Bem-vindos à “Super Terça-Feira”, uma daquelas idiossincrasias da política norte-americana que fazem da escolha do presidente um processo longo e cheio de etapas. A etapa de hoje serve para escolher o melhor candidato do Partido Democrata — aquele que, pelo menos para já, irá liderar a oposição a Donald Trump, presidente eleito pelo Partido Republicano em 2016.

Com 50 estados, os Estados Unidos da América dividem o processo eleitoral em primárias a nível estadual. Porém, nesta Super Terça, aproximam-se daquilo que poderia ser uma eleição primária nacional, com mais de uma dúzia de estados a ser palco das primárias Democratas — tal como os Democratas no estrangeiro e os caucus da Samoa Americana Democrata.

Já com 155 delegados eleitos, nos quatro primeiros estados onde já houve primárias, hoje 14 estados e um território elegem 1.357 delegados (bastam 1.991 para ganhar a nomeação). Contas feitas, teremos cerca de 40% do total de delegados já entregues com o que resultar desta terça-feira.

Assim, se um candidato conseguir destacar-se na liderança, a matemática fica mais complicada para os outros.

O resultado pode trazer uma vantagem insuperável ao senador "socialista democrata" Bernie Sanders — ou marcar um regresso para o ex-vice-presidente Joe Biden, que, antes da vitória deste sábado na Carolina do Sul, sofreu apenas pesadas derrotas nos outros três estados que já decidiram, Iowa, New Hampshire e Nevada. Por outro lado, é a prova dos nove para Michael Bloomberg, que apostou tudo neste 3 de março, como seu nome a apareceu pela primeira vez no boletim.

A saída de Pete Buttigieg da disputa, anunciada oficialmente no domingo após os fracos resultados obtidos no sábado na Carolina do Sul, vem baralhar as contas — podendo dar um novo impulso a Biden.

Aliás, depois de conhecidos os resultados da votação na Carolina do Sul, no sábado, alguns dos principais nomes, como Pete Buttigieg, Amy Klobuchar e Tom Steyer, abandonaram a corrida, deixando o grupo de candidatos mais bem posicionados nas sondagens reduzido a quatro nomes: Bernie Sanders, Joe Biden, Elizabeth Warren e Michael Bloomberg.

Um dado importante, já desta segunda-feira: O atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, lançou um novo dardo contra o processo de escolha do futuro adversário nas eleições presidenciais, afirmando que as primárias do partido Democrata são "manipuladas" contra Bernie Sanders.

"São manipuladas contra Bernie, não há dúvida sobre isso", disse Trump no jardim da Casa Branca, logo após dois candidatos moderados, Pete Buttigieg e Amy Klobuchar, anunciarem que estavam desistir da corrida à indicação democrata, abrindo o caminho para o ex-vice-presidente Joe Biden.

Os analistas aguardam assim decisões de quarta-feira de manhã, com os resultados à vista da Super Terça-Feira, de outros pré-candidatos como Elizabeth Warren, que provavelmente enfrentarão uma decisão difícil: ignorar as previsões e seguir em frente ou deitar a toalha ao chão, como decidiu o jovem ex-autarca Buttigieg e, já na véspera, Klobuchar.

Vamos, então, por partes:

Como é escolhido um candidato a presidente dos Estados Unidos?

Apesar de haver mais do que a dupla de partidos — Republicanos (o partido de, entre outros, Donald Trump) e Democratas (o partido de Barack Obama, por exemplo) — certo é que a discussão normalmente se fica entre o vermelho e azul (respetivamente, as cores dos dois partidos).

Nestes dois partidos, os candidatos são escolhidos através de uma série de eleições primárias e os tais caucus na meia centena de estados que compõem o país, mas também no distrito da capital e nalguns territórios norte-americanos, como Guam ou Porto Rico.

A caminho das eleições presidenciais de novembro deste ano, as primárias arrancaram no Iowa, no início de fevereiro — e prolongam-se até ao princípio de junho, com a última votação a acontecer a 6 desse mês nas Ilhas Virgens.

E a campanha? Bem, ao contrário do que acontece em países como Portugal, mas também o Reino Unido ou França, nos Estados Unidos não há um período oficial de campanha. Os candidatos podem apregoar o seu peixe tanto tempo quanto quiserem.

Nas contas da BBC, significa que, tipicamente, as campanhas levam 18 meses desde que começam até chegarem ao final.

Porque é que só andamos a olhar para as primárias democratas?

