O discurso dos grevistas da CP tem sido pautado pela reivindicação de melhores condições, nomeadamente as salariais. Apesar ser sempre referido o salário base, o ordenado dos trabalhadores da CP não é só pago em função desse ponto de partida. À base podem acrescer retribuições, diuturnidades, subsídios e abonos que aumentam, naturalmente, o valor recebido.
"Nós temos uma estrutura salarial, já muito antiga, em que o salário base é um valor, e depois o trabalho noturno é bonificado, o repouso fora do posto também", adiantou Dário Silva, maquinista da CP, ao SAPO24.
O Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI) havia apenas adiantado ao SAPO24 que “há salários base que começam nos 760€ e que vão no máximo até aos 983€ ao fim de 30 anos”. No entanto, este é apenas o salário base. De acordo com os dados disponibilizados pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário (SNTSF) de março de 2022, existe uma série de subsídios e de retribuições que são acrescidos ao salário base de um trabalhador da CP.
Os trabalhadores com funções de acompanhamento de tráfego e supervisão têm direito a um abono mensal de 25€. Em caso de falhas, o abono varia entre os 15€ e os 20€, e a complexidade de funções em todos os locais em que exista manobra tem um abono de 20€. Está também previsto um abono diário em função das dificuldades de os trabalhadores se deslocarem entre as 00h00 e as 06h30 - o que pode obrigá-los a utilizar viatura própria - de 4,91€. Os custos de deslocação e de itinerância têm previsto um abono de 6,86€ cada, ao qual pode acrescer ajudas de custo em caso de descanso fora do local de trabalho.
Os prémios de produtividade diário e anual aplicam-se aos trabalhadores que cumprem o período normal de trabalho diário. O prémio de produtividade diário é de 4,41€, e o anual varia entre os 350€ e os 420€. No caso dos condutores, os prémios anuais variam entre os 560€ e 630€.
O subsídio de refeição é de 8€ para os trabalhadores não oriundos da ex-EMEF (Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário), e de 9,27€ para os trabalhadores oriundos. Neste valor reside uma grande diferença para os funcionários públicos. É de recordar que a partir de outubro de 2022, o subsídio de refeição da função pública passou a ser 5,20€ em dinheiro, e o valor isento pago em cartão de refeição 8,32€. Segundo o Sindicato Nacional Dos Ferroviários Do Movimento E Afins (Sinafe), embora alguns trabalhadores recebam os tais prémios e subsídios, "há trabalhadores que só recebem o ordenado base, não recebem prémios, só o subsídio de alimentação".
Existe ainda o subsídio de turno, que varia entre os 60€ e os 99€, e o de escala. Após 5 anos completos e consecutivos no regime de escalas ou de turnos rotativos, é pago um complemento de retribuição correspondente à diferença entre a retribuição mensal que era recebida, e a que passa a ser recebida a partir de então.
A retribuição especial por acumulação de funções de motorista aplica-se aos trabalhadores com carta de condução de ligeiros que, quando for necessário, acumulem essas funções, e varia entre os 2€ e os 6€ dependendo de serem trabalhadores oriundos da ex-EMEF ou não. O valor previsto para as diuturnidades varia entre aproximadamente 24€ e 27€, de acordo com o mesmo critério.
Existe ainda uma retribuição por trabalho noturno, por trabalho de emergência ou suplementar e uma retribuição especial por isenção de horário de trabalho. É ainda de referir que os trabalhadores em serviço na rede da RENFE, que explora a rede ferroviária espanhola, têm direito ao dobro do montante dos abonos e ajudas de custo por itinerância e deslocação, desde que permaneçam naquela rede por período igual ou superior a 45 minutos.
Para Dário Silva, os extras que se ganham implicam o prejuízo da vida pessoal. "Se dormimos 10 ou 12 noites a 300km de casa, com despesas de alimentação por nossa conta, o que ganhamos a mais não é tanto mais... nem todos os sítios têm cantinas onde se coma a cinco ou seis euros".
"Ganhamos mais uns cêntimos por hora, mas sai-nos do corpo porque passamos a noite acordados", acrescenta o maquinista. "Não são só rosas, exige muitos sacrifícios".
Para o Sinafe, "alguns subsídios foram feitos para que, não havendo aumentos salariais condignos, fosse atribuída mais alguma coisa". O sindicato não concorda com esta prática e defende, pelo contrário, "que alguns subsídios deviam ser integrados no ordenado base".
Segundo Américo Cardoso, advogado especialista na área do Direito do Trabalho, a prática de ao salário base se somarem prémios, abonos e subsídios, é uma prática comum em todos os setores, tanto privados como públicos.
"Há subsídios, mas com limites, não há nenhum valor sem tetos máximos", adiantou ainda o Sinafe ao SAPO24. Os dados disponibilizados pelo SNTSF mostram que as diuturnidades são recebidas por períodos de cinco anos de serviço, com um limite de seis diuturnidades. "Ao fim de 30 anos, deixa de haver aumento nesse subsídio, fica estagnado".
Foi marcada uma nova greve da CP para os dias 27 de fevereiro e 1 de março. A greve foi anunciada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Admninistração Pública (Sintap) e pelo Sinafe.
O Sinafe adiantou ao SAPO24 que a greve se baseia em reivindicações por aumentos salariais que acompanhem a inflação atual, pela não discriminação de trabalhadores dentro das empresas e pela contratação de mais trabalhadores.
O SAPO24 entrou em contacto com a CP e, até à publicação deste artigo, não foi fornecida nenhuma informação.
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel.
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