Num vídeo publicado na quarta-feira pelo canal Parlamento, e noticiado de seguida pelo Observador, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, surge a comentar os acontecimentos da manhã de 25 de abril, aquando da sessão solene com Lula da Silva, nomeadamente a atitude que assumiu face ao comportamento do Chega.

A conversa decorre na Assembleia da República num pequeno círculo de pessoas, entre as quais se conta Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa.

"Esta minha fúria é a fúria de um tipo gelado", começa por se ouvir Santos Silva dizer .

"Mas eu ia observando a subida de temperatura à minha direita", retorque Marcelo Rebelo de Sousa. "Primeiro a estupefacção, depois a perplexidade, depois o calor", continua o presidente.

"Aliás acabou de uma forma muito engraçada com o Lula a acalmar-me", responde Santos Silva.

A conversa decorre em ambiente informal, próprio de uma conversa não oficial que não deveria estar a ser gravada.

Uns segundos à frente, ouve-se, no vídeo, Santos Silva a dizer: "eles hoje, aliás, fizeram uma belíssima campanha eleitoral para um futuro cargo de vice-presidente (...)". As legendas partilhadas nas redes sociais traduzem o que se ouve acrescentando, entre parênteses, IL, que não é nomeada de forma explícita.

Com o vídeo a circular nas redes sociais, o gabinete de Augusto Santos Silva veio a público com um comunicado a questionar a notícia publicada pelo Observador e a interpretação que fez das palavras proferidas.

“O Gabinete do PAR vê-se lamentavelmente obrigado a corrigir uma peça divulgada pelo Observador, já que o PAR nunca se referiu à IL nos termos divulgados. Quando é mencionada uma candidatura a uma vice-presidência da AR, o PAR não se estava a referir à IL. Basta ter em conta as exortações públicas que o PAR já fez para a apresentação de uma nova candidatura da IL a uma vice-presidência", pode ler-se na nota enviada por Augusto Santos Silva.

O vídeo continua com uma conversa mais em surdina e ouve-se de novo o presidente da Assembleia da República numa passagem em que diz “aquilo que a Iniciativa Liberal decidiu fazer [na sessão com o Presidente brasileiro, Lula da Silva], não é nada” porque “há sempre quem faça pior”.

Mas, a frase que provocou a polémica é outra e aparece escrita em legendas colocadas no vídeo. "Aquilo não é falta de educação, é falta de integridade política (...)".

Santos Silva rebate, dizendo que as palavras que usou foram "maturidade política" e não "integridade política".

No comunicado enviado, Santos Silva afirma que "(...) apesar das deficientes condições sonoras da gravação, o PAR nunca se referiu ao protesto da IL como representando falta de integridade política, mas sim, o que afirmou foi que o protesto não revelou falta de educação, mas falta de maturidade política. Lamenta-se que uma conversa informal e privada (cuja gravação sonora não foi autorizada) tenha sido tornada pública nestas condições, em que a legendagem surge distorcida exatamente nos pontos, que o jornal decide valorizar no título, que vieram a provocar uma polémica totalmente injustificada".

Rui Rocha: “Tem de dirigir-se aos portugueses e dizer, ele próprio, que [aquela] não é uma conduta aceitável de quem é a segunda figura do Estado"

Já esta quinta-feira, o presidente da IL Rui Rocha considerou, em declarações aos jornalistas no parlamento, que Santos Silva demonstrou um “comportamento indigno da função de presidente da Assembleia da República”, que se enquadra num conjunto de outras atitudes “que contribuem para a degradação do sistema político”.

À semelhança do que tinha feito na quarta-feira à noite, Rui Rocha voltou a exigir que o presidente do parlamento apresente um “pedido de desculpas público aos portugueses” e não à IL, salientando que o seu partido não ficou ofendido pelas palavras do vídeo porque “não se deixa ofender por quem quer ofendê-la”.

“Tem de dirigir-se aos portugueses e dizer, ele próprio, que [aquela] não é uma conduta aceitável de quem é a segunda figura do Estado e tem uma particular responsabilidade na condução da vida democrática”, disse.

Canal do Parlamento publicou - e apagou - o vídeo

O vídeo em causa foi publicado ontem no site do Canal Parlamento e, após a sua existência ser noticiada pelo Observador, foi apagado.

Deixou de estar online no site, mas já estava partilhado nas redes sociais, nomeadamente da Iniciativa Liberal.

Augusto Santos Silva considerou, já esta quinta-feira, que o vídeo constitui uma "flagrante violação de direitos e liberdades mais fundamentais das personalidades que foram vítimas dessa operação".

"Hoje de manhã determinei a abertura de um processo de averiguação para averiguar em que condições foram recolhidas aquelas imagens, captado aquele som, e em que condições foi colocado ao conhecimento público aquele vídeo, para que se saiba quem fez e quem autorizou", anunciou Augusto Santos Silva, depois de interpelado pela IL e pelo Chega sobre o assunto no início da reunião plenária.

"Eu tenho um pedido de desculpas a fazer, convicto e veemente, um pedido de desculpas em nome do parlamento aos representantes dos órgãos de soberania e demais personalidades que foram escutadas ilegitimamente nesta casa há 48 horas", afirmou Augusto Santos Silva.

Quem decide no Canal Parlamento

O Conselho de Direção do Canal Parlamento é constituído por seis deputados: André Pinotes Batista (PS), Paulo Rios de Oliveira (PSD), Jorge Galveias (Chega), João Cotrim Figueiredo (IL), Bruno Dias (PCP) e Joana Mortágua (BE).

No site da AR TV, lê-se que "para efeitos de fixação da grelha semanal das emissões da ARTV - Canal Parlamento serão adotadas as seguintes regras: 1. Os Serviços competentes organizam o mapa das reuniões das Comissões bem como dos eventos a realizar na Assembleia da República, após o que é organizada a respetiva grelha de emissão. 2. Sempre que surjam casos de sobreposição de reuniões de Comissões cujos temas sejam de relevante interesse parlamentar e informativo, suscitando-se dúvidas quanto à prioridade da emissão em direto, o Conselho de Direção do Canal Parlamento dará o seu parecer, após informação dos Serviços, sobre a reunião que deve ser transmitida em direto."

Nas mesmas disposições, lê-se ainda que "pode ainda ser feita a transmissão das reuniões a que compareçam altos funcionários e personalidades convidadas a prestar depoimentos para efeitos parlamentares e daquelas em que sejam tratados outros temas de interesse público relevante."

Nenhuma destas premissas corresponde, pelo que se consegue depreender, ao que se assiste no vídeo cujo teor é de uma conversa informal.

Como é que essa conversa informal foi filmada e publicada no site da AR TV é o que está por responder. Ao SAPO24, André Pinotes Batista disse, a meio da tarde de hoje, que não tinha conhecimento de qualquer pedido de informação sobre os autores da publicação por parte de Santos Silva ou do seu gabinete.

* Com Isabel Tavares