A Acreditar lançou esta terça-feira uma petição que visa alargar o período de luto pela morte de um filho para 20 dias.

João de Bragança, Presidente da Acreditar e primeiro signatário desta petição, recorda que há 20 anos teve cinco dias para regressar ao trabalho após a morte da sua filha de sete anos. "Serviram para pouco, para quase nada", escreve.

Há cerca de 400 diagnósticos de cancro pediátrico por ano em Portugal. A taxa de sobrevivência ronda os 80%, mas infelizmente nem sempre estas histórias têm um final feliz. E quando é esse o caso, a lei estipula cinco dias de faltas justificadas até ao regresso ao trabalho.

O Código do Trabalho (Art.ºs 249.º e 251.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro e suas subsequentes alterações) prevê um regime de falta justificada para as situações de luto parental de 5 dias consecutivos. Igual regime decorre da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Art.º 134.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho e suas subsequentes alterações).

E se "nenhum luto é igual a outro luto, porque cada um de nós é diferente do outro: há a fé, o sentido que damos às coisas, a rede social ou familiar, as circunstâncias do drama", certo é que "cinco dias – o tempo que o Estado nos dá para regressarmos ao trabalho após a morte de um filho - será manifestamente pouco", escreve João de Bragança. "Em cinco dias faz-se o imediato, o urgente, tantas vezes o burocraticamente inadiável. Damos uma camada de tinta à alma e ao corpo, não lhe damos novas fundações. Não nos preparamos para o futuro, por absoluta falta de tempo".

É urgente cuidar dos cuidadores
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Mauro Paulino e Sofia Gabriel, do Instituto de Psicologia Clínica e Forense, salientam que "a perda de um filho é considerada uma das experiências mais traumáticas vivenciadas pelo ser humano. Este luto é definido como um processo intenso, complexo e de longa duração, dada a sua natureza incompreensível e devastadora. Por estes fatores, o luto por um filho tende a ser mais prolongado do que outros lutos, pois pode durar toda uma vida".

Segundo os investigadores, "este luto encontra-se associado a sintomas de depressão e de stress pós-traumático, bem como a um risco elevado de suicídio e de necessidade de hospitalização psiquiátrica. Os sintomas tendem a estar particularmente presentes nos primeiros seis meses, mas a maioria dos pais vivência sintomas de depressão e de stresse pós-traumático vários anos após a perda. Um fenómeno representativo da intensidade do sofrimento são as taxas de mortalidade tendencialmente superiores dos pais, seja pelo decréscimo na saúde física e mental, ou devido às taxas elevadas de suicídio".

Assim, defendem, "sendo certo que o Código do Trabalho não poderá abranger a universalidade das situações, nem abranger um tempo indeterminado de faltas por motivo de falecimento de um filho, resulta, pelo menos, evidente, à luz da ciência psicológica, que o prazo de cinco dias é manifestamente insuficiente para a intensidade do trauma de perder um filho".

O objetivo da Acreditar com esta petição é alterar o Regime Legal do Luto Parental e abrir espaço para outros aspetos que a análise parlamentar aprofundada do tema possa suscitar, em prol dos interesses dos trabalhadores vítimas de luto parental.

Como ajudar pais em luto?

Nesta campanha, a Acreditar deixa igualmente pistas sobre como ajudar pessoas que estejam a passar por uma situação de luto parental.

Antes de mais, é necessário ter disponibilidade física e emocional para apoiar pais em luto.

"Nos primeiros momentos após a perda, os pais encontram-se num estado de choque e podem sentir muita dificuldade em apoiar o(s) seu(s) outro(s) filho(s). É aqui que a família alargada e os amigos têm um papel fundamental, dando apoio e acompanhando nas tarefas de cuidados emocionais aos irmãos da criança perdida, também eles em sofrimento".

Neste contexto é ainda importante:

  • Escutar sem julgar os sentimentos, sem interpretar;
  • Oferecer-se para passar tempo com a pessoa;
  • Perguntar em que poderá ajudar sem tentar adivinhar necessidades;
  • Elogiar mudanças positivas percecionadas no comportamento dos pais (por exemplo, referir “eu sei que estás a sofrer e que cada dia é um novo desafio, mas vejo que já és capaz de manter uma rotina e que os teus filhos apreciam bastante isso”.
  • Ouvir mais do que falar;
  • Facilitar a comunicação com perguntas sobre o seu estado emocional (por exemplo, como te sentes? Que estás a pensar?);
  • Mostrar disponibilidade para os momentos difíceis (por exemplo, “estou totalmente disponível para te ouvir, sem julgamentos ou críticas, mas também para respeitar o teu tempo e espaço”).

Quem está a acompanhar pais em luto pode ainda ser uma ajuda em questões práticas — como fazer chamadas, cuidar de outras crianças da família, perguntar pela alimentação e descanso — ou burocráticas.  E, na medida do possível, é vantajoso que quem está a fazer este acompanhamento descanse na sua própria casa ou na casa de um familiar próximo, acompanhando a pessoa em luto apenas nas noites em que esta considere importante e respeitando se esta desejar estar sozinha.

Por fim, não se deve hesitar em procurar apoio profissional para questões jurídicas, médicas, psicológicas ou outras.

A Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994 e está presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dando apoio em todos os ciclos da doença nos planos emocional, logístico, social, entre outros. Associação procura ainda ser uma voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias e promover mais investigação em oncologia pediátrica.

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