Para todos os efeitos, o trabalho de Barney S. Graham foi um sucesso. Vice-diretor do centro de investigação de vacinas dos Institutos Nacionais da Saúde dos EUA, esteve na linha da frente para garantir o desenvolvimento em tempo-recorde para garantir a disponibilização das vacinas contra a Covid-19, numa parceria com a empresa Moderna.

Se bem nos recordarmos, um ano após o aparecimento e difusão da pandemia, começaram a ser disponibilizadas as vacinas que, não tendo erradicado o vírus da Covid-19, combateram os seus efeitos mais nocivos, prevenindo mortes e devolvendo uma espécie de nova normalidade às nossas vidas.

No entanto, num artigo de opinião escrito para o jornal The New York Times, Graham deixa uma ressalva e um alerta: que o aparecimento da vacina não surgiu de repente. Foi fruto de 40 anos de trabalho à volta da tecnologia mRNA; e que não se tem feito o suficiente para evitar que outra pandemia surja com o mesmo resultado destrutivo da Covid-19.

“O meu período enquanto investigador incluiu tanto o longo percurso da investigação sobre as vacinas como a corrida para criar uma vacina para a Covid-19. Algumas pessoas ficaram preocupadas com o que consideraram ser um desenvolvimento demasiado rápido da vacina contra a Covid-19, mas a história pode ser contada tanto como um sprint de um ano como uma narrativa de 40 anos de avanços científicos”, escreve.

Segundo Graham, o sucesso da operação Warp Speed — anunciada por Donald Trump a 15 de maio de 2020 e que consistiu numa parceria público-privada para o desenvolvimento e disponibilização de vacinas no combate à pandemia —, foi apenas possível devido ao investimento feito décadas antes. Para chegarmos aqui, foram precisos “40 anos de pesquisa para tentar criar uma vacina contra o HIV”, o vírus que causa a Sida.

“O processo científico é, acima de tudo, incremental, e os novos avanços constroem-se sobre anteriores descobertas”, diz, citando especificamente a tecnologia que permite analisar estruturas de proteínas — a mesma que foi usada para bloquear a proteína Spike que causa as infeções que resultam na Covid-19. Sem todo este trabalho já feito, não teria sido possível recolher o genoma do SARS-CoV-2 e aplicar-lhe esta tecnologia, finalizando uma vacina em apenas 11 meses.

Mas, apesar de continuar a haver infeções e de haver muita gente ainda a sofrer os efeitos da Covid-19, particularmente os de longo prazo, porque é que estamos a falar sobre a pandemia nestes termos? Porque Graham acredita que não se está a fazer o suficiente para evitar a próxima — tal como não se fez quando os especialistas avisaram quanto à iminência de uma pandemia como esta.

“Preocupa-me que a nossa ordem social e os nossos sistemas de governo nacionais e globais não estejam a manter o ritmo. Ter tecnologia de vacinas de nova geração sem os sistemas adequados para implementá-las e distribuí-las é um desperdício”, afirma. Em causa está a falta de uma rede de coordenação global de resposta a pandemias, assim como a ausência de “investimento a longo prazo em investigação de base para gerar a informação necessária para desenvolver vacinas, medicamentos antivirais e diagnósticos”.

Mas mais em concreto, o problema é o mesmo que tem afetado o mundo nas últimas décadas: a negligência dos países mais ricos e desenvolvidos face ao chamado ‘Sul global’. “Os líderes de países de elevado rendimento têm de compreender que é do seu interesse facultar ou construir as infraestruturas para investigação e fabrico de vacinas em países e médio e baixo rendimento”, avisa.

Lembremo-nos da disparidade no acesso às vacinas entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, em particular no continente africano. Como recorda este artigo da Pharmaceutical Technology, a Organização Mundial da Saúde tinha estabelecido o fim de junho de 2022 como prazo para 70% da população de cada país do mundo ser vacinada. A média nos países africanos por essa altura era de 37%, sendo que o problema não esteve só no atraso da entrega das doses — foi registado um atraso de até 100 dias nos envios para os países mais pobres —, como também na lentidão dos processos de vacinação a nível local.

O resultado está à vista: ainda que já esteja relativamente desatualizado — porque muitos países deixaram de enviar os seus relatórios de vacinação —, este mapa demonstra onde é que houve as mais baixas taxas de vacinação:

“Milhões de vidas e biliões de dólares perderam-se. A disparidade ao nível da saúde e da riqueza aumentou. A biologia politizou-se. Sobrou-nos o fardo da long-Covid e uma crise de saúde mental”, aponta Graham, que depois de abandonar o seu posto dos Institutos Nacionais da Saúde dos EUA, tornou-se consultor de saúde da Morehouse School of Medicine, em Atlanta (no estado da Geórgia), para aconselhar políticas de saúde mais equitativas.

“A comunidade global precisa de criar a infraestrutura para imunizar toda a gente no mundo em seis meses durante uma pandemia”, afirma Graham, lembrando como um vírus como o SARS-CoV-2 tem o potencial para se espalhar pelo mundo em apenas algumas horas. O fracasso em fazê-lo com a Covid-19 não só pode ter resultado num excesso de cerca de 1,3 milhões de mortes, como é “parte da razão pela qual sofremos sucessivas vagas de novas variantes”, lamenta o imunologista norte-americano.

Todavia, não é para uma cultura de prevenção para a qual temos caminhado, mas sim de reação. "Tínhamos uma vacina e um medicamento antiviral contra a varíola dos macacos antes do mais recente surto, mas quando foram disponibilizados, já milhares de pessoas tinham sido infetadas", lembra Graham.

A proporção da pandemia da Covid-19 podia ter sido reduzida se, por um lado, estivessem gizados planos de resposta rápida, para permitir a implementação imediata de medidas de distanciamento social, e, por outro, se tivesse sido dada, por exemplo, a devida continuidade à investigação das vacinas contra os coronavírus que provocam o MERS e o SARS. No entanto, tomando apenas em consideração o caso norte-americano, o recém-desmantelamento da Operação Warp Speed — o seu principal responsável foi afastado no início do ano e ninguém o substituiu — e o bloqueio por parte dos republicanos no Congresso em disponibilizar mais fundos para investigação de vacinas —, parecemos caminhar para trás.

“Temos a oportunidade, com a chegada da mRNA, de criar a capacidade para cientistas locais encontrarem soluções para doenças regionais antes de se tornarem ameaças globais. Tal também aumentaria a capacidade de resposta durante emergências de saúde pública de espectro internacional”, conclui, no que diz necessitar ser um "esforço de cooperação da parte de governos, filantropos, instituições académicas, organizações não governamentais e empresas privadas”.

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