Em 23 de março de 2020, quando as escolas no estado de Massachusetts, na costa leste dos EUA, foram encerradas por causa da pandemia de covid-19, a Discovery Language Academy foi a primeira escola portuguesa a passar para aulas remotas.
A pandemia trouxe desafios para os professores, que tinham diferentes tipos de formação, mas também “ajudou muito”, considerou a diretora Leslie Vicente, em entrevista à agência Lusa, porque “abriu muitas portas”.
Chegado o verão passado, ainda em plena pandemia, o programa de verão que sempre se fazia na escola, apoiado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, também teve de ser ‘online’.
“Eu pensei, porque não fazer aulas de verão no zoom?”, disse a diretora, que fez um folheto e publicou no Facebook para apelar aos pais de crianças mais novas.
Depois começaram a chegar ‘emails’ de pais de várias partes dos EUA, particularmente da Califórnia, perguntando sobre aulas de português para os seus filhos, que, por causa da pandemia, também estavam em casa.
Com essa oportunidade, as crianças de diversas pontas do país foram reunidas de forma virtual: “Agora nós temos alunos da Califórnia, alunos em Florida, em Wellesley, em Nova Iorque. Temos alunos em vários estados”, acrescentou Leslie Vicente.
Entre New Bedford, cidade localizada na costa leste dos EUA, e a Califórnia, no ocidente, existe uma diferença de três horas e a distância pode ser medida em mais ou menos 5.000 quilómetros ou percorrida num voo de seis horas.
A escola conta com cerca de 200 alunos e a procura continua em alta, com o português a ficar atrativo também para famílias sem nenhuma ligação a países lusófonos, que representam cerca de 15% dos alunos, disse a diretora à agência Lusa.
Quando as escolas de New Bedford foram autorizadas a reabrir, há pouco mais de dois meses, as aulas da escola portuguesa passaram a funcionar de maneira híbrida, com alguns alunos na sala de aula e outros em casa.
“O equipamento eletrónico ajuda, os ecrãs nas salas de aula são enormes”, disse a diretora, levando em conta que os professores têm melhores condições de ver os alunos do outro lado do país quando têm ecrãs maiores.
A diretora desta escola privada, registada como organização sem fins lucrativos, sabe que o sucesso da Discovery Language Academy está associado à “sorte” de ter acesso às novas tecnologias, quadros interativos, uma sala de realidade virtual e outros equipamentos, num prédio moderno cedido pelo empresário luso-americano James DeMello.
Os protocolos que são assinados com o Camões — Instituto da Cooperação e da Língua e o esforço do coordenador do Ensino de Português nos EUA, João Caixinha, também fazem imensa diferença, com a doação de manuais, acrescentou a diretora.
“Mas há muitas escolas [portuguesas ou comunitárias] nos Estados Unidos que são numa sala atrás de um clube ou na loja” de baixo, sem espaços ou recursos apropriados, disse.
Com a pandemia de covid-19 ainda a progredir, cada estado pode determinar regras diferentes em relação às aulas e às instituições de ensino.
Sem a certeza se as aulas vão voltar a ser 100% presenciais ou se vão ficar remotas, também fica a dúvida se as crianças californianas poderão continuar a frequentar as aulas virtuais com os alunos de New Bedford, devido aos horários letivos que as escolas criarem.
Será, no entanto, um dos objetivos para a Discovery Language Academy, admitiu Leslie Vicente à Lusa.
Escolas portuguesas nos EUA têm de adaptar ensino aos novos perfis de emigração
Ao entrar para a escola portuguesa comunitária de New Bedford, nos Estados Unidos, há seis anos, Leslie Vicente achou que o currículo era “antiquado” e não tinha nada a ver com o perfil da emigração de hoje em dia.
A forma de ensino e de trabalho com as crianças era adaptado a gerações antigas, considerou Leslie Vicente, diretora da escola portuguesa de New Bedford, Discovery Language Academy, em entrevista à Lusa.
“As professoras da primeira classe só falavam português com os alunos”, o que assustava as crianças luso-americanas, nascidas nos EUA e que nunca tinham aprendido a língua em casa com os pais ou avós.
