Vem de uma família numerosa, "onze irmãos, mais um que morreu". Fernando Loureiro, 71 anos - em breve 72 - é o quarto, e teve de ganhar para os mais novos, era preciso pôr dinheiro em casa. Começou a trabalhar com dez anos, de manhã ia à escola, à tarde ia para uma oficina de carpintaria, sete quilómetros a pé, onde "acartava" com peças para móveis com o dobro do seu tamanho e peso.
Nasceu no norte, em Barcelos, mas por causa da profissão do pai andou de um lado para o outro, "ele ia e nós íamos atrás". Até vir para Lisboa: entrei como paquete no BPA, "ainda me lembro da farda", e foi subindo na carreira, até chegar ao balcão. Pelo meio, a tropa.
Nunca tinha sido militante de um partido, "antigamente oscilava entre o PS e o PC", hoje abomina todos, "são todos nepotistas. As pessoas têm de ser escolhidas pelo mérito, através de concursos, não é por serem família".
Fundou o PURP - Partido Unidos dos Reformados e Pensionistas há quatro anos, cansado de um sistema político que maltrata os mais fracos. O partido formalizou-se a 13 de julho de 2015 e concorreu logo às legislativas de outubro de 2015, "armados em campeões. Ainda disse muito disparates, como que ia ter 20 deputados, mas já não entro por aí, claro". O PURP obteve nessas eleições 13.979 votos. Sabe que se meteu numa luta de grandes e, para já, tem apenas uma ambição: chegar à Assembleia da República e defender os direitos dos combatentes do Ultramar, "completamente esquecidos e ostracizados".
Como e por que motivo decidiu meter-se na política?
Meti-me na política há quatro anos, porque noto que quando as pessoas são mais velhas começam a ficar mais vulneráveis e, então, vem-lhes à memória tudo o que ficou para trás. Fundei o PURP porque me chateei: chateei-me com o Sócrates, porque trouxe isto para a bancarrota, chateei-me com o Passos Coelho e com a Cristas, porque fizeram tudo à má-fila a prejudicar os mais pequeninos, e chateei-me agora com António Costa, que é um manhoso.
Dois rapazes que não percebiam nada de nada meteram-se nesta aventura terrível, que é má, mas que nos põem os neurónios a trabalhar, em vez de estar em casa
Como foi fazer o partido?
Arranjei um grupo de amigos, pessoas simples, do povo, como eu também sou, e andámos na rua, nos lares, nas faculdades a recolher assinaturas - os miúdos também assinavam: "Ah, para o meu velho, acho muito bem". Conseguimos 8770 assinaturas, que conferi uma a uma. O Tribunal Constitucional validou-nos 8100. Foi uma coisa genuína, dois rapazes que não percebiam nada de nada meteram-se nesta aventura terrível, que é má, mas que nos põem os neurónios a trabalhar, em vez de estar em casa.
Mas "n" soldados que regressaram e foram para as suas terras nunca recuperaram
O que defende e porquê?
Sou ex-combatente, estive dois anos na Guiné, vi muita coisa. Eu próprio cheguei cá com muito problemas e não me consegui adaptar a isto, tive uns anos difíceis. Sou um homem de força, escorpião, e consegui recuperar. Mas "n" soldados que regressaram e foram para as suas terras nunca recuperaram. E o que foram fazer? Chegaram perturbados, sem condições para trabalhar, muitos metiam-se nos copos. E pensei neles. Há sempre alguma coisa que fica: tive pessoas da minha companhia que morreram, outras que ficaram muito mal. É por esses homens que agora combato, eu podia ser um deles. O partido está feito por mim para os ex-combatentes, que também são reformados. Não posso, não me entra na cabeça, que tivessem sido abandonados. Passaram 45 anos e só recentemente o ministro Cravinho veio com uma proposta que ninguém percebe o que é, um cartão simbólico que ninguém sabe o que é - e que chegou à Assembleia da República foi retirada. Esta gente tem de ser apoiada, e o que pedimos é simples.
O que pedem?
Para já, dignidade. Os ex-combatentes que têm reformas baixas tinham de, pelo menos, ter direito ao ordenado mínimo nacional. Temos de dar-lhes um fim de vida digno, porque eles deram tudo pelo país. "Ah, mas isso é do tempo de Salazar", dizem. Repare, nem Blocos de Esquerda, nem PS, nem PC olham para esta questão. Os de direita, enfim, andavam por ali, porque lhes convinha - Paulo Portas deu um subsídio de combate, para quem esteve no terreno, de 100 euros por pessoa - foi uma lei que fez para ganhar votos. Eu recebo 100 euros, em outubro, uma vez ao ano. Mas mais ninguém fez coisa nenhuma, têm vergonha de nós, não querem falar de nós. Não quero isto para mim, porque, como costumo dizer, dá-me para comer, não me posso é esticar muito.
Não somos um país de terceiro mundo, não estamos em África. Mas com o país que temos, mesmo com as suas limitações, podíamos estar melhor
Como olha para o Portugal de hoje e para o Portugal de quando era miúdo e era possível começar a trabalhar ao dez anos?
