O antigo doutorando da Universidade de Coimbra, de 37 anos, acusado pelo Ministério Público de homicídio qualificado na forma tentada, confirmou hoje, no início do julgamento, que a 4 de agosto de 2014 entrou no Departamento de Física e desferiu vários golpes com uma machada na docente Filomena Figueiredo.
Ao contrário do que é referido na acusação, o investigador, diagnosticado com autismo, explica que nunca teve intenção de matar a docente.
"Dirigi a machada a um dos braços. Tentei fazer justiça num país onde não existe. Numa situação ideal, não usava a machada, mas a realidade não é ideal. Nunca tentei matar. Eu preferia ter a capacidade mágica de ela [a docente] sentir remorsos, mas não tenho poderes mágicos. Queria que ela não passasse impune com os crimes que cometeu contra mim. O objetivo era cortar um braço", disse em tribunal o arguido, que referiu que tinha tentado mover um processo por difamação à docente e que tinha um outro processo a correr no Tribunal Administrativo para receber o dinheiro que lhe era devido pela Universidade de Coimbra.
O crime ocorreu no dia em que o investigador foi informado de que tinha uma dívida de mais de 5.000 euros à Universidade de Coimbra (UC) e que o seu orientador tinha pedido renúncia para prosseguir com a orientação do doutoramento.
Sem nunca ter tido a oportunidade de explicar de forma clara o que o moveu para cometer o crime ou o porquê de não ter bolsa, o arguido sublinhou que estava numa situação absolutamente precária.
"Eu estava com medo, estava com fome, estava sem abrigo. Pensei que se eu cortasse um braço, poderia continuar a viver a comer comida na prisão", disse, emocionado e de voz embargada, apontando para a docente Filomena Figueiredo como a responsável por não lhe ter sido atribuída bolsa.
O arguido explicou que já era investigador antes de vir trabalhar para Portugal, em 2007, e que "foi procurado" por ser "muito bom" naquilo que fazia.
"Existe fraude. Eu não devo qualquer dinheiro à Universidade de Coimbra. Eles é que me devem dinheiro", vincou o investigador, sublinhando que na altura do crime "estava a ficar sem dinheiro para viver".
Durante o período de estadia em Coimbra, o investigador chegou a estar internado no Hospital Psiquiátrico de Coimbra e, posteriormente, transferido para a Irlanda, antes de regressar novamente a Coimbra, com alta médica.
No processo, é referido que o antigo doutorando terá sido alvo de várias queixas de colegas, tendo sido acusado de ter desligado "de forma danosa os servidores da rede GIAN [Grupo de Instrumentação Atómica e Nuclear]".
Ouvida hoje de manhã, a vítima, a docente Filomena Figueiredo, explicou que estava no mesmo grupo de trabalho do arguido, mas sem qualquer relação — apenas cumprimentos de bom dia e boa tarde.
A situação alterou-se, explanou, um ano e meio a dois anos antes do crime, quando o investigador "partiu material" na sala dos computadores.
Na altura, defendeu que se deveria ter chamado a polícia e que o arguido deveria ser responsabilizado pela atitude.
"Não foi essa a opinião do grupo, que achava que havia circunstâncias atenuantes [um problema que tinha impedido a atribuição da bolsa da FCT ao investigador]. Eu achava que não", frisou, salientando que era da opinião de que não se podia "achar que ele era um coitadinho".
A docente do Departamento de Física contou em tribunal que, após esse incidente, a sua atitude para com o arguido mudou, tendo passado a ser uma pessoa com quem Filomena Figueiredo tinha as suas reservas.
"Ele sabia disso", acrescentou.
Apesar de falar desse incidente como uma possibilidade de motivo para o crime, Filomena Figueiredo não conseguiu apontar para a razão que levou o arguido a atacá-la a 04 de agosto de 2014.
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