“A medida entusiasmante que a Organização Mundial de Saúde tinha anunciado no sentido de definir o envelhecimento como algo que se pode tratar como uma condição médica foi, infelizmente, revertido”- A frase foi escrita por David Sinclair, professor na Harvard Medical School e um dos nomes mais influentes na discussão sobre o envelhecimento e a forma de o abordar.
Sinclair não é um curioso nestes temas – está desde 1995 a investigar o envelhecimento e, já em 2007, a revista do MIT escrevia sobre ele e sobre o seu entusiasmo numa abordagem diferente do envelhecimento que passava por entender o processo como tratável em vez de inevitável. O problema, escrevia a MIT Technology Review citando um colega de longa data e rival científico, é que às vezes podia ser “excessivamente otimista em relação aos seus resultados”. Mas, citando colegas de Sinclair, escrevia também que “até agora, tem tido a sorte de as suas afirmações se terem revelado maioritariamente verdadeiras.”
De então para cá passaram-se 17 anos e, nestas quase duas décadas, o tema do envelhecimento ganhou redobrada importância e atenção. Envelhecer sem ficar velho – o que, na prática, significa não ficar mais fraco e/ou com doenças – tornou-se um objetivo de várias investigações científicas e uma promessa para uma sociedade que a nível global, mas em especial no mundo ocidental, está a viver mais anos e a mudar culturalmente a forma como olha para a velhice.
Voltando à pesquisa de David Sinclair. Há 17 anos, a sua “grande descoberta” era o resveratrol, uma substância química encontrada no vinho tinto que prolonga a vida dos ratos em até 24 por cento e de outros animais, incluindo moscas e vermes, em até 59 por cento. “O sistema que funciona nos ratos e em outros organismos é evolutivamente muito antigo, por isso suspeito que o que funciona nos ratos também funcionará nos humanos”, afirmou, na altura, o cientista.
O resveratrol está hoje presente em vários produtos, nomeadamente de cosmética, e, ao longo destes anos, um conjunto alargado de outras substâncias – como as que Nicklas Brendborg refere na sua entrevista ao SAPO24- foram sendo também alvo de investigação pelas suas propriedades anti-envelhecimento.
Vantagens e desvantagens de se considerar a velhice uma doença
Mas, voltando à premissa inicial: deve ou não o envelhecimento ser equiparado a uma doença que pode ser tratada? Essa foi a discussão que a OMS manteve em 2022 com especialistas de vários institutos, após a qual decidiu que seria arriscado assumir essa equiparação. A discussão envolveu uma mudança de expressão na definição da deterioração física associada à velhice que passava por deixar de usar a palavra “senilidade” e optar pelo termo mais abrangente “old age” (idade avançada), diagnóstico ao qual estariam associados sintomas, sinais e investigações clínicas. O facto de a velhice / idade avançada ser alvo de diagnóstico permitia, por seu lado, registar novas substâncias e terapias o que ia ao encontro de várias investigações e propostas clínicas em curso.
A proposta desta equiparação acabou chumbada pelo argumento invocado por vários especialistas que o seu uso poderia ter resultados inversos ao esperado, legitimando a “idade avançada” como causa de doença. Ou seja, não investigando outras causas, outras doenças por se assumir apenas uma causa que seria a idade. David Sinclair esteve entre os especialistas que não concordaram com a decisão. “A visão atual de que o envelhecimento é aceitável é, em si mesmo, idadismo”, afirmou então.
A forma como se define o envelhecimento é também uma questão de linguagem, mas é sobretudo uma discussão científica e que tem sido impactada pela evolução da ciência e do conhecimento da biologia humana.
O que é o envelhecimento, afinal?
A MIT Review of Technology perguntou a vários investigadores como definem o envelhecimento e obteve várias respostas. Simon Melov, professor do Instituto Buck de Investigação sobre o Envelhecimento, cujo laboratório examina os mecanismos fundamentais que impulsionam o envelhecimento, considera-o como "um declínio da função ao longo do tempo". Daniel Belsky, professor assistente na Escola de Saúde Pública Mailman da Universidade de Columbia, encara o envelhecimento desta forma: "O envelhecimento é uma causa de doença, não uma doença em si", afirma.
Mais complicado ainda é definir a partir de que ponto uma pessoa se torna velha. A idade cronológica é hoje cada vez mais discutida, uma vez que estilos de vida, capacidade económica e, claro, genética, a tornam diferenciada de pessoa para pessoa.
