"O processo é um grande show mediático e um reavivar da dor de quem perdeu alguém próximo ou que foi ferido carrega consigo. Tem de haver um processo, porque foi um ato de guerra e isso deve ficar registado na história, mas não tenho qualquer confiança na justiça", afirmou à agência Lusa Patrícia Correia, mãe de Precília Correia, lusodescendente, que morreu no atentado ao Bataclan e uma das fundadoras da associação de vítimas 13onze15.
O megaprocesso obrigou à construção de uma sala de audiências especial no Palácio de Justiça de Paris, junto à Notre Dame. As autoridades estimam que o julgamento vai envolver mais de 3.000 pessoas, entre os 20 acusados, 1.700 sobreviventes, testemunhas ou famílias das vítimas, 350 advogados e jornalistas.
Esta logística não impressiona Patrícia Correia nem outras famílias que integram a sua associação já que anteveem que o processo não traga nem novidades nem o castigo necessário aos acusados.
"Houve grandes falhas por parte das autoridades, isso já sabemos. Quanto aos réus, deixamos-lhes sempre uma oportunidade de sair ao fim de alguns anos", sublinhou.
No banco dos réus não haverá nenhum terrorista que tenha sido diretamente responsável pelas 131 mortes do 13 de novembro no Stade de France, no Bataclan e nas esplanadas do 11.º bairro já que todos foram abatidos após os ataques, mas há figuras-chave que terão participado na conceção e preparação dos atentados.
Desde logo Salah Abdeslam, o único sobrevivente dos operacionais do 13 de novembro que terá transportado três terroristas até ao Stade de France e deveria utilizar um colete de explosivos para levar a cabo outro ataque, tendo, no entanto abandonado os explosivos e fugido para a Bélgica.
Outro acusado que será julgado é Mohamed Abrini que terá acompanhado os terroristas até à região parisiense, tendo um papel importante no financiamento e na facilitação de armas para o ataque.
Acompanhando o julgamento que decorre atualmente sobre os ataques de janeiro de 2015, quando a redação do jornal satírico 'Charlie Hebdo' foi visada, e o subsequente ataque no início de outubro às antigas instalações do jornal, Patrícia Correia considera que a atuação das autoridades tem sido "terrível".
"É terrível tudo o que se passou no seguimento do processo 'Charlie Hebdo', com um louco que foi atacar a antiga redação. O Governo deixou-se invadir por estas comunidades islâmicas e estamos em perigo", considerou.
Passados cinco anos desde o ataque ao Bataclan, a mãe de Precília Correia garante que ainda há "feridas que não cicatrizaram" e que os combates pela memória da filha são a única ajuda possível.
"O que me ajuda [no dia a dia] é o meu combate através da associação para preservar a memória da minha filha, o meu combate junto do Governo para criar um museu e o meu combate junto da autarquia de Paris para criar um jardim de memória", concluiu.
Porteira portuguesa que socorreu vítimas do Bataclan teme testemunhar no processo
Margarida Sousa, porteira portuguesa que acolheu mais de 40 pessoas na noite dos atentados ao Bataclan, afirma que faria tudo outra vez passados cinco anos, mas diz temer vir a testemunhar no processo que vai decorrer em 2021 em Paris.
"Não é o efeito de ver as pessoas outra vez, é que não sabemos o que se pode passar a seguir. Eles vão ver as nossas caras e vai passar na televisão. E mesmo que [os terroristas] estejam na prisão, têm contactos cá fora", afirmou Margarida Sousa em entrevista à agência Lusa.
Apesar de ainda não ter sido intimada para comparecer em tribunal e do receio das represálias de um possível testemunho, esta emigrante portuguesa radicada em França há mais de 30 anos espera que "seja feita justiça" contra quem ajudou os sete autores do atentado.
A noite de 13 de novembro de 2015 continua viva na memória de Margarida Sousa e dos habitantes do 11.º bairro de Paris, onde se localiza a sala de espetáculos Bataclan.
"No nosso bairro tudo mudou. Tentamos esquecer, tentamos viver, mas já não é igual. Ou então são aquelas mágoas que vêm e que nos deixam marcas. Basta haver um novo ataque e volta tudo à nossa cabeça. Não vivemos em paz", confessou a porteira.
No atentado morreram 130 pessoas e mais de 400 ficaram feridas. Ao prédio de Margarida Sousa nessa noite chegaram mais de 40 pessoas que estavam dentro do Bataclan, entre as quais sete estavam feridas e uma delas em estado grave. Abrir a porta a estas vítimas é um ato que a porteira portuguesa não hesitaria em repetir.
"Fazia tudo outra vez. Eu não pensei duas vezes naquilo que se estava a passar. Houve um espaço de dois segundos que fiquei paralisada e depois vi o sangue todo que pingava no chão. Nem sei como fiz, nem como começou, nem como acabou", relembrou.
Os atos de Margarida Sousa foram reconhecidos pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, através da atribuição do grau de Dama da Ordem da Liberdade, assim como distinções da cidade de Paris e de Penafiel, de onde é originária. No entanto, nas redes sociais, esta emigrante recebeu "ataques".
"Há quem ache que fizemos isto por interesse. Há quem pense que recebemos dinheiro e as pessoas julgam-me muito em Portugal, especialmente nas redes sociais. [...] Eu nunca quis uma medalha. Se houve, depois, a vontade e simpatia de me fazerem certas coisas, foi porque se tratou de um momento histórico", indicou.
Passados cinco anos, Margarida Sousa hesita em se considerar vítima do ataque terrorista, já que não esteve presente em nenhum dos locais do atentado nem foi afetada fisicamente, mas deixou de conseguir assistir a descargas de foguetes por lhe lembrar "o ataque final" da polícia ao Bataclan.
"Eu sofri, sem sofrer. Eu vi só a missa à metade", concluiu.
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