“Senhor Camará, durante a sua primeira audiência neste tribunal, foi notificado dos factos pelos quais está a comparecer perante este tribunal e à questão de saber se os reconhece, respondeu negativamente”, afirmou o presidente do tribunal, Ibrahima Sory Tounkara, ao principal arguido.
“Exatamente”, respondeu Dadis Camará antes de começar um monólogo longo e divagante, invocando os filósofos Heraclitus e Immanuel Kant e os faraós egípcios.
O testemunho do ex-Presidente foi o momento mais esperado do julgamento que teve início em 28 de setembro, 13 anos depois dos acontecimentos na Guiné-Conacri, país que faz fronteira com a Guiné-Bissau. A aparição de Moussa Dadis Camará foi interrompida há uma semana quando o tribunal aceitou o pedido para que o antigo autocrata fosse enviado de volta por razões de saúde.
Camará, juntamente com uma dúzia de ex-militares e funcionários governamentais, é acusado de vários assassínios, atos de tortura, violações, envolvimento em sequestros, fogo posto e pilhagem cometidos em massa em 28 de setembro de 2009 e nos dias seguintes.
Na sessão de 19 de outubro, o tenente Aboubacar Sidiki Diakité, conhecido como “Toumba”, ex-ajudante de campo de Camará e chefe da sua unidade de proteção, e que também é um dos principais acusadores do antigo ditador, desafiou-o a comportar-se como “um homem” e pedir perdão aos guineenses.
“Foi ele que ordenou tudo. Todos os que o aconselharam disseram-lhe para vir aqui dizer: ‘Sou eu, Presidente Dadis, fui eu quem mandou você. Eu estava no comando, comandante-em-chefe das Forças Armadas Guineenses, Presidente da Transição, Presidente da República, fui eu, então o que aconteceu, o que aconteceu, sou eu, peço perdão ao povo da Guiné, e aqui está, mais uma vez perdão’. Isso é ser um homem”, afirmou Diakité.
Em 28 de setembro de 2009, os boinas vermelhas da guarda presidencial, polícia e milícias reprimiram, com crueldade desenfreada e frieza desumana, segundo testemunhas, uma concentração de dezenas de milhares de apoiantes da oposição, reunidos num estádio nos subúrbios de Conacri para dissuadir Camará de concorrer às eleições presidenciais de janeiro de 2010. Os abusos continuaram nos dias seguintes.
Camará, levado ao poder por um golpe de Estado nove meses antes, era o então Presidente.
Naqueles dias, pelo menos 156 pessoas foram mortas e centenas feridas, e, pelo menos, 109 mulheres foram violadas, segundo o relatório de uma comissão de inquérito internacional mandatada pela Organização das Nações Unidas.
Diakité acusou no passado Camará de ter ordenado a repressão, mas o antigo ditador argumentou que as atrocidades cometidas foram perpetradas por homens descontrolados.
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