Em resposta escrita à Lusa, os investigadores explicaram hoje que o estudo, publicado na revista científica ‘Environmental Toxicology and Pharmacology’, começou a ser planeado em 2018 com o intuito de realizar uma “avaliação exploratória da exposição de adultos portugueses ao glifosato”, um biocida de amplo espetro e o ingrediente ativo dos herbicidas mais usados.
“Em 2016 tinham sido publicadas pela Plataforma Transgénicos Fora as primeiras análises feitas em Portugal e os valores eram muito altos”, referiram Cristina Calheiros (CIIMAR) e Paulo Nova (UCP), acrescentando que a grande preocupação era “aferir se os portugueses estão em contacto com o glifosato de forma a que ele entre no organismo e seja excretado”.
Para estudarem tal hipótese, os investigadores reuniram amostras de urina de 79 participantes portugueses, com idades entre os 20 e 68 anos, sendo que as amostras de urina foram analisadas por duas “metodologias analíticas diferentes”.
Segundo os investigadores, as duas amostras de urina de cada voluntário foram enviadas para dois laboratórios, em “momentos temporais diferentes”, onde foram analisadas tendo por base “cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa” e cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massa”.
De acordo com o estudo publicado, na primeira ronda de testes, 28% e 50% dos participantes apresentaram níveis detetáveis de glifosato e AMPA [composto químico], respetivamente, com valores médios de 0,25 e 0,16 microgramas por litro.
Na segunda ronda, 73% e 97% dos participantes apresentaram níveis detetáveis de glifosato e AMPA, respetivamente, com valores médios de 0,13 e 0,10 microgramas por litro. Ainda que se trate de “um estudo-piloto com resultados preliminares” e não permitir que se tirem “conclusões robustas”, os investigadores afirmam que o “nível
de percentagem de participantes onde a substancia foi detetada são, efetivamente, superiores a estudos realizados” noutros países, como a Irlanda e a Alemanha.
“Temos de olhar para estes resultados de uma forma cautelosa e científica. Se por um lado, do ponto de vista toxicológico, os valores obtidos neste estudo estão claramente abaixo dos valores de exposição oficialmente considerados como aceitáveis para a população em geral, a percentagem de indivíduos contaminados e a constatação da reexposição na segundo ronda de estudo (o que demonstra que os participantes estão muito provavelmente expostos à substância de uma forma crónica), devem ser alvo de estudos mais aprofundados”, explicou Paulo Nova.
Por sua vez, Cristina Calheiros acrescentou que este estudo servirá de “ponto de partida para investigações futuras” que deverão ter “um maior tamanho amostral e maior representatividade social”, uma vez que a amostra usada neste estudo estava “claramente enviesada”.
“Os consumidores regulares de produção biológica (onde o glifosato está proibido) estavam sobrerepresentados”, afirmou a investigadora, acrescentando que cerca de 80% da amostra consumia alimentos biológicos.
Apesar dos valores detetados estarem abaixo dos valores aceitáveis de exposição, “não demonstrando um risco sério para a saúde dos voluntários”, o estudo visa evidenciar a particularidade da situação em Portugal, onde este ingrediente ativo de herbicida é “amplamente utilizado para fins agrícolas”.
Os investigadores pretendem agora obter financiamento para aprofundar o estudo, alargar a amostra e analisar os níveis de contaminação a que os humanos estão expostos, bem como identificar as fontes de contaminação e vias de exposição de forma a “compreender melhor até que ponto é que várias populações podem ser afetadas e como reduzir essa exposição”.
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