A lei da vida é que isto tem de mudar, não pode regredir. Não somos um país de terceiro mundo, não estamos em África. Mas com o país que temos, mesmo com as suas limitações, podíamos estar melhor. Infelizmente, os políticos mentem com todos os dentes, mas as pessoas não vêem, é tipo clubite, "nasci do Sporting, morro do Sporting".
Qual a crítica que faz a este governo?
A corrupção. Sobretudo a mentira, dos governos todos. E terem humilhado e ostracizado e abandonado à sua sorte os militares, essa é para mim a parte que gostava de ler num cabeçalho de revista ou de jornal: "Quero para todos os ex-combatentes um ordenado mínimo nacional". Não me toca a mim, mas é sobretudo por aqueles que estiveram lá fora e que vieram estropiados, com problemas graves. Tenho um colega que era comando, também está no partido, que não dorme uma noite, passados estes anos todos.
E o que propõe o PURP para o país?
Um ordenado mínimo para os ex-combatentes, para todos os que têm reformas abaixo disso. E vou fazer por isso, até à exaustão. Quero que os meus camaradas se sintam, pelo menos, reconhecidos. Devia reescrever-se a história, isto é, os nossos netos deviam saber aquilo o que os avós passaram. Ainda ontem estive em Belém, e está lá um senhor a fazer uma greve de fome, em frente ao Palácio, porque há reformas miseráveis. Temos dois milhões a viver abaixo do limiar da pobreza. Há trabalhadores no activo a trabalharem no duro e a ganhar 600 euros. Na zona onde vivo, em Linda-a-Velha, um T2 para arrendar custa entre 900 e 1100 euros. Onde é que os jovens podem pensar em casar ou em aumentar a família? Não podem, não têm hipótese. E então, é melhor mandar vir os migrantes, com aquelas culturas, e lá pelo meio vem um ou outro que, já se sabe...
Faz-me lembrar o PAN com o serviço nacional de saúde para os animais, quando nem para pessoas temos um serviço que preste
O que é que já se sabe?
Sou a favor da solidariedade com os outros povos, mas há uma coisa que temos de pôr em primeiro, é defender os nossos. Faz-me lembrar o PAN com o serviço nacional de saúde para os animais, quando nem para pessoas temos um serviço que preste. Agora está na moda as questões do clima e do ambiente, quando isso é uma questão de todos, não é preciso ser do PAN ou do PS ou de outro partido qualquer. Todos os cidadãos têm de ter esta preocupação, não é propriedade do PURP nem de nenhum outro. Da mesma maneira que não tenho nada contra os homossexuais - dois dos meus melhores amigos eram gays -, mas passar uma legislatura a falar de questões de género, como o Bloco de Esquerda, é um exagero. Há outros temas, e o que é que fez Costa?
António Costa também martela nos mais pobres, mas é manhoso, fá-lo com outro estilo
Isso pergunto-lhe eu. O que fez António Costa enquanto primeiro-ministro?
António Costa também martela nos mais pobres, mas é manhoso, fá-lo com outro estilo. Aliás, temos a carga fiscal mais elevada de sempre. E depois, não investe, temos um nível de investimento zero.
Onde deveria ser feito investimento público, segundo o PURP?
Quer dizer, nas pessoas que estão mais frágeis, nos hospitais. Uma vez um jornalista perguntou-me se eu achava que os deputados eram bem ou mal pagos, e devolvi-lhe a questão: então e os enfermeiros que tratam da nossa saúde, os professores que dão instrução aos nossos filhos, os agentes da autoridade que preservam a nossa segurança, os bombeiros que nos defendem? Agora escolha. Eu até admito que os deputados podem ganhar pouco, mas aquilo não é um trabalho, é serviço público, é missão. Olhe, veja os gestores públicos, a ganhar mais do que o presidente da República, alguns com 20 ou 30 mil euros por mês, mais objectivos... Veja o caso de Paulo Macedo, à frente da Caixa Geral de Depósitos... Isso é que é uma vergonha.
A candidatura do PURP prevê alguma medida além da melhoria das condições de vida dos ex-combatentes?
Não. Nesta altura lutamos por dar dignidade ao combatentes do Ultramar. Lutaram pela pátria, têm de ter uma compensação qualquer. E estão todos a desaparecer, daqui a dez anos já não há hipótese, a média de idades é a minha, 70 anos, mais coisa menos coisa. E têm de receber no mínimo aquilo que é o ordenado mínimo nacional. Isto não é só injectar 20 mil milhões na banca, é preocuparmo-nos com os mais velhos, porque todos caminham para lá.
quase todos os meses chegamos ao dia oito aflitos porque não temos dinheiro. Para fazer política é preciso ter dinheiro
Quais são, se existem, as dificuldades de um partido pequeno?
