
Uma simples alteração no sistema informático do Serviço Nacional de Saúde (SNS) pode revolucionar o diagnóstico e tratamento da Doença Renal Crónica (DRC) em Portugal. Esta é a análise de um grupo de 17 especialistas em Nefrologia, Medicina Geral e Familiar e Patologia Clínica, que entregou às autoridades três recomendações cruciais, entre as quais a criação de dois códigos informáticos que permitirão rastreios mais rápidos e eficientes e facilitarão a prescrição e emissão de resultados de exames essenciais ao diagnóstico, nomeadamente a Taxa de Filtração Glomerular estimada (TFGe) e a albuminúria (RAC).
Estas propostas deste grupo de especialistas são assim sinal que algo não está a funcionar no diagnóstico à Doença Renal Crónica. Coloca-se então a questão: quais as maiores dificuldades sentidas pelos profissionais de Medicina Geral e Familiar?
"As dificuldades prendem-se precisamente com a ausência de uniformização nos resultados laboratoriais, em particular por não nos ser reportado de forma consistente o RAC, bem como a inexistência de uma codificação específica para a DRC no nosso sistema de informação. Além disso, esse mesmo sistema não possibilita, de forma fácil e direta, a monitorização da evolução de cada utente no que diz respeito à sua função renal. Este conjunto de limitações dificulta o diagnóstico precoce e o acompanhamento adequado destes doentes", diz ao SAPO24 Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF).
Atualmente, o sistema de saúde português não dispõe destes códigos específicos que os especialistas agora recomendam, o que dificulta a uniformização dos diagnósticos. Com a alteração proposta, os médicos de família terão acesso a ferramentas que permitirão não só um diagnóstico mais preciso, mas também um registo padronizado no Registo de Saúde Eletrónico (RSE).
"A existência do código referido possibilitaria ainda a criação de um programa de vigilância específico no nosso sistema de informação, à semelhança do que há muito acontece com a diabetes ou com a hipertensão"Nuno Jacinto
"A ausência de um código específico para a DRC inviabiliza a identificação inequívoca destes doentes. Tal tem impacto ao nível do seguimento individual de cada doente - não sendo a informação clara, a mesma pode passar despercebida ao profissional de saúde, por exemplo -, mas também quando pretendemos estudar ou avaliar uma determinada população, para definirmos estratégias de intervenção e atuação. Por exemplo, neste momento é impossível determinar, com rigor e de forma simples, quantos doentes renais crónicos existem numa lista de utentes de um qualquer médico de família. A existência do código referido possibilitaria ainda a criação de um programa de vigilância específico no nosso sistema de informação, à semelhança do que há muito acontece com a diabetes ou com a hipertensão, o que permitiria centralizar e sistematizar a informação relacionada com a DRC para cada doente", diz Nuno Jacinto, mostrando-se preocupado com as "constantes" alterações nas autoridades de saúde.
"Todas as entidades a nível de saúde podem e devem ter uma palavra a dizer nesta questão. Infelizmente, as constantes mudanças na estrutura diretiva da Saúde em Portugal causam, obviamente, uma disrupção na cadeia de decisão, atrasando processos cuja resolução seria simples. Importa que este tema se mantenha na agenda, sendo desejável que exista uma comunicação célere e eficaz entre todas as entidades envolvidas, para que estas limitações possam ser definitivamente resolvidas", refere.
Além dos códigos, os especialistas recomendam ainda a codificação da DRC na Classificação Internacional de Cuidados Primários (ICPC2) e a atualização das normas da Direção-Geral da Saúde (DGS), considerando que a implementação destas medidas permitirá uma maior uniformização no diagnóstico e tratamento da DRC, independentemente da especialidade do médico ou da localização geográfica.
Estima-se que a DRC afete 9,8% da população adulta em Portugal, com um impacto substancial na qualidade de vida dos doentes e mais de 98% dos doentes não sabem que têm a doença. Portugal apresenta, aliás, o pior cenário de entre os países da União Europeia a 28 (dados recolhidos a 31 de dezembro de 2021), com cerca de 20 mil doentes em diálise, a fase terminal da DRC.
Comentários