Chamaram-lhe estados-gerais do centro-direita, equipararam-na à Aula Magna de Mário Soares, que em 2013 juntou vários rostos da esquerda portuguesa para “Libertar Portugal da Austeridade”. Nuno Garoupa não arrisca rótulos à conferência. “Tendo em conta que o movimento que organiza não é partidário, acho que é mais uma tentativa de chamar a atenção dos partidos da direita [para o facto] de que é preciso encontrar um caminho, e daí a ideia de reunir personalidades dos vários partidos e das várias correntes da direita. Acho que posso adivinhar que uma das razões que tenha levado os organizadores a pensar nisto é o estado em que a direita se encontra que não é, neste momento, o de ameaça eleitoral ao PS e à Geringonça”, diz o economista ao SAPO24.
A 1ª Convenção pela Europa e Liberdade, promovida pelo Movimento Europa e Liberdade (MEL), quer chamar as pessoas, diz-nos Paulo Carmona. “A lógica é tentar promover o debate dentro da sociedade, tirar as pessoas do sofá e dizer 'tu aqui podes contribuir para o debate'. Estar a dizer mal disto é fácil. Nós queremos ser construtivos, abdicando dessas lógicas de esquerda-direita, que é o mesmo que andar a dizer Benfica, Sporting ou Porto. Andam todos ali um bocado a brincar, ora ganha um, ora ganha outro, mas na prática estão todos a jogar futebol. Eles que joguem o futebol deles, a guerra partidária é normal em democracia, o mais importante é que apresentem uma solução coesa e estruturada para que Portugal cresça e dê aos portugueses aquilo que eles merecem”, explica ao SAPO24 um dos organizadores.
A conferência que vai juntar nomes como José Ribeiro e Castro, Paulo Portas, Pedro Santana Lopes, Assunção Cristas, João Miguel Tavares, Sofia Afonso Ferreiras, Carlos Guimarães Pinto ou Luís Montenegro era para ter acontecido já em 2018, quando o MEL divulgou o manifesto orientador do movimento, em maio. Atrasos diversos arrastaram a realização da convenção para o primeiro mês do novo ano e com o aproximar da data veio a polémica, com vários órgão de comunicação social a apelidarem o encontro de uma espécie de reunião da direita em resposta a uma Geringonça.
"Quanto mais pessoas independentes e desalinhadas nós tivermos melhor. E de facto fazia-nos falta ter essa opinião do PSD e ficámos tristes [com a ausência de Rui Rio]"Paulo Carmona
E se no dia 4 de dezembro, no Facebook, o MEL descrevia o evento desta forma “A Convenção realiza-se no âmbito do lançamento do MEL – Movimento Europa e Liberdade, que pretende juntar numa discussão e plataforma comuns, todas as forças, ideias e tendências que têm como objetivo a construção dum horizonte de futuro para Portugal, a realização de soluções estruturantes para vencer os desafios da participação ativa de Portugal na Europa da globalização, a dignificação da imagem da política na sociedade portuguesa e a defesa da Liberdade das suas ameaças atuais”, quando entrámos no ano, ninguém olhava para a convenção como uma simples discussão sobre o futuro do país.
Dois dos três ativos socialistas - António José Seguro e Francisco Assis - que tinham o seu nome no programa recuaram. Depois soube-se que Rui Rio tinha rejeitado o convite e o rótulo de direita alternativa à Geringonça e à atual direção do PSD, com vários dos críticos habituais de Rio entre os participantes, ganhou dimensão.
Ao SAPO24, Paulo Carmona confessa que lamenta que o Partido Socialista esteja pouco representado na conferência - apenas estará por Luís Amado, antigo ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros. “A Europa e liberdade sempre foi um pouco o mote do PS. Europa foi o entusiasmo com que conduziu o processo de adesão à CEE e a liberdade... todos nos lembramos do Mário Soares na Alameda, foi o grande defensor e padrinho da liberdade. De facto, são valores que são comuns ao PS, como a outros partidos. Também teríamos pena se outros não estivessem presentes. É uma pena porque perde o debate, perde a convenção e perde o país”, diz-nos.
