De acordo com o requerimento de incidente de recusa da procuradora Marta Viegas, apresentado pelos advogados Francisco Teixeira da Mota e Luísa Teixeira da Mota, “a mera iniciativa e concretização de tal reunião é suficiente para, por si só, pôr em causa a manutenção da Sra. procuradora na representação do Ministério Público (MP) nos presentes autos”, juntando-se assim ao pedido também efetuado pelo outro arguido: Aníbal Pinto.
“Os arguidos, o tribunal e a Justiça não podem aceitar que, na pendência de um julgamento no âmbito de um processo-crime, a procuradora titular dos autos na fase de julgamento se reúna com as testemunhas indicadas pela defesa do arguido para afinar a estratégia da sua inquirição”, pode ler-se no documento a que a Lusa teve acesso, depois de o Observador avançar a informação na segunda-feira à noite.
A reunião em causa ocorreu em 08 de setembro de 2020, quatro dias depois do arranque do julgamento, e contou com as presenças de Rogério Bravo, Paulo Abalada, José Garcia, José Amador e Hugo Monteiro, além da procuradora. Porém, a existência da reunião só foi revelada em abril de 2022, quando a inspetora da PJ Aida Freitas (que foi chamada e não esteve presente) juntou - no contexto da acareação com o colega Hugo Monteiro - um email enviado por José Amador em que convocava os colegas para “afinar a estratégia para a inquirição”.
Lembrando os princípios de “vinculação estrita de legalidade, isenção e imparcialidade” do MP, a defesa de Rui Pinto considera que os “princípios e deveres não são compatíveis com reuniões, na pendência do julgamento”, entre o MP e as testemunhas e critica um suposto aproveitamento da magistrada por estarem envolvidos elementos da PJ.
“Nada pode justificar que o MP reúna com as testemunhas apresentadas pela defesa, aproveitando-se do facto de tais testemunhas serem funcionários do Estado, no caso inspetores da Polícia Judiciária, sujeitas ao poder hierárquico, para afinar estratégias sobre os factos sobre os quais as mesmas vão depor”, refere o requerimento, acrescentando que “os referidos inspetores já tinham terminado qualquer tipo de coadjuvação ao MP”.
Por isso, os advogados do criador da plataforma eletrónica 'Football Leaks' apontam a criação de “um estado de forte desconfiança” em torno da atuação do MP, reiterando que “não pode sustentar a acusação a ‘todo o custo’” e que existe uma violação dos “deveres de imparcialidade e de respeito pela legalidade”.
A defesa de Rui Pinto aponta já a inconstitucionalidade “por violação do princípio da imparcialidade judicial” e argumenta que “reunir com as testemunhas de um dos arguidos durante o julgamento para afinar a estratégia de inquirição das mesmas é, precisamente, obscurecer a descoberta da verdade, entorpecer a realização do direito e violar critérios de objetividade”, notando que os depoimentos dos elementos da PJ perderam a espontaneidade.
“Manter a Sra. Procuradora em causa como titular dos presentes autos é quebrar (ao invés de preservar) a confiança que os tribunais e o sistema de justiça devem oferecer”, lê-se no requerimento, que conclui: “Em face do exposto, o arguido Rui Pinto não pode, também, deixar de requerer (…) a recusa da Sra. procuradora, impondo-se a sua imediata substituição”.
O requerimento de incidente de recusa suspendeu por agora o julgamento, que estava já na reta final, e vai agora ser decidido pelo superior hierárquico da procuradora.
Rui Pinto, de 33 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto de 2020, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.
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