Os dados mostram que a longevidade é, em si mesmo, um pilar do futuro das sociedades. Vejam-se alguns números:
- Em 2020, o número de pessoas com 60 anos ou mais ultrapassou o número das crianças com menos de cinco anos
- Entre 2015 e 2050 estima-se que a população com mais de 60 anos duplique, totalizando cerca de 2,1 mil milhões no mundo
- Entre 2020 e 2050, estima-se que a população com mais de 80 anos triplique, sendo mais de 400 milhões de pessoas
- Em 2050, 80% das pessoas mais velhas estarão a viver em países com baixo ou médio rendimento
As empresas são uma parte importante nesta equação, nomeadamente pelo dinheiro que alguns investidores estão dispostos a investir na descoberta de novas terapias que travem o envelhecimento. Não será de estranhar que muitos desses projetos sejam apoiados a partir de uma das capitais da inovação e da tecnologia, Silicon Valley, com startups como a Turn Biotechnologies e a Altos Labs. Países com bolsos fundos como a Arábia Saudita também estão nesta corrida, planeando investir mil milhões de dólares por ano em investigação para prolongar a esperança de vida com saúde, ou seja, o número de anos em que uma pessoa se mantém saudável. Nos Estados Unidos está a ser pedido aos cientistas, através dos Institutos Nacionais de Saúde, que solicitem financiamento para investigação relacionada com a idade.
Europa está na corrida da ciência da longevidade
Nesta linha de investigação e de inovação, a Europa poderá não ficar atrás dos Estados Unidos, como aconteceu na corrida à tecnologia. Várias empresas, muitas startups, trabalham atualmente no desenvolvimento de novas propostas no domínio do envelhecimento e do aumento de anos saudáveis.
Um dos nomes a reter é o de Michael Greve, fundador da Kizoo Technology Ventures, sociedade que já investiu em startups como a britânica de terapia celular LIfT BioSciences, a suíça de longevidade Cellvie, entre outras. Greve é também o fundador da Forever Healthy Foundation.
A Cellbricks, fundada em 2015, desenvolveu um sistema de impressora 3D para órgãos artificiais. No futuro, o objetivo é que a biofabricação de órgãos e tecidos humanos seja uma prática médica comum — para proporcionar vidas mais longas e saudáveis.
A britânica GlycanAge, por seu lado, está focada em medir o envelhecimento biológico ao verificar moléculas de açúcar no sangue que rodeiam e modificam as proteínas no corpo humano. Com um teste de sangue em casa, a empresa analisa uma amostra para fornecer aos utilizadores a sua idade biológica, além de oferecer uma consulta por vídeo para ajudar os utilizadores a melhorar a sua saúde.
A suíça Cellvie está a desenvolver uma tecnologia que permitirá o transplante terapêutico de mitocôndrias, as centrais energéticas da célula, sendo que a disfunção mitocondrial pode ser um dos principais motores da degeneração relacionada com a idade. A tecnologia da Cellvie visa reintroduzir mitocôndrias funcionais em órgãos com mitocôndrias em falha, o que pode aumentar a sobrevivência dos tecidos após uma lesão aguda, mas também pode ajudar a revigorar os tecidos envelhecidos em geral.
Há nomes portugueses a considerar. A Asgard Therapeutics, que foi notícia em 2024 por ter angariado 30 milhões de euros de investimento, é sediada na Suécia mas tem no grupo de fundadores três portugueses, Fábio Rosa, Cristiana Pires e Filipe Pereira que começaram a sua investigação na Universidade de Coimbra. A Asgard Therapeutics é uma empresa privada de biotecnologia pioneira na reprogramação celular direta in vivo para imunoterapia contra o cancro, uma das causas de morte que mobiliza mais recursos.
Além das investigações laboratoriais há também um número crescente de ofertas preventivas. As clínicas de longevidade estão a constituir-se como um novo mercado, como é o caso da sueca Neko Health, fundada em 2018, uma clínica de cuidados preventivos. Oferece exames não invasivos que recolhem mais de 50 milhões de pontos de dados sobre a pele, coração, vasos, respiração, inflamação e mais. A tecnologia da Neko é baseada em IA, pelo que a empresa espera que a sua capacidade de diagnóstico melhore com o tempo.
Cientistas como Melov e Belsky vêem estas decisões como boas, mas deixam alertas sobre dados que são já hoje reconhecidos como determinantes para uma vida saudável por mais anos: alimentação, exercício, ar puro.
Mas o desafio de ter mais pessoas a viver vidas mais longas com saúde é, sobretudo, um desafio aos sistemas de saúde que, à data de hoje, estão preparados sobretudo para a resposta à doença em vez da sua prevenção. São reativos em vez de proativos e uma mudança na forma como atuam pode ter um impacto maior que muitas drogas.
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