“Não quero arruaceiros na Marinha; não quero bravatas fúteis, mas verdadeira coragem, física e moral; não quero militares sem valores, sem verdadeira dedicação à Pátria; não aceito quem não perceba que na selva temos que ser lobos, mas em casa cordeiros, pois isso é a verdadeira marca de autodomínio, autocontrole e de confiança dos outros em nós. Nós somos os guerreiros da luz e não das trevas! Quem não agir e sentir isto que parta e nos deixe honrar a nossa farda, o nosso legado de mais de 700 anos de Marinha e de 400 de Fuzileiros”, lê-se numa intervenção escrita à qual a Lusa teve hoje acesso.
Hoje, na largada do submarino Arpão para missões da NATO e da UE, na Base Naval de Lisboa, o Chefe do Estado-Maior da Armada disse aos jornalistas que fez este discurso “para a Marinha toda” e prometeu que a instituição vai tentar perceber “como é que isto pode acontecer dentro de uma força de elite e dentro da Marinha”.
No seu discurso no dia 24, o almirante Gouveia e Melo classificou os acontecimentos da madrugada de sábado como “um ataque selvático, desproporcional e despropositado”.
“Os acontecimentos do último sábado já mancharam as nossas fardas independentemente do que vier a ser apurado. O ataque selvático, desproporcional e despropositado não pode ter desculpas e justificações nos nossos valores, pois fere o nosso juramento de defender a nossa Pátria. O agente Fábio Guerra era a nossa Pátria, a PSP e as forças de segurança são a nossa Pátria e nela todos os nossos cidadãos”, vincou.
O CEMA confessou estar “profundamente triste”, adiantando que ligou à família do agente da PSP com “um nó na garganta”.
“Hoje vai a enterrar o agente da PSP Fábio Guerra. Estou profundamente triste. Quando telefonei à família para lhes dar os meus pêsames não sabia o que dizer, não sabia como justificar, como explicar, só uma profunda tristeza e um nó na garganta que me sufocava as palavras”, disse.
“Como explicar a aridez desta morte sem sentido, como explicar que nos eventos que levaram a isto estavam dois homens sob o meu comando, não consegui dizer nada mais que prometer justiça e lutar para que não voltasse a acontecer. Teria sido muito mais fácil e consolador poder ter dito que os meus homens tinham defendido o agente caído na rua, não permitindo que alguém o tivesse agredido cobardemente, já inanimado”, lê-se ainda na intervenção.
Gouveia e Melo vincou que “ver Fuzileiros envolvidos em desacatos e em rixas de rua, não demonstra qualquer tipo de coragem militar, mas sim fraqueza, falta de autodomínio, e uma necessidade de afirmação fútil e sem sentido”.
“Já ouvi vezes demais que não se pode ter cordeiros em casa e lobos na selva, eu digo-vos enquanto comandante da Marinha que se não conseguirem ser isso mesmo, lobos na selva, mas cordeiros em casa, então não passamos de um bando violento, sem ética e valores militares, sem o verdadeiro domínio de nós próprios e, se assim for, não merecemos a farda que envergamos, nem os 400 anos de história dos Fuzileiros”, vincou.
“Enquanto militares, não somos movidos pelo ódio, pela raiva, mas por amor a algo maior que os nossos próprios seres, algo tão superior que estamos sempre prontos a sacrificar-nos por isso. Nestes valores militares não há espaço para o desprezo pela vida alheia, nem pela indiferença e sofrimento alheio, ou para qualquer tipo de crueldade. Quando vejo alguém a pontapear um ser caído no chão, vejo um inimigo de todos nós, dos seres decentes, vejo um selvagem, vejo o ódio materializado e cego, vejo acima de tudo um verdadeiro covarde”, acrescentou.
Na introdução do discurso pode ler-se que “o almirante CEMA tem a certeza de que o Corpo de Fuzileiros e os Fuzileiros não se reveem neste tipo de comportamento e mantém toda a confiança nesta força de elite da Marinha”.
Gouveia e Melo disse ainda que agora “é tempo” de acreditar na justiça, “ajudando a que ela se realize nas instâncias adequadas” de modo que se saiba realmente o que aconteceu.
"Evitando a justiça mediática, ou popular, mas intransigente com a realidade e connosco próprios, pois o que está em causa numa primeira fase será o direito à defesa dos acusados, o direito à presunção de inocência destes até prova em contrário, mas acima de tudo o direito à verdade e justiça para com a morte do agente Fábio Guerra, para com a sua família e para com a sociedade", disse.
O agente Fábio Guerra, de 26 anos, morreu na segunda-feira de manhã, no Hospital de São José, em Lisboa, devido às “graves lesões cerebrais” sofridas na sequência das agressões de que foi alvo no exterior da discoteca Mome.
De acordo com as informações da PSP, no local encontravam-se “quatro polícias, fora de serviço, que imediatamente intervieram, como era sua obrigação legal”, acabando por ser agredidos violentamente por um dos grupos, formado por cerca de 10 pessoas. Os outros três agentes agredidos tiveram alta hospitalar no domingo.
Um dos suspeitos no envolvimento nas agressões, civil, foi terça-feira libertado após ser interrogado pelo Ministério Público e os restantes dois detidos, fuzileiros da Armada, ficaram na quarta-feira em prisão preventiva.
[Notícia atualizada às 12h18]
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