O antigo inspetor-geral da ACT, demitido em janeiro deste ano pelo Governo, depois de enviar a colegas um documento com os dados pessoais desta inspetora do trabalho, começou a ser julgado há exatamente uma semana por um tribunal singular (um juiz) no Campus da Justiça, em Lisboa. A próxima sessão está marcada para a manhã de 12 de novembro, disse hoje à agência Lusa fonte judicial.
Em fevereiro deste ano, o Ministério Público (MP) deduziu acusação contra Pedro Pimenta Braz, na sequência de uma queixa-crime apresentada por esta funcionária da ACT, em outubro de 2017. O arguido requereu a abertura de instrução – fase facultativa que visa decidir se o processo segue para julgamento -, mas a juíza de instrução criminal pronunciou (levou a julgamento) Pedro Pimenta Braz “nos precisos termos” do despacho de acusação do MP.
"O arguido não só atuou em violação dos seus deveres funcionais, divulgando factos sujeitos a sigilo, como o fez, sabendo que iria prejudicar a assistente, facto com o qual se conformou", sustenta o despacho de pronúncia a que a Lusa teve acesso.
A pronúncia sublinha que Pedro Pimenta Braz sabia que o documento por si enviado aos colegas "continha matéria do foro familiar e de saúde, que era íntima e potencialmente humilhante, capaz de caracterizar perante pessoas com menor sensibilidade ética, a assistente como uma mulher frágil, abandonada e psicologicamente instável".
A acusação do MP conta que, em agosto de 2016, a inspetora, colocada à data no Centro Local do Alto Minho da ACT, em Viana do Castelo, enviou um email ao secretário da direção da ACT, a pedir transferência para a Unidade Local de Braga, mais próxima de Guimarães, cidade na qual residia.
No email, a funcionária justificava o pedido de mobilidade interna com razões pessoais, familiares e clínicas, nomeadamente o facto de ter um filho de 5 anos a seu cargo, ser acompanhada em consultas de psiquiatria e fazer, há quatro anos seguidos, 150 quilómetros diariamente.
Na sequência de despacho do subinspetor-geral da ACT, “manifestando a opinião” de que o pedido de transferência não deveria ser aceite, a 16 de dezembro de 2016, o arguido proferiu despacho a indeferir a “pretensão desta inspetora”, refere a acusação.
Inconformada, a 03 de janeiro de 2017, a funcionária interpôs recurso hierárquico da decisão junto do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, no qual pedia a revogação do despacho de Pimenta Braz e a sua imediata colocação na Unidade Local de Braga da ACT.
A 19 de julho de 2017, a Direção de Serviços de Apoio Jurídico e Contencioso do ministério elaborou um parecer favorável ao recurso da funcionária e à sua consequente transferência, que mereceu a concordância da diretora dos serviços jurídicos, da secretária-geral adjunta e da secretária-geral do ministério.
A 28 de julho, o secretário de Estado do Emprego concordou com o parecer e os “fundamentos” apresentados, revogou o despacho do arguido, que havia indeferido o pedido de mobilidade interna da inspetora, e autorizou a sua transferência para a Unidade Local de Braga da ACT, com efeitos a partir de 01 de setembro do ano passado.
A 08 de agosto, o gabinete do secretário de Estado do Emprego enviou um ficheiro via email à funcionária, com a digitalização do parecer, com os despachos ministeriais e com o ofício por si enviado no recurso hierárquico, onde constavam as razões pessoais, familiares e clínicas.
Esse email foi também enviado ao secretário da direção da ACT, que o fez chegar ao então inspetor-geral para despacho.
Três dias depois, a 11 de agosto de 2017, “em cumprimento” de uma ordem de Pedro Pimenta Braz, o secretário da direção da ACT “remeteu o ficheiro que fora recebido do secretário de Estado do Emprego”, que continha aqueles documentos, “aos subinspetores-gerais da ACT e a todos os dirigentes da ACT”, refere a acusação do MP.
Algumas das chefias intermédias da ACT chegaram a reencaminhar o email aos inspetores das respetivas unidades orgânicas.
O MP frisa que a funcionária “não consentiu” a divulgação do teor do ofício que continha informação pessoal.
“Como consequência direta e necessária da divulgação, por todos os dirigentes e por vários inspetores da ACT, de factos da sua vida pessoal, em particular, dos problemas de saúde com que se defrontava e à sua situação familiar, (…) [a funcionária] sentiu-se profundamente humilhada e devassada perante os seus colegas, o que lhe causou grande tristeza e ansiedade”, sustenta a acusação, a que a Lusa teve acesso.
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