"Às 23h, as tropas soviéticas, polacas, alemães orientais, búlgaras e húngaras cruzaram a fronteira checa", anunciou a AFP numa nota na madrugada de 21 de agosto de 1968. A Checoslováquia, continuou, deste modo, sob a tutela da antiga União Soviética, em cujaesfera de influência estava integrada desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

A tensão tinha se intensificado nos últimos meses entre a Checoslováquia e o então líder soviético, Leonid Brezhnev, com da chegada ao poder de um governo local reformista. O intermediador de Moscovo, Antonin Novtony, foi substituído pelo eslovaco Alexander Dubcek à frente do Partido Comunista checo (PCT) em janeiro de 1968, e pelo general Ludvik Sovoboda na Presidência da República, em março do mesmo ano.

Após as reformas iniciadas no governo de Dubcek - abolição da censura, liberdade de reunião e de associação, uma (prudente) reforma económica -, seguiu-se uma série de advertências, avisos e até mesmo ultimatos por parte da URSS.

Até que, a 21 de agosto, Moscovo e os seus aliados mobilizaram 200.000 soldados - que acabaram sendo 600.000 - e, em poucas horas, as unidades aerotransportadas e terrestres do Pacto de Varsóvia invadiram o território da Checoslováquia.

Às 4h59, a Rádio Praga anunciou que a capital e toda a república checa tinham sido ocupadas. O governo pediu aos cidadãos para manterem a calma e "não se oporem com armas às tropas estrangeiras".

Em Praga, as tropas soviéticas concentraram forças em torno de três pontos nevrálgicos: a sede do Comité Central do PCT, o Castelo de Hradcany - sede da presidência da República - e a sede da rádio.

Ao amanhecer, centenas de habitantes da capital concentraram-se em frente ao prédio da rádio, cercado de tanques. "Apenas as salvas das armas conseguiram encobrir o clamor das vaias, de insultos como 'Gestapo' e 'viva Dubeck'", relatou então o enviado especial da AFP, Jean Leclerc du Sablon.

Cerca de 100 pessoas foram mortas nos primeiros dias da operação.

Em Moscovo, a agência de notícias Tass afirmou que a intervenção militar respondia a um pedido "dos homens de Estado checoslovacos". Os historiadores estabeleceram que um deles era Vasil Bilak, um membro do Politburo do PCT.

Às primeiras horas da invasão, Dubcek e outros dirigentes foram detidos pelo Exército Vermelho. Foram levados à força para o Kremlin, a 22 de agosto, e, um dia depois, chegou uma delegação liderada por Svoboda.

Um acordo que "não foi firmado com uma pena, e sim pelas bocas dos canhões"

Acabaram sendo obrigados a assinar o "Protocolo de Moscovo", que situava a Checoslováquia sob tutela russa e ratificava a ocupação soviética.

Os acordos mantinham Dubcek no poder, mas  comprometiam-no a restabelecer o papel dirigente do partido.

Apenas um dirigente checo, Frantisek Kriegel, se recusou a assinar o documento, que, segundo disse, "não foi firmado com uma pena, e sim pelas bocas dos canhões".

A população, que não tinha acesso às informações sobre as decisões conduzidas em Moscovo, organizou uma resistência não violenta.

Rapidamente, tiraram as placas com o nome das ruas na esperança de desorientar os invasores. No campo, em cujas propriedades ondeavam bandeiras checolovacas a meio mastro, as placas foram substituídas por uma única seta: "Direção: Moscovo".

Doze rádios livres continuaram a funcionar, apesar das medidas de repressão de Moscovo.

As buzinas dos carros, as sirenes das fábricas e os sinos das igreja soavam por todo o país regularmente em apoio a Svoboda e Dubcek, cujo regresso ao país era esperada com fervor. A 27 de agosto pela manhã, a população acompanhou, exultante, o percurso que ambos fizeram entre o aeroporto e o castelo, coroado de novo pela bandeira nacional.

Um sentimento de alívio que durou muito pouco.

