Questionada sobre o problema das ocupações ilegais, Filipa Roseta, vereadora da Câmara Municipal de Lisboa (CML) pelo PSD, disse ao SAPO24 que existem muitos casos em Lisboa. "Havia qualquer coisa como 800 ocupações ilegais das casas da câmara quando entrámos no executivo. Foi uma das coisas que me surpreendeu mais, na verdade, porque não estava à espera disto, e não é comum no país. Não há outro município com uma situação deste género, o Porto não tem isto", começa por explicar.
"Deixou-se ganhar uma escala muito grande, e tem sido uma das grandes dificuldades que temos na política de habitação", acrescenta a vereadora. "As pessoas não podem ocupar casas da câmara que são entregues a famílias carenciadas. No fundo, saltam à frente de pessoas com mais necessidades. A câmara tem uma grelha de carências, tem a ver com os rendimentos, com a saúde, tem a ver se tem filhos ou se não tem, se tem idosos a cargo ou se não tem, e as pessoas passam por essas grelhas. Quem tem uma pontuação muito alta, tem uma casa. Se alguém ocupa a casa à frente daquela família está a saltar à frente de uma pessoa carenciada", conclui.
Segundo informação dada pela Autarquia ao SAPO24, houve uma redução das ocupações ilegais, mas ainda não se fez uma contabilização certa. É explicado que este é um processo que requer "algum sigilo" e "atenção à situação das pessoas".
A forma de lidar com o problema foi tentar estancar o fenómeno e impor uma grande disciplina de "isto não volta a acontecer". Além disso, a câmara está "a varrer para trás tudo o que se está a passar, e quem é que fez isto, se são famílias carenciadas, não são... Portanto, encarar isto também com alguma humanidade", diz Filipa Roseta.
Em abril do ano passado, cerca de duas dezenas de pessoas concentraram-se em frente à CML a protestar contra o despejo de cinco famílias, que ocupavam habitações municipais no bairro Carlos Botelho, na zona das Olaias. A ação de protesto foi promovida pela associação Habita, e decorreu uma semana depois dessas cinco famílias, com 10 crianças, que residiam em casas da câmara no bairro Carlos Botelho, terem sido alvo de um despejo por parte da empresa municipal Gebalis.
Já nessa altura, Filipa Roseta havia dito que, das cinco famílias despejadas, três tinham candidaturas em curso para atribuição de casa, mas sem pontuação suficiente, pelo que a ocupação abusiva é "passar à frente" das cerca de 6.000 pessoas que estavam à espera de habitação.
"Eu tenho tido um discurso bastante claro contra, que é para não haver dúvidas que isso não é um caminho justo", sublinha Filipa Roseta ao SAPO24. "Entendemos o drama das famílias, e tentamos ajudar de várias maneiras, nomeadamente através do apoio à renda. As famílias que já têm um grau de rendimentos que não dá para ter uma casa da câmara, podem candidatar-se ao apoio à renda, que é o passo a seguir", reforça. "Não têm que ocupar casas que são para pessoas mais pobres".
No que toca às medidas apresentadas pelo Governo, Filipa Roseta defende que "partindo do princípio de que no pacote [Mais Habitação] os municípios supostamente teriam que executar muito, não houve nenhuma conversa com os mesmos para tentar perceber como é que isto ia ser feito". Sublinhou, no dia anterior à aprovação do programa do Governo no Parlamento, apenas com o voto favorável do PS, aquilo que a própria CML já havia criticado: "o afastamento do Governo dos municípios e o menosprezo pela sua sua autonomia local".
"Nós gostávamos de trabalhar mais em parceria neste âmbito das suas alterações, e ouvindo mais as câmaras, ouvindo mais os municípios", reforça a vereadora ao SAPO24.
Sobre as medidas do Programa Mais Habitação, Filipa Roseta acredita que "há algumas que podem ser interessantes, mas há outras que vão tirar tempo e que vão tirar oportunidade de fazer aquilo que é o desígnio nacional, que é executar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)", garantindo que está a ser feito "um esforço enorme" nesse sentido.
