troika’, mas que também abordará o regresso à oposição. O livro, que já estava a ser escrito antes de Passos ponderar deixar a presidência do PSD, ainda não tem data de publicação prevista.
No último jantar de Natal da bancada sob a sua liderança Passos defendeu que o PSD será sempre “um partido relevantíssimo” na democracia portuguesa e afirmou que a sua decisão de não se recandidatar à liderança lhe parece “cada vez mais acertada”, sendo tempo de abrir um novo ciclo.
2018 é decisivo para avanço da descentralização para as autarquias
A descentralização de competências para as autarquias terá uma oportunidade decisiva em 2018, com a ‘bênção’ do Presidente da República, que notou ser “um ano bom” para uma reforma que o Governo quer concretizar “com todos os partidos”.
O processo de descentralização de competências para as autarquias e entidades intermunicipais encontra-se em apreciação na especialidade no parlamento, que resolveu suspender a discussão das propostas do Governo e de outros partidos antes das eleições autárquicas de 01 de outubro.
A proposta governamental prevê transferência de competências, entre outras, nas áreas da educação, saúde (cuidados primários e continuados), ação social, transportes, cultura, habitação, proteção civil, segurança pública, áreas portuárias e marítimas e gestão florestal.
Também reclamada pela Associação Nacional de Freguesias (Anafre), a necessidade da descentralização foi apontada como “desígnio nacional” pela resolução do XXIII Congresso da ANMP, que decorreu a 9 de dezembro, em Portimão, Algarve.
Os mais de 800 congressistas, que reelegeram o socialista Manuel Machado como presidente do conselho diretivo, aprovaram por unanimidade a resolução considerando a descentralização, as finanças locais e os fundos comunitários pós-2020 como “essenciais para a construção de um Portugal mais moderno, mais coeso e mais inclusivo”.
O Presidente da República, no encerramento do congresso, advertiu que a descentralização é “para as pessoas e não para os responsáveis políticos”, no sentido de corrigir desigualdades no país, e referiu que 2018 é “um ano bom” para clarificar a transferência de competências, pela ausência de eleições.
Marcelo Rebelo de Sousa advogou ainda a “legitimação das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional [CCDR]”.
O Governo defende maior intervenção dos autarcas na escolha dos dirigentes das CCDR, assim como eleições diretas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
O primeiro-ministro, António Costa, foi ao congresso assumir a meta de convergir para o cumprimento integral da Lei das Finanças Locais até ao final do atual mandato autárquico e comprometer-se com a descentralização enquanto reforma do Estado.
Uma primeira avaliação da ANMP considerou positivas várias normas do anteprojeto da nova Lei das Finanças Locais, apresentado pelo Governo, embora com “surpreendentes omissões”, mas Cabrita salientou que a proposta tem de ser trabalhada do ponto de vista técnico.
Na comissão parlamentar de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação estão para apreciação, além da proposta de lei do Governo, iniciativas de PSD, CDS-PP, PCP, BE e PAN.
O PSD e o CDS-PP fizeram depender avanços na aprovação da lei-quadro do conhecimento dos diplomas setoriais e do esboço da Lei das Finanças Locais.
O PCP e o BE também criticaram a falta de estudos sobre cada área a transferir, mas os comunistas defendem que a descentralização deve passar pela regionalização, enquanto os bloquistas temem que a transferência de competências, como saúde e educação, leve à privatização de serviços nos municípios mais pequenos.
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