"Até lhes ficava um bocadinho mal estar a utilizar uma convenção para falar do PSD, haverá outros sítios mais apropriados para isso"Paulo Carmona
Sobre a rejeição do convite por parte do líder do Partido Social Democrata — que declinou participar na convenção por, nas palavras do partido, esta ser promovida por um movimento que se assume claramente como de direita e "em oposição à linha ideológica seguida pela atual direção [do PSD]", com uma agenda própria, "focados na luta partidária", opositores da atual liderança de Rui Rio e que têm dedicado grande parte da sua atuação política "à destabilização do partido" —, Paulo Carmona diz nutrir o mesmo sentimento de pena. “Causou-me alguma estranheza. Quanto mais pessoas independentes e desalinhadas nós tivermos melhor. E de facto fazia-nos falta ter essa opinião do PSD e ficámos tristes, não digo que não. Nós tínhamos-lhe dado o lugar de abertura da conferência, ao presidente do maior partido português, e ainda lá está, se à última da hora conseguir ir ou quiser indicar um representante. Fazia falta ter uma opinião oficial do PSD sobre os temas dos nossos painéis”.
No entanto, Carmona rejeita que a ausência do líder social-democrata faça disto uma espécie de comício de crítica em relação à direção de Rio. "Até lhes ficava um bocadinho mal estar a utilizar uma convenção para falar do PSD, haverá outros sítios mais apropriados para isso", confessa.
Um dos maiores desafios do MEL passou a ser o de recentrar a discussão nas ideias que possam advir da reunião que vai acontecer nos dias 10 e 11 de janeiro na Culturgest, em Lisboa, e não nos rótulos mediáticos que lhe foram atribuídos. “Nós não estamos a olhar nem para a esquerda, nem para a direita, nem estamos a olhar muito para os partidos, sendo que do total de intervenientes, que ultrapassa os 40, apenas 12 ocupam ou ocuparam cargos políticos. Estamos a olhar, sim, para as tendências ideológicas que estão em cada um dos partidos: há liberais em todo o lado, há sociais-democratas em todos os partidos, assim como democratas-cristãos. Pelo próprio nascimento do sistema democrático, os partidos acabam por ter as fronteiras esbatidas em termos ideológicos. Foi mais essa lógica de chamar todos os protagonistas possíveis, porque isso enriquece o debate”, explica Paulo Carmona.
Depois de Jorge Marrão, presidente do MEL, ter escrito na sua página de Facebook a mensagem "Apelamos a todos os que não se revejam num governo apoiado por comunistas, trotskistas, extrema-esquerda e novos oportunistas da situação a estarem presentes para se debater o futuro de Portugal de forma diferente, com mais liberdade, oportunidades e mais e melhor Europa", percebia-se quem não iria fazer parte deste debate e que moldes poderia assumir.
“Obviamente que não íamos convidar pessoas que fossem pela xenofobia ou pelo protecionismo, assim como não convidamos adeptos das Venezuelas ou de outros tipos de países anti-Europa". Está a falar do Bloco e do PCP? "Claramente, porque manifestamente não são a favor da Europa, já o declararam várias vezes e os regimes políticos que eles querem emular não são propriamente adeptos das grandes liberdades ou das amplas liberdades que nós defendemos”, diz-nos.
"Eu não gosto da palavra populismo porque não sei o que isso significa. O que se quer falar é da estabilidade do sistema partidário, porque populista no sentido de propostas demagógicas já temos, estão lá [no Parlamento] cinco partidos populistas: o PS, o PSD, o CDS, o Bloco e o PC" Nuno Garoupa
Para além da esquerda portuguesa para lá do PS, também se procurou deixar de fora partidos cuja política se manifesta por projetos como o Chega! de André Ventura. “Estamos a passar por caminhos nebulosos. E, ao não se ver muito bem o que é que vai acontecer nos próximos tempos, as pessoas ficam nervosas, ficam com medo, e os populistas têm sempre uma fórmula fácil. É tudo fácil, são soluções prontas a vestir, prontas a comer. E nós estamos a evoluir para um caminho de complexidade muito grande e que não vai lá com respostas fáceis”, considera Paulo Carmona.
Nuno Garoupa, que fará a introdução do painel “Captura de interesses, um combate permanente”, discorda. Não com os receios, mas com o termo “populismo”, preferindo olhar para as possíveis alterações de outra forma. “Eu não gosto da palavra populismo porque não sei o que isso significa. Acho que é uma palavra inventada por vários analistas que não sabem do que estão a falar. Devia-se falar da estabilidade do sistema partidário, porque populista, no sentido de propostas demagógicas, já temos, estão lá [no Parlamento] cinco partidos populistas: o PS, o PSD, o CDS, o Bloco e o PC. São partidos demagógicos há 20 anos. A questão é se esses cinco partidos vão ou não manter o monopólio da representação política. Nas últimas eleições nós vimos que a única diferença foi a entrada de um deputado do PAN, agora vamos ver na próxima legislatura se entram mais deputados de outros partidos e mais deputados do PAN. Acho que essa é que é a questão em aberto”.