Porque é aí que está o sumo. Haverá primárias no Partido Republicano, porém, Donald Trump procura a reeleição em novembro praticamente desde que foi eleito há quatro anos. Sem adversários fortes no lado Republicano, a verdadeira competição a Trump só poderá vir do outro partido: o Democrata.

Apesar disso, a maioria dos estados terá na mesma primárias Republicanas, com o nome de Donald Trump no boletim de voto. Todavia, alguns estados  — como Alaska, Wisconsin, Georgia, Arizona e Carolina do Sul — cancelaram as primárias, num apoio à tentativa de reeleição de Trump.

A ação não é inédita — aconteceu nas reeleições de Barack Obama e George W. Bush —, o que, ainda assim, não a impede de ser polémica. Os opositores Republicanos de Trump, Joe Walsh (que entretanto desistiu) e Bill Weld classificaram o cancelamento como um ato antidemocrático.

Voltando ao lado de lá da barricada, os Democratas decidem entre um ex-vice-presidente (Joe Biden) e um autarca (Pete Buttigieg, que entretanto desistiu), na ala dos liberais moderados, e os candidatos mais progressistas, ambos senadores (Bernie Sanders e Elizabeth Warren).

E de que andam os candidatos à procura?

De delegados. No Partido Democrata, o primeiro candidato a convencer 1990 dos 3979 delegados à convenção nacional é considerado o vencedor, o que significa, em termos práticos, que é o eleitor para disputar o lugar na Casa Branca frente a Donald Trump. Assim, na reunião do partido, em julho, a presença dos 1990 traz ao candidato a nomeação oficial sem grande oposição.

Caso o número mágico da maioria absoluta não seja alcançado por nenhum dos candidatos… Bom, vota-se até que um lá chegue. Onde estão os delegados? Califórnia (415), Nova Iorque (274), Texas (228) e Florida (219) são os estados mais recheados.

Todavia, nada é tão direto assim. É certo que o nome do candidato à presidência do partido sairá da Convenção Nacional Democrática, que ocorrerá entre 13 e 16 de julho em Milwaukee, Wisconsin.

Para Bernie Sanders, quem chegar à convenção com a maioria, mesmo que não seja absoluta, deve ser nomeado candidato. Os rivais, por outro lado, exigem o cumprimento das regras, que indicam que, se não houver um candidato com a maioria absoluta na convenção, será realizada uma segunda votação, na qual os delegados estarão livres para apoiar um candidato diferente.

No entanto, essa segunda rodada também adiciona cerca de 700 “superdelegados" — legisladores e figuras notáveis do partido. Dado que esses superdelegados geralmente representam o establishment, o seu peso pode distorcer o voto e prejudicar as chances de Sanders.

Nesta altura, Sanders lidera as sondagens na Califórnia, com 415 delegados, sendo principal prémio, e também no Texas, com 228 delegados.

Se obtiver um bom resultado nesses dois estados, o senador de esquerda poderá passar à frente dos rivais com uma vantagem considerável. O limiar de 15% dos votos exigidos pelo partido para obter delegados pode ser uma dor de cabeça para Biden, que compete pelos votos dos moderados.

Caucus?

Caucus. É o nome dado a um processo de eleição mais elaborado que o simples voto deitado na urna. Importa lembrar que, não sendo organizados pelos governos dos estados, permitem uma maior flexibilidade para os partidos — ideia levada ao extremo pelos Democratas.

O mais conhecido é o caucus do Iowa, que marca o início das primárias desde 1976. Ao contrário das primárias, que obedecem a regras dos estados em que ocorrem, os caucus são organizados pelos próprios partidos em recintos dos estados que usam esta modalidade.

Os eleitores deslocam-se aos locais indicados e dividem-se em grupos de apoio aos diferentes candidatos. Depois, conta-se. Os candidatos que não chegam à fasquia dos 15% são excluídos — e os apoiantes dos restantes candidatos aliciam aqueles que acabaram de perder o candidato, para engrossar o grupo dos que se mantêm na corrida.

Depois de uma segunda contagem, uma fórmula é aplicada para converter o número de votos em delegados, vencendo o candidato com mais delegados.

Tudo bem. Mas quando é que o Trump tem um candidato da oposição?

Algures entre 13 e 16 de julho, data da convenção dos Democratas.