Num discurso dirigido à nação, o general Svoboda anunciou que a saída dos "ocupantes" estava condicionada a uma "normalização da situação".  "Será restringida momentaneamente a liberdade para permitir uma volta à normalidade", acrescentou Alexander Dubcek.

A 16 de outubro, foi assinado um acordo sobre o "posicionamento temporário das tropas soviéticas".  Destituído em abril de 1969, Dubcek foi substituído por Gustav Husak, que implementou a "normalização", no meio de julgamentos políticos.

A democracia voltaria a Praga apenas na "Revolução de Veludo", em 1989, que depôs o governo comunista do país.

Ocupação soviética fez 400 mortos

A invasão que esmagou o movimento chamado "Primavera de Praga", liderado pelo líder do Partido Comunista, o reformista Alexander Dubcek, tentou colocar "uma face humana no socialismo" através de reformas no regime totalitarista.

Mais de 400 checos e eslovacos, entre homens, mulheres e crianças, perderam a vida na sequência da ocupação soviética.

A 20 de agosto aproximadamente, o país então com uma população de 14 milhões de pessoas aproveitava uma calma noite de verão, sem desconfiar da tragédia que estava por vir.

Alguns membros do Partido Comunista e da polícia secreta em oposição a Alexander Dubcek, então Chefe de Estado e líder do partido, eram os únicos que sabiam.

Naquela noite, a TV estatal transmitiu "A River Performs Magic", uma comédia lírica sobre um idoso que encontra a juventude perdida na sua cidade natal.

O jornal do Partido Comunista, Rude Pravo, discutia mudanças no estatuto do partido e anunciava a visita do Secretário-Geral das Nações Unidas, U Thant.

Durante a noite, tudo mudou.

Dezenas de tropas soviéticas, apoiadas pelos exércitos da Bulgária, da Alemanha Oriental, Hungria e Polónia esmagaram o movimento "Primavera de Praga", que derrubara a censura e introduzira uma inédita liberdade de imprensa.

O alvorecer trouxe as primeira vítimas, 50 pessoas mortas pelos tiros e tanques das tropas no primeiro dia da invasão.

"No total, 137 pessoas morreram na Checoslováquia entre 21 de agosto e 31 de dezembro de 1968," diz Libor Svoboda, historiador do Instituto para o Estudo dos Regimes Totalitaristas, em Praga.

Quinze pessoas, a maioria jovens, morreram próximo do quartel-general da Rádio da Checoslováquia, no centro de Praga, onde uma multidão se reuniu para proteger o prédio com nada além das próprias mãos.

"A rádio transformou-se num símbolo de resistência contra a ocupação, porque continuou a transmitir informações livremente mesmo após o início da ocupação", disse Svoboda à AFP. "Muitas pessoas foram mortas a tiros aqui, outras morreram quando um tanque explodiu e o fogo  espalhou-se pelos prédios próximos".

"Cinco homens com idades entre 20 e 44 anos foram mortos de maneira brutal em frente ao prédio da rádio por um camião vazio empurrado pelos soviéticos pela rua contra a multidão, que não teve chances de escapar", lembra Svoboda. Lista ainda outras vítimas, incluindo uma jovem mãe de 26 anos com filho pequeno que "foi morta com uma metralhadora sem motivo aparente". "Dois jovens com mochila de 15 anos foram mortos por soldados que abriram fogo contra um camião em que acabavam de entrar", lembra.

Historiadores consideram 402 pessoas como número total de vítimas da ocupação soviética, que durou 20 anos.

O último soldado soviético deixou o país apenas em 1991, dois anos após a Revolução de Veludo, que derrubou o regime comunista totalitário.

"Nos anos que seguiram à invasão, muitos checos e eslovacos, além de vários turistas estrangeiros, foram vítimas de acidentes de trânsito causados pelos soldados soviéticos, que não sabiam dirigir camiões", diz Svoboda.

A última vítima das tropas soviéticas em solo checo foi um idoso reformado de 72 anos morto por um camião a 16 de novembro de 1990, um ano após a implantação da democracia no país, que acabou dividido em dois em 1993: as atuais República Checa e Eslováquia.