“Luz, câmara, ação, vamos começar a revolução”, foi assim que Flávio Almada deu início ao encontro hoje organizado pelo Vida Justa, depois de “acordar” as pessoas presentes com um dos lemas do movimento, “Estamos juntos, estamos fortes”.
Após introduções aos vários temas em foco, a discussão dividiu-se em seis grupos de trabalho diferentes, onde as pessoas puderam partilhar as suas próprias histórias.
Com o objetivo de chegar ao fim do dia com um plano com prioridades de ação, para depois fazer “um trabalho com uma escala muito maior”, todos os grupos sublinharam a importância de trabalhar em conjunto e de reivindicar em coletivo.
Tendo presente a história recente de Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano residente no bairro do Zambujal (Amadora) morto há um mês por um agente policial na Cova da Moura, a violência policial foi um dos temas que gerou uma discussão mais acesa, com partilha de experiências concretas.
O fim das Zonas Urbanas Sensíveis, que “criminalizam as populações dos bairros”, foi uma das reivindicações do grupo, que acusou a polícia de agir como “braço armado do Estado” nos bairros.
“Uma pessoa racializada é sempre suspeita. Ser preto é motivo para ser revistado”, resumiu uma das participantes do grupo, que sublinhou o caráter estrutural do racismo e lembrou ainda a prevalência de pessoas racializadas entre a população prisional.
O grupo exigiu ainda a demissão da ministra da Administração Interna e a constituição de uma entidade “verdadeiramente independente”, em substituição da Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI).
“Infelizmente o Odair não foi o único”, recordaram, mencionando todas as vítimas de violência policial no passado, que de manhã foram lembradas com um minuto de silêncio.
“Violência policial é herança colonial”, respondeu a plateia, acrescentando: “Não perdoamos e não esquecemos.”
A habitação foi o tema que gerou reações do público logo de manhã, mesmo antes dos grupos de trabalho, com pessoas a relatarem casos de despejo em Monte Abraão (Sintra), Talude (Loures), Penajoia (Almada).
“É injusto, desumano, revoltante”, disse uma moradora no Bairro 1.º de Maio, frisando que a população só quer legalizar as suas habitações e pagar uma renda. “O bairro é nosso”, reclamou.
O risco de despejo e, com ele, a ameaça de retirada de crianças, por alegada falta de condições para as criar, ganharam um rosto concreto, em muitos dos relatos partilhados.
O trabalho nos bairros é geralmente sinónimo de baixos salários, precariedade, exploração, o que levou os participantes na assembleia a sonharem com “uma greve de migrantes”, conscientes da dificuldade de a pôr em prática pelo impacto que teria na vida destas pessoas. “Se os imigrantes deixassem de trabalhar, Lisboa parava”, antecipou uma participante.
Reforçar a informação sobre os direitos dos migrantes e promover a sua participação política foram algumas das conclusões do grupo da imigração, no qual se apelou para a união, em vez de se embarcar em divisões.
Priscila Valadão, do Vida Justa, frisou que “o povo português hoje tem muitas origens” e que “ilegal é o discurso de ódio”.
Para tudo isto, a solução está no “poder popular” e no seu exercício. “Nós somos o lado mais forte”, reivindicou um dos participantes, exigindo o diálogo prévio com os moradores antes de serem implementados quaisquer projetos.
Flávio Almada, um dos porta-vozes do Vida Justa, qualificou a assembleia como “um dia histórico” para a construção de “um espaço e uma frente de luta comuns”.
Na assembleia participam representantes de vários bairros dos distritos de Lisboa e Setúbal e ainda de outros concelhos, como Abrantes e Tomar.
“Estamos a construir o poder popular, vamos multiplicar”, garantiu Flávio Almada.
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