Mesmo que a cidade de New Bedford tenha uma grande percentagem de portugueses ou lusodescendentes (entre 40% a 60% dos habitantes dizem ser portugueses ou descendentes), a diretora declarou que “já não são os alunos de 1980, que são criados pelos avós e falam português em casa”.
“São alunos cujos avós já trabalham, já não estão em casa; os pais falam mal português ou pouco ou nada”, fruto de serem segunda ou terceira geração de portugueses nos EUA.
Chegarem a aulas onde os professores só falam português, que para as crianças é como uma língua estrangeira, só criava mais preocupação aos alunos, que voltavam para casa muito desanimados, às vezes a chorar, e a querer desistir.
“Eu disse – isto não faz sentido, as crianças estão em pavor”, referiu Leslie Vicente, recordando a sua própria experiência: “Eu lembrei-me que quando eu cheguei aos Estados Unidos, era ao contrário”.
Leslie Vicente nasceu nos Estados Unidos, mas viveu uma parte da sua infância em Portugal e quando regressou aos EUA “só falava português”, mas foi diretamente colocada numa escola norte-americana, em língua inglesa, que não conhecia tão bem.
“Eu ficava horrorizada e depois comecei a ter notas más, e não era por não ser inteligente, era porque eu não entendia”, partilhou.
De modo que, agora, os professores da escola começam a comunicar com os alunos em inglês e, consoante a evolução, passam a falar cada vez mais português.
Em 2015, quando entrou para a escola portuguesa, que antes se chamava Portuguese United for Education, Leslie Vicente vinha com o objetivo de inspirar entusiasmo aos alunos e pais luso-americanos em reaprender ou até descobrir as raízes portuguesas.
“Por coincidência, pouco tempo depois, Portugal ganhou a Taça Europeia e havia um entusiasmo aqui na nossa comunidade (…) como nunca se viu”, recordou a diretora.
O nome desta escola privada, registada como uma organização sem fins lucrativos, foi mudado para Discovery Language Academy, com alusão à era história dos Descobrimentos, para mudar a opinião que havia de que “a escola é só para portugueses”, explicou.
Desenhos e bandeiras de outros países de língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe) são expostos pelas salas e corredores da escola, que se localiza no DeMello International Center, fundado por um português, que junta e alberga na baixa de New Bedford várias instituições e associações portuguesas.
Além dos brinquedos e livros coloridos, os quadros interativos, uma sala de realidade virtual e outros equipamentos próprios de uma escola mais avançada apelam ainda mais aos sentidos e interesse das crianças.
No entanto, a Discovery Language Academy já não é só para crianças e não só para ensinar a língua portuguesa.
Em New Bedford, considerou Leslie Vicente, “há pessoas que se esquecem que estão nos Estados Unidos e pensam que estão em Portugal”, porque “vai-se a qualquer lado” e a maioria fala português.
Ter o conforto de falar português ou a língua materna num país estrangeiro pode tornar a vida mais fácil, mas também mais difícil para os emigrantes mais velhos que nunca chegaram a aprender inglês.
“Já vieram de Portugal há muitos anos ou de outros países. Tinham os filhos que traduziam para eles, mas esses filhos já são grandes, já são casados, já têm os seus próprios filhos, que são nossos alunos”, relatou Leslie Vicente.
“E nós dizemos que nunca é tarde para eles aprenderem inglês”, reforçou a professora, completando que a escola concentra-se em ensinar português aos mais novos e inglês aos mais velhos.
As idades dos alunos de inglês na Discovery Language Academy vão dos 20 aos 70 anos.
Dão-se “ferramentas” de língua inglesa para que todos os emigrantes tenham a sua independência de recorrer a qualquer serviço nos EUA, sejam hospitais, correios, mercearia ou restaurantes, sem “estarem preocupados com ‘quem vai traduzir para mim hoje?’”.
“Eles aprenderem inglês suficiente para lhes dar uma independência e serem um bocadinho livres e não estarem amarrados aos filhos, aos netos ou à sua casa”, concluiu a diretora.
*Por Elena Lentza, da agência Lusa
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