Na argumentação enviada na terça-feira ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), o executivo aponta exemplos que diz terem ocorrido no Centro Hospitalar Entre o Douro e Vouga, no Centro Hospitalar Tondela-Viseu, no Centro Hospitalar e Universitário de São João e no Centro Hospitalar e Universitário do Porto, as quatro instituições abrangidas pela requisição civil.
A requisição civil foi contestada na quinta-feira pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros Portugueses (Sindepor), uma das duas estruturas que convocaram a paralisação, através de uma intimação que foi aceite no STA e que deverá ter uma decisão nos próximos dias.
Na contestação à intimação do Sindepor, o Governo reafirma que a requisição civil foi justificada pelo desrespeito dos serviços mínimos naqueles centros hospitalares, descrevendo 51 casos concretos.
O Centro Universitário Hospitalar de São João, no Porto, é o que apresenta mais casos, com cerca de 240 operações adiadas por falta de enfermeiros, entre 31 de janeiro, dia do início da paralisação, e 7 de fevereiro, data do Conselho de Ministros que decretou os serviços mínimos.
Segue-se o Centro Hospitalar e Universitário do Porto, onde foram adiados mais de 160 atos cirúrgicos, “todos por indisponibilidade de enfermeiros”.
No Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, foram contabilizadas 38 cirurgias adiadas e no Centro Hospitalar de Tondela-Viseu é dito apenas que a greve dos enfermeiros foi “causa direta do adiamento de mais de uma dezena de cirurgias”.
O Governo elenca os serviços mínimos determinados para esta greve para concluir que “cai por terra” a argumentação da intimação do Sindepor de que os centros hospitalares teriam aproveitado para operar mais e criar situações “propositadamente” que levariam ao incumprimento do que foi determinado pelo tribunal arbitral.
Sobre casos concretos elencados pelos enfermeiros, o executivo argumenta que “grande parte” diz respeito a centros hospitalares que não estavam abrangidos pela requisição civil e outros referiam-se a situações posteriores à data do decreto.
Na resposta à intimação, o Governo considerou que as alegações do Sindepor assentam, "fundamentalmente, em suposições e efabulações, totalmente indemonstradas ou sem correspondência com a realidade", pelo que, em seu entender, não têm qualquer relevância para a discussão da pretendida ilegalidade da resolução do Conselho de Ministros e da portaria do Ministério da Saúde.
Na resposta, estruturada em três secções, o Governo refere, em primeiro lugar, que a requisição civil foi autorizada pelo Conselho de Ministros e decretada pela ministra da Saúde e que, ao invés do que pretende fazer crer o Sindepor, existe "pleno fundamento legal na ordem jurídica portuguesa".
Lembra que requisição civil correspondeu a uma medida administrativa "necessária para, em circunstâncias particularmente graves, se assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público" - em concreto, a prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos.
O Governo sustenta que se tratou de uma medida específica de reação às situações de efetivo incumprimento daqueles serviços mínimos no quadro da atual "segunda" greve cirúrgica e que não se verificam quaisquer "ilegalidades formais e materiais assacadas" pelo sindicato à resolução do Conselho de Ministros.
Por fim, o Governo alega, na resposta, que o abstrato "direito à greve" que serve de base à intimação "não merece sequer ser objeto de tutela", em função da "manifesta ilicitude com que foi e vem sendo exercido pelo requerente (Sindepor) e pelos seus representados, de forma sucessiva e continuada, há já longos meses".
O Governo diz esperar que o STA tome uma "decisão de mérito" desfavorável ao Sindepor e que, caso venha a entender o STA pela necessidade de realização de algumas diligências, designadamente a inquirição de testemunhas, indica desde já as arroladas pelo Ministério da Saúde.
São elas Fátima Menezes, Diretora Clínica do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, Helena Isabel Duarte e Pinho, Diretora Clínica do Centro Hospitalar de Tondela-Viseu, José Artur Paiva, Diretor Clínico do Centro Hospitalar Universitário de São João e José Barros, Diretor Clínico do Centro Hospitalar Universitário do Porto.
Na resposta enviada ao STA, o Governo levanta ainda duas questões prévias, a primeira sobre a alegada "ambiguidade" do pedido formulado pelo Sindepor, já que este pede que o tribunal revogue a resolução do Conselho de Ministros e da portaria do Governo e, subsidiariamente imponha ao Governo e à ministra da Saúde "a conduta negativa de se absterem de quaisquer atos de execução" da requisição civil.
Na segunda questão prévia, o Governo invoca a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial apresentada pelo Sindepor, por violar os "traços nucleares da revogação dos atos administrativos na ordem jurídica portuguesa".
O Conselho de Ministros decretou a 07 de fevereiro uma requisição civil na greve dos enfermeiros em curso desde 31 de janeiro nos blocos operatórios de quatro centros hospitalares, alegando incumprimento dos serviços mínimos.
A “greve cirúrgica” foi convocada pela Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) e pelo Sindicato Democráticos dos Enfermeiros (Sindepor) em dez centros hospitalares, até 28 de fevereiro, depois de uma paralisação idêntica de 45 dias no final de 2018.
As duas greves foram convocadas após um movimento de enfermeiros ter lançado recolhas de fundos numa plataforma ‘online’ para financiar as paralisações, conseguindo um total de 740 mil euros.
Os principais pontos de discórdia são o descongelamento das progressões na carreira e o aumento do salário base dos enfermeiros.
A requisição civil foi contestada pelo Sindepor no Supremo Tribunal Administrativo, que se deverá pronunciar nos próximos dias.
No final da semana passada, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República considerou que a greve é ilícita, um parecer que foi de imediato homologado pela ministra da Saúde, ordenando a marcação de faltas injustificadas aos enfermeiros em greve a partir de hoje.
A ASPE pediu a suspensão imediata da paralisação, mas o Sindepor vai mantê-la e o seu presidente iniciou uma greve de fome.
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