No que respeita a ataques contra imigrantes, assiste-se a “uma periodicidade a que não estávamos habituados”, o que “significa que há, de facto, um crescendo de antipatia ou de antagonismo para com algumas minorias étnicas, sejam migrantes ou sejam nacionais com cor da pele distinta do português imaginado como branco”, afirmou à Lusa Pedro Góis, docente da Universidade de Coimbra e recém-indicado para diretor científico do Observatório das Migrações.
Para o investigador, este sentimento tem consequências na “coesão social coletiva” do país e alerta para a necessidade de um discurso de inclusão e de uma reação forte contra “atos de exclusão e de negação da daquilo que é um Portugal multicultural que é o Portugal do futuro”.
Como tal, as ações devem “começar na escola e integrar nos currículos escolares esta necessidade de lidar com a diferença que hoje está no interior do país”.
Mas também é necessário “debater no espaço público para que haja este alerta de que esta população que entretanto chegou veio para ficar e devemos habituar-nos a ela como os outros europeus se habituaram aos portugueses quando eles começaram a emigrar”.
A mesma comparação faz João Carvalho, investigador do ISCTE, especialista em migrações, mobilidade e etnicidade.
“Temos de procurar fazer paralelismos com a nossa comunidade emigrante no estrangeiro”, quando se aborda este tipo de ataques.
“Imaginemos se dois cidadãos portugueses fossem esfaqueados em França ou Inglaterra num evento semelhante. Qual seria a reação da sociedade portuguesa?”, questionou, recordando que “Portugal é o país da União Europeia com maior comunidade emigrante em relação ao tamanho do país”.
A Polícia Judiciária (PJ) deteve na quinta-feira o suspeito de dois crimes de tentativa de homicídio e dois crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, ocorridos na madrugada de segunda-feira contra dois imigrantes no Porto.
Nos últimos meses, a baixa do Porto tem sido palco de vários distúrbios e crimes de ódio, o que, segundo fonte da PSP, levou a um reforço de vigilância policial nas zonas consideradas mais críticas.
Para João Carvalho, é necessário “não disseminar visões que não têm veracidade”, como as que relacionam os imigrantes com dependência da Segurança Social ou com aumento de criminalidade.
Sem imigrantes, “Portugal seria um país muito mais pobre”, afirmou, acusando algumas forças políticas, em particular o Chega, de estarem a “criar uma divisão da sociedade” por causa da imigração.
Ora, segundo o Eurobarómetro, os imigrantes não têm relevo entre as principais preocupações dos portugueses, explicou.
“O Chega foi o partido mais votado no Algarve, mas a imigração não foi considerada uma das principais preocupações a nível regional”, ao contrário de distritos como Leiria ou Lisboa, exemplificou João Carvalho.
E o mesmo se passa no Porto, onde têm decorrido mais ataques. “O Porto também não é um local onde a imigração seja vista como a prioridade”, o que mostra que “não há uma relação direta entre a concentração de imigrantes e a verificação de ataques”.
Apesar disso, este tipo de ataques é “um bocado ímpar na história portuguesa” e mostra que “existe um discurso anti-imigração, que está a ser propagado nas notícias e reproduzido pelos meios de comunicação social”, que contamina a sociedade.
“Este discurso pode vir a legitimar pessoas mais extremistas dentro da sociedade para praticar atos extremistas”, sentindo-se “justificados pelas declarações que encontram nas notícias de que as suas preocupações são as reais e que devem fazer algo relativamente a isso”, explicou o investigador do ISCTE.
“A comunicação social tem uma grande responsabilidade”
Na sequência dos ataques, houve “meios de comunicação tradicionais que repetiram a potencial relação entre criminalidade e as taxas de imigração sem indicar em um único dado estatístico para comprovar”, exemplificou João Carvalho.
Pedro Góis também critica o papel dos media: “A comunicação social tem uma grande responsabilidade”, disse, defendendo que “é necessário humanizar os migrantes”.
“Os imigrantes não são trabalhadores apenas, são pessoas que devem ser tratadas com a mesma dignidade com que nós todos gostamos de ser tratados”, resumiu.
Por outro lado, salientou o docente da Universidade de Coimbra, o país deve deixar de estar focado nas campanhas de regularização e apostar numa “integração de longo prazo”.
“Também me parece que as agências que lidam com estas questões têm que estar mais atuantes, eventualmente dando mais formação às autoridades a comunicando melhor a lei, para que ela possa ser implementada”, procurando “fazer muito rapidamente uma forma de interiorização da diferença”, acrescentou ainda Pedro Góis.
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