“Comunidades marginalizadas lutam todos os dias para ter acesso a água”, admitiu uma responsável pela unidade de ecossistemas e vida selvagem do Ministério do Ambiente de El Salvador em declarações ao jornal britânico Guardian.
Segundo Silvia de Larios, a questão não se põe no futuro, é um problema já existente.
“Não é que isto possa, um dia, causar um conflito social. Esse conflito já existe e todo o país está perto de uma crise”, avisou.
Um estudo realizado pela Procuradoria para a Defesa dos Direitos Humanos de El Salvador, divulgado em maio, concluiu que a vida naquele país será inviável daqui a 80 anos por falta de água.
O Governo já declarou emergência nacional.
“De acordo com as análises de cientistas realizadas por diferentes organizações internacionais, se a deterioração continuar, a vida será inviável daqui a 80 anos”, refere o estudo.
Apesar de ser um dos Estados mais pequenos da América Central, El Salvador é um dos mais densamente habitados e tem as menores reservas de água da região.
Nos últimos anos, tornou-se um dos países do mundo com mais homicídios, com gangues criminosos e forças de segurança a enfrentarem-se em tiroteios que aumentaram as taxas de homicídios registadas por El Salvador.
Nejapa — um município semiurbano na periferia norte da capital de El Salvador — é uma das regiões com maiores taxas de homicídios do país, registando 71 por cada 100 mil habitantes em 2018, segundo uma investigadora especialista em migração e violência Elisabeth G Kennedy.
A violência tem piorado na região à medida que os locais mais tradicionais para lavagem de roupa e até para tomar banho e beber água têm vindo a secar devido às mudanças climáticas.
Segundo conta o Guardian, muitas famílias em Nejapa não têm acesso a água potável e aquelas que têm só o conseguem fazer algumas horas ou dias por semana.
A área tem muitos problemas de contaminação da água, devido às fábricas e plantações de cana-de-açúcar e aos condomínios da classe mais alta, que absorvem a maior parte da água e causam a desflorestação de toda a região.
Um dos problemas mais graves verifica-se nas comunidades onde as mulheres usam, por tradição, as margens do rio San Antonio como lavandarias ao ar livre, já que isso depende da aceitação dos gangues.
Numa das zonas, o local onde as mulheres lavam a roupa fica no chamado Bairro 18, controlado pelo gangue daquela área, enquanto em la Estacion – comunidade improvisada de 59 casas ao longo de trilhos abandonados -, a lavandaria é controlada por outro gangue, o MS-13.
Cruzar os limites entre um e outro local pode facilmente significar a morte de quem arriscar, alerta o Guardian.
Por outro lado, a zona controlada pelo MS-13 costumava ter água acessível toda a noite, mas, nos últimos 22 dias, as torneiras não deixaram cair nem uma gota.
Por isso, as mulheres — cujas famílias dependem frequentemente do dinheiro que elas recebem por lavar roupa – arriscam e procuram outras zonas, controladas por outros grupos.
“Arriscamos ser apanhadas por gangues porque não temos outra hipótese. Não podemos ficar sem roupa lavada”, contou ao jornal britânico Elena Fontes, de 46 anos.
Estas incursões são, no entanto, feitas apenas pelas mulheres, garantiu, explicando que envolver os homens “causaria problemas”.
Apesar de a falta de água ter começado há alguns anos, El Salvador continua a registar uma taxa alta de desperdício.
A maior parte da água das chuvas perde-se devido à desflorestação e erosão das bacias hidrográficas e, mesmo quando chegam ao sistema, 48% perde-se por falhas nas condutas.
Nos últimos cinco anos, o nível de água em Nejapa diminuiu 20%, à medida que a floresta luxuriante da região — conhecida como “o pulmão” — tem sido substituída por condomínios de luxo com poços subterrâneos privados.
O racionamento de água que afetou as comunidades não foi sentido nem pelas plantações de cana-de-açúcar nem pela Coca-Cola, que tem nesta região de El Salvador, uma fábrica de engarrafamento.
Segundo o jornal, esta fábrica tem poluído o riacho que fica por trás das instalações.
De acordo com o Ministério do Ambiente do país, 90% das águas superficiais de El Salvador estão contaminadas por esgotos não tratados e resíduos agrícolas e industriais.
“Não há regras claras nem sanções e também não há vigilância. As grandes empresas usam essas lacunas legais para explorar a água como produto lucrativo. São os pobres que mais sofrem”, concluiu Silvia de Larios.
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