Ferro Rodrigues relatou este episódio ocorrido com Marcelo Rebelo de Sousa e com António Costa em outubro de 2021, após o chumbo da proposta do Governo do Orçamento para 2022, durante a apresentação do seu livro “Assim vejo a minha vida – Memórias”, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Na sua intervenção, o antigo secretário-geral do PS salientou a sua amizade com Marcelo Rebelo de Sousa.
“É dos meus amigos mais recentes. Foi realmente uma amizade que se construiu em plena situação nova no plano político, social, económico, cultural, a partir de 2015, e que lamentavelmente foi quebrada com o fim da chamada 'Geringonça' em 2021”.
Perante uma sala cheia de convidados, Ferro Rodrigues contou que sentiu o fim da "Geringonça" – solução política de Governo minoritário do PS que teve suporte parlamentar do PCP, Bloco de Esquerda e PEV entre novembro de 2015 e outubro de 2021 – como uma “grande derrota” também do ponto de vista pessoal.
“Disse ao Presidente da República e ao primeiro-ministro, António Costa, que não contassem comigo. Era uma grande derrota que também senti como minha", referiu já na parte final da sua intervenção.
Dirigindo-se depois ao chefe de Estado, o ex-presidente da Assembleia da República lembrou o período de 2018 em que esteve doente e foi sujeito a intervenções cirúrgicas.
“Foi incansável quando eu estive doente”, vincou Ferro Rodrigues, realçando em seguida a amizade entre ambos, “independentemente das divergências” políticas.
Com vários fundadores e antigos militantes do MES presentes na sala, o antigo secretário-geral do PS disse que o seu livro é sobretudo “um exercício de memória” e não uma autobiografia, um ajuste de contas ou uma “ameaça de regresso à vida política ativa”.
Ferro Rodrigues observou que, como exercício de memória, procurou que não fosse caracterizado pelo autoelogio, mas principalmente pela crítica, “com alguma autocrítica”.
Numa das passagens do seu discurso, citou o antigo Presidente da República Jorge Sampaio, dizendo que “há mais vida para além da política” e que a sua família e amigos são centrais no seu livro de memórias.
Ferro exemplar republicano e socialista mas com feridas por cicatrizar
O ex-ministro José António Vieira da Silva considerou hoje que Ferro Rodrigues foi um exemplo como republicano e socialista, mas também sofreu injustiças na sua vida política, que abriram feridas que continuam por sarar.
Vieira da Silva referiu-se ao período em que Ferro Rodrigues foi secretário-geral do PS entre 2002 e 2004. E fez uma alusão indireta ao processo judicial Casa Pia, no âmbito do qual o então dirigente socialista Paulo Pedroso foi preso preventivamente e depois libertado por decisão judicial.
"Não ficava bem comigo mesmo, porque vivi com o Eduardo [Ferro Rodrigues] boa parte dos episódios da sua vida política, se não dissesse que a vida, a vida política, lhe abriu feridas. E elas estão lá. Eduardo teve a coragem de não as esquecer”, apontou o antigo ministro dos governos socialistas de José Sócrates e de António Costa.
Segundo Vieira da Silva, que esteve ao lado de Ferro Rodrigues logo no MES (Movimento da Esquerda Socialista), após ó 25 de Abril de 1974, esses tristes episódios “talvez não sejam feridas abertas, mas não estão cicatrizadas”.
“Porque, se o Eduardo diz que o seu partido, o nosso partido, lhe deu mais do que ele próprio lhe retribuiu, a sociedade portuguesa, nós todos, não fomos capazes de compensar, de alguma forma de fazer cicatrizar, as feridas que, de forma absolutamente injusta, lhe foram abertas, a ele e a alguns mais”, declarou.
Vieira da Silva definiu o antigo ministro das pastas do Trabalho e da Solidariedade, e depois do Equipamento Social, de António Guterres, como um exemplo de “nobreza” na ação política.
“Há poucas pessoas que têm tanta legitimidade como Eduardo Ferro Rodrigues, porque como poucos que eu tenha conhecido, ele sempre colocou a coisa pública no centro da sua vida, no centro da sua atividade – e nunca, mas nunca, o interesse ou a vantagem pessoal. E isso é que é ser republicano, isso é que é ser socialista, isso é que é ser um de nós", acentuou, recebendo muitas palmas.
Na intervenção de Vieira da Silva, houve também momentos de humor, quando lembrou que ele e Ferro Rodrigues fizeram parte do MES e, depois, quando contou alguns episódios dos tempos em que ambos fizeram parte dos governos de António Guterres entre 1995 e 2002.
“Tenho de fazer uma inconfidência: Eu e o Eduardo nunca saímos bem do MES, sempre ficou uma parte de nós lá. Quando o Eduardo vinha das reuniões do Conselho de Ministros, no tempo dos governos do engenheiro Guterres, trazia um papelinho em que contava quantos ex-MES estavam lá, quantos eram do Sporting e quantos de outros clubes”, revelou.
A transição do MES para o PS, em 1988, segundo Vieira da Silva, é explicada por Eduardo Ferro Rodrigues neste livro, adiantando que se trata de “uma realidade pouco estudada”.
“A linha da liberdade, a linha do equilíbrio entre a utopia e a realidade, vai até à entrada no PS. Ferro Rodrigues não fez essa transição [do MES para o PS] pelo peso da vida, não foi por ficar mais velho que saiu do esquerdismo para entrar na social-democracia. Fê-lo porque a reflexão sobre as pessoas, sobre o país, o levou a fazer essa mudança”, justificou Vieira da Silva.
Eduardo Ferro Rodrigues, com 73 anos, foi eleito presidente da Assembleia da República há precisamente oito anos, em 23 de outubro de 2015, cargo para o qual foi reeleito em 2019 e que exerceu até março de 2022, quando terminou a anterior legislatura.
Em abril de 2022, o Presidente da República, foi condecorado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com a grã-cruz da Ordem Militar de Cristo.
Economista, licenciado pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, a cuja Associação de Estudantes presidiu, Ferro Rodrigues foi fundador do Movimento de Esquerda Socialista (MES), a seguir ao 25 de Abril de 1974, e aderiu ao PS em 1988.
Foi ministro do Trabalho e Solidariedade e do Equipamento Social nos governos de António Guterres, entre 1995 e 2002, e secretário-geral do PS, entre 2002 e 2004.
Marcaram presença nesta sessão o primeiro-ministro, António Costa, os ministros Fernando Medina, Mariana Vieira da Silva, Pedro Adão e Silva e José Luís Carneiro e figuras do PS como João Cravinho, José Vera Jardim, Alberto Martins, Jorge Lacão, Ana Gomes.
Entre os presentes estiveram também o antigo diretor-geral da Saúde Francisco George, o historiador e antigo dirigente do PSD José Pacheco Pereira, a campeã olímpica Rosa Mota, o presidente da associação 25 de Abril, Vasco Lourenço, e António Filipe, do PCP.
(Notícia atualizada às 21h04)
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