A entrada de novos intervenientes relembra-nos os partidos liberais que se vão estrear em atos eleitorais este ano. Na conferência vão participar o líder da Iniciativa Liberal, Carlos Guimarães Pinto, e Sofia Afonso Ferreira, presidente do movimento liberal Democracia 21. Por serem novos, para Nuno Garoupa, têm uma vantagem: “são partidos pequenos, coesos e sem telhados de vidro, ao contrário do PSD e do CDS que, como é evidente, têm imensos telhados de vidro. E, nesse aspeto, penso que estão muito mais à vontade para participar em eventos deste tipo do que estão os partidos tradicionais, uma vez que estes têm um problema: sobre tudo aquilo que se vai discutir na conferência e que não foi feito é evidente que o PSD e CDS têm muita responsabilidade, enquanto os outros partidos que lá estão, a Iniciativa Liberal, o Aliança, a Democracia 21, não têm qualquer responsabilidade no caso de as coisas não terem sido feitas”.
“Há democracia para além dos partidos”
Em vésperas de conferência, à data destas conversas, já todas as controvérsias aqui enunciadas tinham voado da cabeça dos organizadores, concentrados no desafio de dar resposta a um evento que excedeu as suas expectativas. Há muitas pessoas por acomodar, e, por isso, Paulo Carmona deixa o apelo a que todos cheguem o mais cedo possível, de forma a facilitar a organização no espaço.
Para além do Tetris inevitável das cadeiras, no MEL fazem-se ainda figas para o efeito surpresa de Marcelo Rebelo de Sousa. É certo que o Presidente da República, devido a questões de agenda, não vai poder marcar presença na conferência, mas há quem não tenha perdido a esperança de que Marcelo possa enviar uma mensagem em vídeo para ser exibida no último dia.
No final, sobra uma pergunta: Porque surge o MEL? “O Movimento Europa e Liberdade só tem razão de existir porque as posições partidárias não têm tratado a questão da Europa e da sua articulação com os sistemas político e económico nacionais de um modo que se liberte dos padrões partidários tradicionais, que persistem na ideia de que não se está na vizinhança de uma crise de grande intensidade na escala mundial. Não se enfrentam e não se denunciam os perigos da fragmentação da Europa e do ressurgimento dos nacionalismos populistas e xenófobos, que aparecem como formas políticas novas, mas que, de facto, estão a retomar as correntes políticas que geraram a última guerra mundial. Estas são as questões centrais para as quais as disputas partidárias só são relevantes porque desviam a atenção do que é essencial — até que também os protagonistas partidários reconheçam que só conseguirão resolver as questões partidárias quando se dispuserem a tratar as questões essenciais”, diz Joaquim Aguiar, membro da administração do grupo Mello e do movimento, ao SAPO24.
Por isso é que isto é um “evento da sociedade civil”, diz Paulo Carmona. “A maioria dos 43 convidados são de facto pessoas que nunca desempenharam um cargo político em Portugal, e é exatamente isso que nós queremos fazer: queremos correr um movimento de pessoas que não se revê nos partidos, mas que não rejeita os partidos. Nem nunca nos passaria pela cabeça, nem nunca acontecerá o MEL transformar-se em qualquer partido político ou ter qualquer atividade política para além do apoio que nós podemos dar aos partidos e discutir muitas vezes temas que os próprios partidos não gostam ou não querem discutir. Como por exemplo a Segurança Social”, explica o membro do movimento. “Há uma situação de preocupação com o país. Não é de agora, é de há bastante tempo. Há 20 anos que estamos sem crescimento e de facto estamos a ser ultrapassados”, lamenta Carmona.
Assim, Joaquim Aguiar espera que nestes dois dias se possa refletir sobre a Europa no contexto do desmantelamento da ordem mundial que tem estado em vigor nas últimas sete décadas. “Sem essa ordem mundial de enquadramento, quais são as responsabilidades dos Estados que integram a União Europeia e, em especial, que integram a Zona Euro? Se a conferência enfrentar esta questão – e colocá-la já implica inovar em relação ao discurso político corrente, que persiste em ignorar o que já é evidente – terá contribuído para clarificar um outro ponto: não há democracia pluralista sem partidos, mas os partidos não esgotam a democracia pluralista, há democracia para além dos partidos”, sentencia.
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