“Não foi a nossa vontade, não é? Mas está a acontecer, não há outra coisa”, explicava Jorge Olímpio, enquanto a panela com arroz e outra com repolho cozinhava na fogueira em plena avenida de Angola, centro de Maputo, totalmente bloqueada por manifestantes e população.

Um Natal passado a cozinhar na rua, como forma de protesto, mas sem carne, porque não há dinheiro. Ainda assim, o dia é passado nas panelas, no asfalto, entre barricadas e pneus a arder.

“Não estamos contra ninguém, estamos contra aquilo que ouvimos [anúncio dos resultados das eleições] (…) Depois de falarem o que falaram, íamos fazer o quê”, questionava ainda, enquanto já se preparava para servir o arroz com repolho à família e amigos.

O Conselho Constitucional de Moçambique proclamou na tarde de segunda-feira Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), como vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, sucedendo no cargo a Filipe Nyusi, bem como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar, nas eleições gerais de 9 de outubro.

Este anúncio provocou o caos em todo o país, com manifestantes nas ruas, barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia, que tem vindo a realizar disparos para tentar a desmobilização, com registo de pelos três mortos e vários feridos, segundo levantamentos provisórios de organizações não-governamentais no terreno, nomeadamente em Maputo.

Um pouco por toda a capital moçambicana há hoje, ainda, barricadas, pneus em chamas e manifestantes que impedem a circulação automóvel, enquanto a destruição das horas anteriores, e sobretudo da noite, torna mais visível a destruição e o caos.

Bancos incendiados nos arredores do centro, como do Millennium BIM, do grupo português BCP, e postos de combustíveis saqueados, nomeadamente da Galp, entre pneus em chamas marcam o cenário da véspera de Natal na capital moçambicana, com várias avenidas tomadas por manifestantes, que contestam os resultados eleitorais anunciados.

Semáforos e postos de eletricidade derrubados, juntamente com sinais de trânsito, paus, troncos, garrafas e vidros, além de sinais de trânsito, impedem a já quase inexistente circulação automóvel na capital, exceção de alguns jornalistas e ambulâncias, perante a forte presença policial e de militares, e a ameaça de arremesso de pedras por alguns manifestantes.

Os acessos ao aeroporto internacional de Maputo encontram-se sob forte vigilância policial, como foi possível ver no local, e os poucos postos de combustível em funcionamento na capital registam filas para abastecimento.

O mesmo acontece nas padarias, com dezenas a fazerem fila, como Marisa Parquim, que ao fim de mais três horas conseguiu comprar pão para levar para as oito pessoas que vivem na sua casa.

No caminho de regresso a casa cruza a avenida de Angola, totalmente bloqueada, e recorda a noite passada: “Muito complicada. A população saiu à rua”.

Conta que a polícia reagiu e tentou dispersar com o lançamento de gás lacrimogéneo e tiro.

“De noite senti um cheiro de gás na minha casa, porque vivo aqui atrás”, relata, descrevendo que logo de seguida tudo “pegou fogo”.

“O Natal está todo prejudicado. Não há Natal, infelizmente não há de haver Natal. Para mim, para a minha família, não há de haver Natal”, desabafa.

Já para Rabia Satat, muçulmana, o desgosto é a morte do marido, no domingo, que foi a enterrar apenas hoje, e não no próprio dia como prevê a sua religião, mas que devido à “confusão” nas ruas não conseguiu assistir.

“Muito lamentável, tentem resolver da vossa forma possível, mas deixem a nós, o povo, pelo menos enterrar os nossos entes queridos (…) Resolvam. Pelo menos façam o mínimo pelo povo”, explicava, depois de chegar a Maputo apenas com recurso a mototáxi, ao mesmo tempo que o marido era enterrado.

Estas manifestações e paralisações, que desde 21 de outubro já provocaram a morte de pelo menos 120 pessoas, têm sido convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados inicialmente anunciados pela Comissão Nacional de Eleições e agora proclamados pelo Conselho Constitucional, que lhe atribuem cerca de 24% dos votos.

* Paulo Julião (texto) e Luísa Nhantumbo (fotos) *