“Quando digo em África, digo noutros sítios, porque o objetivo da História é repor a verdade do acontecimento”, afirmou em entrevista à agência Lusa no Arquivo Histórico da Marinha, em Lisboa, onde se encontram milhares de documentos que têm vindo a ser desclassificados desde 2017 por um comissão criada para o efeito.
Leiria Pinto, que cumpriu comissões em Angola, na Guiné e em Timor, tem também formação superior em História.
“Para repor a verdade do acontecimento é também necessário conhecer o contexto em que ele aconteceu e como é que as pessoas viviam, porque a mentalidade hoje em dia é muito diferente”, sustentou.
“Julgo que ter desclassificado isto é positivo, a pessoa ler [o que foi escrito] por quem viveu aquilo e pensar que o contexto da época era completamente diferente”, acrescentou.
Entre os documentos que a Lusa consultou, encontram-se relatórios de comandantes, mensagens trocadas em operações militares, reportes de informação, da Marinha, do Exército, da polícia política do regime, a PIDE, escutas de rádio, bem como recortes da imprensa internacional, mas também comunicados ou panfletos de movimentos independentistas.
“Cada um sentiu aquilo. Era uma experiência, então para um jovem de vinte e poucos anos ter a responsabilidade de 80 vidas e ter de cumprir objetivos e, ao mesmo tempo, pensar que também tinha a responsabilidade dos seus homens!”, lembrou o oficial, que aos 25 anos, como primeiro tenente, foi o mais jovem comando de destacamento da Marinha.
“Não tive baixas. Trouxe todos juntos, mas se tivesse tido alguma baixa, muitas vezes havia de me interrogar”, confessou, antecipando a pergunta: “Há de perguntar ´valeu a pena´? Há quem ponha essas questões, eu não ponho porque felizmente cumpri o que me determinaram e não tive baixas, mas considero que alguns comandantes possam ter um trauma”.
Numa análise à distância, agora com 80 anos, recorda os jovens que tinha a seu cargo, com 18 e 19 anos de idade. “Só com essa idade é que se aguenta aquilo”, assumiu.
Sem telemóveis, sem internet, “sem nada”, frisou, havia duas coisas importantes: as notícias da família e a alimentação. Porque de resto, “o soldado e o marinheiro português adaptavam-se”.
“Mas era mau. Havia muita gente que não era militar, miliciano, e estar ali dois anos era muito duro, era muito duro”, reiterou.
Para ilustrar a importância do correio contou uma história passada na Guiné. Durante uma ação no Sul, um avião, um jato, foi atingido. Aquelas aeronaves só aterravam em Bissau, mas foi necessário aterrar numa pista mais próxima não adequada àquele tipo de avião.
“O piloto, com grande perícia, que eles tinham todos - na Força Aérea aquela gente era uma gente extraordinária! -, conseguiu aterrar lá. Não se sabe como”, exclamou.
Assim que o piloto conseguiu imobilizar o avião, no fim da pista, surgiu uma viatura e a primeira pergunta foi “Ó nosso alferes trouxe o correio?”.
“Isto é um bocado anedota, mas dá para ver o peso do correio no bem-estar do pessoal”, sublinhou.
Passados 45 anos sobre o fim da guerra e quase 60 sobre o início do conflito (1961-1974/75), o almirante recorda uma época que “dá para contar umas coisas aos netos”.
José Luís Leiria Pinto é licenciado em Ciências Militares com o curso de Marinha e especializado em Armas Submarinas e em Fuzileiro Especial. Além de outras formações militares, é licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Por: Ana Mendes Henriques da agência Lusa
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