Bom, na verdade, o candidato Democrata é que vai ter de esperar pelo opositor. O atual presidente só será oficialmente o candidato Republicano após ser anunciado na convenção do partido, entre 24 e 27 de agosto.

Escolhidos os nomes, arranca a fase dos debates. Serão três, antes da eleição de novembro: o primeiro a 29 de setembro, no Indiana, e os outros dois em outubro.

Os candidatos a vice-presidente também debatem, a 7 de outubro, no Utah.

Como estão as contas?

Neste fim de semana, o ex-vice-presidente Joe Biden venceu as primárias democratas da Carolina do Sul, acabando com uma série de vitórias do senador Bernie Sanders, num dia marcado pelas saídas do autarca Pete Buttigieg e do bilionário Tom Steyer.

A vitória de Biden surge num momento crucial para a sua candidatura à Casa Branca, ao recuperar dos maus resultados nas primárias do Iowa, New Hampshire e Nevada e agora que a corrida avança para a "Super Terça-Feira", quando são chamados a pronunciar-se 14 estados no início da próxima semana.

No comício pós-eleitoral, Biden anunciou: “Estamos verdadeiramente vivos”."Para todos vocês que foram derrubados, deixados de fora e para trás — esta é a vossa campanha", acrescentou ainda, citado pela Lusa.

Bernie Sanders reivindicou o segundo lugar. Deu os parabéns ao ex-vice-presidente e parabenizou pela primeira vitória, sublinhando, no entanto, que o resultado deste sábado não é motivo de preocupação para os seus apoiantes.

"Hoje à noite, não vencemos na Carolina do Sul. Essa não será a única derrota. Há muitos estados neste país. Ninguém vence todos eles", afirmou perante uma multidão na Virgínia, um dos 14 estados que votam nesta terça-feira.

O ativista bilionário Tom Steyer, depois de gastar milhões em anúncios televisivos na Carolina do Sul - mais do que todos os seus rivais juntos - não resistiu a um novo desaire eleitoral e anunciou a sua desistência na corrida à Casa Branca.

Cinco candidatos democratas mantêm-se na luta para assegurar a nomeação democrata e defrontarem em novembro o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

A primária da Carolina do Sul foi o primeiro grande teste aos candidatos perante os eleitores negros. E, embora o estado tenha dado uma vitória a Biden quando este mais precisava, o 'ex-vice' de Barak Obama ainda tinha de provar os recursos financeiros e logísticos para expandir drasticamente a sua campanha nas horas antes da Super Terça-Feira.

Mesmo antes de ter sido declarada a vitória de Biden, o candidato e bilionário Mike Bloomberg anunciou um discurso de três minutos no horário nobre da noite de domingo em duas redes de televisão, sem indicar quanto pagou, o que é inédito nas últimas décadas.

Resumindo…?

Bernie Sanders tem já 60 delegados; Joe Biden tem 53; Pete Buttigieg tinha 26, Elizabeth Warren 8; Amy Klobuchar contava 7; e Tom Steyer tem 2. Não tendo ainda participado em nenhuma eleição, Bloomberg não tem até agora delegados, os mesmos que Tulsi Gabbard.

O que podem fazer as contas da Super Terça-Feira?

Podem trazer muitas respostas. Os estados em jogo durante a Super Terça-Feira cobrem os quatro pontos cardeais dos Estados Unidos — do pequeno Maine, com pouco mais de um milhão de habitantes, até a gigante Califórnia, de tendência progressista e o mais populoso do país, com uma população de 40 milhões.

O Texas, com 29 milhões de habitantes, é outro grande troféu. Virginia, Carolina do Norte, Alabama e Colorado também votam a 3 de março, assim como Arkansas, Massachusetts, Minnesota, Oklahoma, Tennessee, Utah e Vermont, além de Samoa Americana e os democratas que residem fora do país.

Ou seja: a diversidade económica e social dos estados participantes da oferece aos candidatos a oportunidade de demonstrar a sua capacidade (ou incapacidade) de obter apoio de um amplo espectro de eleitores de diferentes perfis, classes e regiões.

A que devemos estar atentos?

O ‘Washington Post’ destaca quatro pontos a ter em conta: Biden e os moderados; a sobrevivência de Warren; a liderança de Sanders; e a estreia de Bloomberg.

Biden. Após a vitória de Joe Biden na primária da Carolina do Sul, Pete Buttigieg abandonou a corrida à nomeação. Agora, importa ver se Biden vai conseguir convencer os Democratas moderados que ficaram sem candidato.

