“Será sempre reportado, porque não podemos, nem queremos, nem vamos de forma alguma branquear estas situações. Estamos a oferecer uma hipótese de ajuda, mas isso não significa ocultar. Queremos quebrar esta cultura de encobrimento e, portanto, vamos dizer logo a quem nos procurar que não vamos manter o segredo”, afirmou a psicóloga Rute Agulhas, que lidera a nova estrutura de acompanhamento das vítimas de abusos em contexto eclesiástico.
A coordenadora do grupo VITA disse à Lusa que o reporte às estruturas da Igreja e ao Ministério Público é acompanhado da “possibilidade de ajuda”, caso exista motivação do abusador, porque “uma intervenção terapêutica não é uma desresponsabilização pelo crime cometido”.
“A responsabilização – canónica ou penal – não chega. Temos muitas pessoas que até têm uma pena efetiva de prisão, saem e reincidem, portanto, não chega a privação da liberdade. É preciso algo mais e devemos apostar numa abordagem terapêutica”, defendeu.
Questionada sobre se a assistência a abusadores pode ser mal interpretada pelas vítimas, Rute Agulhas explicou que o objetivo do grupo VITA passa por evitar que surjam novas vítimas através da diminuição da possibilidade de reincidência de abusos sexuais, um crime que em Portugal, segundo a psicóloga, apresenta taxas mais altas de reincidência.
“Trabalhar com pessoas que já cometeram crimes sexuais é proteger outras crianças e jovens. Aquilo que sempre tenho visto nestes meus 25 anos de prática nesta área é que as vítimas, muitas vezes, estão preocupadas com a probabilidade de outras crianças virem a ser vítimas”, disse.
“‘Aconteceu comigo, pelo menos que não aconteça com mais ninguém’… Esta é uma frase que ouço repetidamente”, assinalou.
Por outro lado, o trabalho de prevenção junto de pessoas que sentem impulsos para o abuso sexual de menores assenta numa análise de risco, com Rute Agulhas a apontar níveis de risco diferentes. “A maior parte das pessoas têm risco baixo ou risco médio”, afirmou a coordenadora do grupo VITA, indicando que apenas 10% destas pessoas apresenta um risco elevado.
“Não se fala em cura, fala-se em aprender a controlar estes comportamentos e a desenvolver alguns mecanismos de controlo que têm de ser monitorizados. Estes processos terapêuticos, quando dizemos que são longos e duram anos, implicam também da parte dos terapeutas e da equipa que trabalha com estas pessoas uma monitorização do nível de risco, porque o risco também pode ser flutuante”, referiu.
Designada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) para liderar a estrutura de apoio às vítimas de abusos sexuais na Igreja para os próximos três anos, Rute Agulhas reiterou ainda a independência do Grupo VITA, à imagem do que ocorreu anteriormente com a Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.
“Este grupo é tão isento e autónomo como a Comissão Independente. No entanto, como temos objetivos diferentes e um deles passa por poder capacitar as estruturas que já existem no seio da Igreja (comissões diocesanas, institutos religiosos e outras entidades eclesiásticas), naturalmente que isso vai exigir do grupo VITA uma articulação [com a Igreja]”, concluiu.
Além de Rute Agulhas, o grupo executivo do VITA é constituído por Alexandra Anciães (psicóloga com experiência de avaliação e intervenção com vítimas adultas), Joana Alexandre (psicóloga, docente universitária e investigadora na prevenção primária de abusos sexuais), Jorge Neo Costa (assistente social, intervenção com crianças e jovens em perigo), Márcia Mota (psiquiatra, especialista em Sexologia Clínica e intervenção com vítimas e agressores sexuais) e Ricardo Barroso (psicólogo e especialista em intervenção com agressores sexuais).
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