Dinheiro. Nós não temos dinheiro. Temos alguns militantes, que pagam um quota de 12 euros, um euro por mês. Quem paga a renda da sede, um espacinho simpático de 12 ou 13 m2 em Belém, que é obrigatória, sou eu e alguns colegas, que damos 20 ou 30 euros nossos. Mesmo assim, quase todos os meses chegamos ao dia oito aflitos porque não temos dinheiro. Para fazer política é preciso ter dinheiro. E não só, é preciso ter conhecimentos - dos senhores do dinheiro, dos media... A comunicação social só nos passa cartucho nesta altura. Já escrevi à ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social] - não gosto nada da ERC - e deram-me sempre sopa. Pedro Santana Lopes também se queixa à ERC por não ser ouvido, mas então e quando esteve lá sentado, não pensou nos outros, nos mais pequeninos? E pronto, viramo-nos para as redes sociais. Mas outra coisa horrível é o dinheiro que se gasta em campanhas eleitorais.
O PURP também terá de apresentar contas.
Não me fale nisso.
Então porquê?
Já temos duas contra-ordenações do Tribunal Constitucional por causa de um papelinho, não sei se está a ver. Escrutinam-nos como escrutinam os grandes partidos, temos de ter os mesmo preceitos, é terrível. Ainda agora tive de pagar, porque temos de dizer quem é o mandatário financeiro, publicar no jornal. E temos de andar nós a dar dinheiro. Devia haver um valor único a pagar pelo Estado e a distribuir por todos os partidos concorrentes às eleições: "Tens este dinheiro, agora governa-te". Os grandes não dizem que têm tantos filiados? Então que vivam disso, como os outros.
uma pessoa fez uma entrega em numerário, depositou o dinheiro directamente na conta. Não sabíamos que não se podia fazer, que devia ser por transferência bancária (...) Agora temos uma contra-ordenação que pode ir de 4 mil a 88 mil euros. Está a ver?!
Por que motivo o Tribunal Constitucional notificou o PURP?
O que aconteceu foi que uma pessoa fez uma entrega em numerário, depositou o dinheiro directamente na conta. Não sabíamos que não se podia fazer, que devia ser por transferência bancária, não conhecíamos aqueles artigos todos. Agora temos uma contra-ordenação que pode ir de 4 mil a 88 mil euros. Está a ver?! Eu teria de vender o cão, o gato e o periquito.
Qual o valor do depósito?
Foi um depósito grande, a pessoa tinha dinheiro. A pessoa não sabia e fez uma coisa contra as regras todas, que foi depositar em dinheiro. E temos em mãos mais qualquer coisa que agora não me lembro...
Quando se forma um partido e esse partido concorre a eleições não é suposto conhecer as regras?
Pois, por acaso agora tive o cuidado de meter uma pessoa amiga, vizinha quase, que é jurista e nos vai dar uma ajuda a contestar estas coisas. Imagine quando era o Fernando Loureiro a responder - porque era eu que escrevia estas coisas todas - não tinha hipótese nenhuma.
Disse que não gosta nada da ERC. Porquê?
Porque no meu recibo de eletricidade pago cerca de 13 euros para a RTP. E, mais do que uma vez, muitas mesmo, enviei emails para a RTP a dizer que o PURP está a ser discriminado e que gostaríamos de ser ouvidos. Zero, respostas zero. Os privados são privados, podem fazer o que quiserem, o dinheiro é deles, mas a RTP é uma estação de televisão pública. Portanto, fiz queixa à ERC, que depois de um tempo respondeu que "são critérios jornalísticos, não nos queremos meter". E voltei a responder: vossas excelências sabem que temos direito a ter palavra, que diabo. A ERC não funciona, não funciona. Agora, finalmente, a RTP vai fazer um debate, no dia 30 de Setembro, mas só com os mais pequeninos. Vou lá estar com os outros, com os presidentes dos partidos.
O PURP queria uma audiência - para dar os cumprimentos, aquelas coisas - mas ele [Marcelo Rebelo de Sousa] nunca nos respondeu pevide. Um belo dia, Santana Lopes faz o Aliança, um partido novo e sem assento parlamentar, e é logo recebido pelo presidente da República
E ao presidente da República, alguma vez escreveu?
Eu já fui recebido pelo presidente da República. O PURP queria uma audiência - para dar os cumprimentos, aquelas coisas - mas ele nunca nos respondeu pevide. Um belo dia, Santana Lopes faz o Aliança, um partido novo e sem assento parlamentar, e é logo recebido pelo presidente da República. Enviei-lhe uma nota a dizer: "Vossa excelência abriu um precedente grave, recebeu o Dr. Santana Lopes, quando nós já apresentámos diversos pedidos de entrevista e não nos recebeu". Uma semana depois estávamos a receber uma resposta a dizer que o senhor presidente teria muito gosto em receber-nos.
Sobre o que falaram?
Combatentes do Ultramar, é a nossa luta. Eu estava sentado de lado e ele respondia: "Tem toda a razão, senhor Fernando Loureiro. Tem toda a razão". Simpatissíssimo.
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