O governo italiano, que realizou esta quarta-feira, 15 de agosto, uma reunião de emergência em Génova, decretou estado de emergência na região por 12 meses.
A decisão foi anunciada pelo primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, no fim de um conselho de ministros no qual também foi decidido criar um fundo de cinco milhões de euros para a cidade.
O Governo italiano exigiu hoje também a demissão dos diretores da concessionária Autostrade per l'Italia, uma subsidiária da Atlantia, e responsável pela concessão e manutenção da ponte.
Além disso, Conte acusou a empresa Autoestrade - a concessionária das autoestradas, com 30% do seu capital nas mãos da família Benetton - de ter adiado os controlos e a manutenção do viaduto.
"Uma empresa que ganha milhões em portagens deve explicar aos italianos porque é que não fez tudo o que era possível para investir boa parte desse lucro em segurança", disse indignado à emissora Rádio 24 o ministro do Interior, Matteo Salvini.
Em resposta às acusações do governo, a empresa divulgou um comunicado onde detalha os elevados investimentos na segurança das autoestradas italianas, colocando-as entre as mais seguras da Europa.
Segundo o jornal "La Stampa", a empresa decidiu adiar para depois da temporada de férias as obras para reforçar a viga da ponte, o que, segundo especialistas, poderá ter causado o desabamento do gigantesco viaduto.
"Tratava-se de uma obra delicada, complexa e invasiva, que tinha de ser iniciada depois das férias de verão de agosto. Os cálculos falharam e, ao que parece, não haviam sido instalados os aparelhos para monitorizar o suporte da ponte", escreveu o jornal.
Cerca de 200 metros da ponte Morandi, que tem 1.182 metros de extensão e uma altura de 90 metros, vieram abaixo esta terça-feira, 14 de agosto, sepultando vários veículos debaixo dos escombros. Até ao momento, o balanço oficial dá conta de 39 vítimas mortais.
"Que não me venham dizer que foi uma fatalidade", comentou indignado o célebre arquiteto italiano Renzo Piano. "Espero que este desabamento nos ponha a pensar e nos obrigue a abandonar a mentalidade de que 'para mim, é assim que se faz'. Esta ponte era controlada, não era um problema de manutenção. É que era usada de forma inverosímil. É preciso que usar mais a água e as ferrovias para unir o Oeste e o Leste", defendeu o arquiteto, numa entrevista ao jornal "La Repubblica".
O jornal alega que mais de 300 pontes e túneis da península apresentam problemas por deficiências nos seus materiais, excesso de uso, ou falta de manutenção. "Uma percentagem baixa em relação às 45.000 infraestruturas existentes [no país] entre pontes, viadutos e túneis", reconhece o jornal.
O viaduto de Génova é, todavia, a quinta ponte que colapsa em Itália em cinco anos. Duas pontes desabaram na Sicília em 2014, uma delas um dia depois da inauguração, e outras duas na Lombardia e em Las Marcas em 2017, onde morreram três pessoas.
"É um sinal preocupante", afirma Antonio Occhiuzzi, especialista do Instituto para a Tecnologia da Construção do Centro Nacional de Pesquisas (CNR).
Atualmente, outra ponte que gera preocupação é a de Agrigento, na Sicília, concebida pelo engenheiro Riccardo Morandi, o mesmo que projetou a de Génova, fechada ao trânsito desde o início de 2017 por razões de segurança.
Em Roma, os especialistas temem pela ponte da Magliana, sobre o rio Tíber, por onde cerca de 20 milhões de veículos circulam a cada ano.
Segundo Occhuizzi, para evitar novas tragédias, são necessários "milhões de euros", um plano de investimentos que divide o governo populista formado pelo movimento antissistema Cinco Estrelas e a ultradireitista Liga, os quais se debatem entre travar as grandes obras, usar fundos públicos, ou escolher um novo modelo de desenvolvimento.
A vida em espera
Uma parte do viaduto Morandi em Génova está dentro de água, ao lado de escombros e restos de automóveis e camiões destruídos pelo desabamento. A região onde o viaduto caiu parece que foi abalada por um terramoto.
As equipas do Corpo de Bombeiros continuam as operações de resgate, com a ajuda de cães farejadores e escavadoras, na esperança de encontrar vítimas presas entre os escombros.
Uma dúzia de pessoas estão desaparecidas, entre elas uma família que estava em viagem para ir de férias na ilha de Elba, mais a sul.
"Não chegaram ao hotel. Não atendem o telefone. A essa hora provavelmente estavam a cruzar a ponte", conta angustiado à imprensa Antonio, um familiar.
Duas gruas enormes trabalharam durante toda a noite para escavar entre os enormes blocos de cimento do viaduto que caíram.
"Não perdemos a esperança de encontrar sobreviventes", confessou Emanuele Gissi, comandante adjunto dos bombeiros da região. "Durante a noite encontrámos três corpos entre os escombros", detalhou o socorrista.
O número de vítimas da tragédia chega a quase 40 e dos 16 feridos, 12 encontram-se em estado grave após o trauma sofrido, segundo explicou a Proteção Civil.
"Não consigo aceitar isto. Não pode ser verdade, é como se estivéssemos num filme", diz, ainda abalado, Francesco Bucchieri, de 62 anos, que foi testemunha do desabamento. "Houve negligência, subestimaram o perigo, era uma tragédia anunciada. Precisam encontrar os culpados. É um escândalo. Os culpados precisam pagar!", gritou indignado.
O desabamento do viaduto, estratégico para a circulação na cidade, é uma preocupação tanto para os moradores como para as autoridades, que avaliam a possibilidade de demoli-lo completamente.
Todos os moradores do bairro de Sampierdarena, junto à ponte, foram retirados na terça-feira, mais de 600 pessoas, por receios de que outra parte do viaduto Morandi pudesse cair.
"Pior que um terramoto"
"Estava em casa e todos os edifícios tremeram. Foi pior do que um terramoto", conta Pasquale Ranieri, de 86 anos. Ranieri vive num prédio de cinco andares na rua Enrico Porro, logo abaixo do viaduto Morandi. Já sabe que não poderá voltar para casa por algum tempo. "Fui dormir na casa de familiares. Isto vai demorar muitos meses. Sei que corremos risco, mas quero voltar para a minha casa, não quero que me adotem", lamenta.
Dois polícias, no entanto, impedem a entrada dos moradores que querem ter acesso às suas casas.
"Não dormi, não comi", conta Grazia Pistorio, de 83 anos, que neste momento só deseja trocar de roupa.
A 200 metros do viaduto desabado, um idoso que prefere manter o anonimato espera com os braços cruzados. Tem uma cabana entre o rio e a ferrovia, dentro da área isolada pela polícia, conta.
Há 15 dias uma gata deu à luz quatro filhotes. Todos os dias percorria seis quilómetros com a sua bicicleta para deixar alimento para os animais. "Não têm comida desde segunda à noite, não sei se estão vivos ou mortos", confessa.
O Governo italiano decretou estado de emergência na região por 12 meses e também um dia de luto nacional — mas o primeiro-ministro Giuseppe Conte referiu que o dia está ainda por determinar, já que o objetivo é que coincida com os funerais das vítimas. Conte confirmou igualmente que o governo vai revogar o contrato com a concessionária Autostrade.
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