O ex-vice-presidente precisava de ganhar as primárias na Carolina do Sul para se manter com hipóteses na corrida presidencial e enfrentar o favoritismo do senador Bernie Sanders. A vitória de Biden na Carolina do Sul deu-lhe, assim, uma dose de confiança extra e revelou a sua eficácia política em estados com um eleitorado muito diverso, nomeadamente com forte presença de eleitores afro-americanos.

Os eleitores afro-americanos são um nicho importante nas primárias democratas já que, por tradição, concentram os seus votos num único candidato preferencial e, este ano, pelo constatado na Carolina do Sul (onde 53% do eleitorado era afro-americano), esse candidato é Joe Biden.

Por isso, Biden tem insistido tanto na sua proximidade a Barack Obama, de quem foi vice-presidente, repetindo inúmeras vezes a sua identificação com o perfil do ex-presidente de origem afro-americana.

Mas as sondagens indicam que, nas primárias de terça-feira, Bernie Sanders continua a ser o candidato mais bem posicionado para vencer os estados com maior número de delegados: Califórnia e Texas.

Warren. Sem conseguir a liderança nos resultados das anteriores primárias, será a senadora Elizabeth Warren capaz de se manter na corrida? O ‘Washington Post’ adianta que a sua campanha está a procurar vitórias nos estados hoje a votos para conseguir encarrilar de novo. Mas fica a incerteza sobre o que acontece caso esse cenário não se concretize.

A senadora Elizabeth Warren deposita confiança no resultado na Califórnia, seu estado natal, onde investiu grande parte do seu dinheiro de campanha, em ações no terreno e tempo de antena.

Sanders. Nas sondagens nacionais, o senador de 78 anos lidera. Porém, algumas pesquisas nos estados que vão hoje a votos revelam-no mais perto de outros candidatos. Significa isso que a força com que Bernie Sanders arrancou está a esmorecer? O senador ainda tem sobretudo de convencer os notáveis do partido que é capaz de derrotar Donald Trump — e um mau desempenho no dia mais importante da pré-seleção democrata pode pôr isso mesmo em causa.

“Não podemos ganhar todas. Já ganhámos as eleições no Iowa, New Hampshire e Nevada. Desta vez perdemos, mas não perdemos a confiança”, disse o senador Bernie Sanders que, apesar de ter ficado em segundo lugar na Carolina do Sul, mantém uma confortável vantagem sobre os adversários.

Warren e Sanders estão próximos ideologicamente, com posições mais progressistas e radicais, deixando Joe Biden como o candidato com maior capacidade de apelar ao eleitorado moderado, o que pode ser importante num estado mais conservador como o Texas.

Bloomberg. O bilionário e ex-autarca de Nova York Michael Bloomberg gastou 500 milhões de dólares, um valor recorde, em publicidade eleitoral — mas não participou ainda em nenhuma das quatro instâncias de votação que já foram realizadas.

Assim, esta Super Terça-Feira será um teste decisivo para ele, que mostrará se a sua estratégia tem influência sobre os eleitores.

O fraco desempenho do milionário no primeiro debate em que participou, em meados de fevereiro, e uma segunda aparição na terça-feira passada, onde foi severamente atacado pelos rivais, enfraqueceu a sua posição nas sondagens, mas, ainda assim, mantém-se no terceiro lugar a nível nacional, atrás Sanders e Biden.

Bloomberg foi o único candidato a ter feito ações junto dos eleitores em todos os 14 estados e um território que estão em disputa nesta terça-feira, para além dos mais de 400 milhões de euros que gastou, da sua imensa fortuna pessoal  — estimada em mais de 50 mil milhões de euros —, em tempos de antena.

Mas o dinheiro não é tudo — e o ativista bilionário Tom Steyer sabe-o bem: depois de gastar milhões em anúncios televisivos na Carolina do Sul — mais do que todos os seus rivais juntos — não resistiu a um novo desaire eleitoral e anunciou a desistência na corrida à Casa Branca.

Bloomberg participou nos dois mais recentes debates televisivos e foi alvo de fortes críticas por parte dos seus adversários, especialmente pelas acusações de comportamento impróprio no seu relacionamento com mulheres nas empresas que dirige, uma matéria sensível nesta campanha democrata.

Venham as contas.

Estes são os cenários. Agora, cabe aos apoiantes Democratas decidir quem querem a combater Donald Trump nas eleições de  novembro.

*Com agências