É o caso da medida do arrendamento coercivo, que tem sido muito discutida, e que, para a vereadora, "é uma coisa que vai trazer muito mais problemas do que soluções", numa altura em que não se pode "estar a dispersar para outras coisas que nem sequer vão dar soluções".
"Quando chegámos, tínhamos cerca de 2000 habitações vazias. E temos estado com o pé no acelerador para pôr estas casas cá fora para as famílias."
Carlos Moedas defendeu que não se pode pedir às pessoas que aluguem as suas casas, se a própria câmara tem casas vazias. Também Filipa Roseta acredita que a CML, como "maior proprietária do país de habitação", tem de estabelecer essa prioridade. "Quando chegámos, tínhamos cerca de 2000 habitações vazias. E temos estado com o pé no acelerador para pôr estas casas cá fora para as famílias".
Ao invés de investir tempo e energia em medidas como a do arrendamento coercivo, defende que precisam de continuar a investir no que já têm feito. "Nós estamos a fazer muito, ainda por cima, essa é que é a questão", diz a vereadora. "Nós estamos a fazer muito, e é isso que pedimos. Deixem-nos trabalhar, deixem-nos fazer aquilo que estamos a fazer, e que é preciso fazer".
Filipa Roseta explica que a ação da CML tem-se focado em três frentes, sendo que estão "a trabalhar em todas": Mais habitação, Mais acesso e Mais cidade. E acredita que só este pacote inteiro "é que consegue ter um sistema de habitação pleno e a trabalhar a fundo. Não é só um bocadinho, não é só uma parte".
Ao nível da primeira frente, Mais habitação, "que é mesmo produzir mais casas", uma das prioridades é fazer obras nas casas vazias, e pô-las cá para fora, o que, de acordo com a vereadora, já está a acontecer. Por outro lado, aproveitar o PRR para "lançar todos os concursos de construção dos edifícios" que a câmara quer fazer nos seus terrenos com capacidade habitacional.
Na segunda frente, Mais acesso, "apoiando fortemente o arrendamento". A vereadora diz que, "porque construir casas demora tempo", foi feito um enorme esforço para investir no apoio ao arrendamento, por ser mais rápido e imediato. "Isto, na verdade, é um incentivo às tais casas vazias privadas. Portanto, estamos a atuar nas [casas] vazias públicas, reabilitando e fazendo edifícios, e estamos a atuar nas privadas, criando apoio ao arrendamento, para dinamizar o próprio mercado privado".
A última frente, Mais cidade, passa, nomeadamente, por mapear as zonas mais pobres. "Identificámos na cidade mais de 30 zonas que consideramos que são esquecidas, ficaram para trás. E a nossa ideia também é investir nessas zonas", aumentando a oferta porque, desta forma, "as pessoas vão querer ir para lá".
Filipa Roseta diz que, nesta última frente, ainda vão ser reabilitadas algumas zonas da cidade e identificados terrenos para lançar projetos de cooperativas. Dois desses concursos já estão na rua, um no Lumiar e outro em Benfica. "Já estamos a preparar o terceiro e estamos a tentar que todos os pequeninos terrenos que a câmara tem no meio da cidade, e que possam ter edifícios pequenos, entre 20 a 30 pessoas no máximo, sejam entregues neste formato de cooperativa".
"Não conseguimos aumentar o número de frentes que já temos"
Para a vereadora, as cooperativas não são apenas uma solução para as famílias - a Autarquia cede o terreno a 90 anos, e as pessoas pagam a construção, ficando "com casas muito mais baratas do que se as comprassem no mercado - mas também para a própria Autarquia. "Nós não conseguimos aumentar o número de frentes que já temos. É uma maneira de as aumentar passando para os grupos de famílias a responsabilidade da construção", explica.
Bernardo Fernandes, membro da Rizoma, cooperativa multissectorial que ambiciona enveredar pela habitação colaborativa, criticou o facto de a comunidade não ter participação no momento chave de definir espaços comuns e tipologias de habitação". Vattani Saray-Delabar, também membro da Rizoma, elogia, em contraste, os bons exemplos na Dinamarca, Suíça, França e Espanha, em que funcionam "os que tiveram alguma participação das pessoas e que misturam vários meios sociais e todas as idades".
Apesar de o movimento pela habitação colaborativa estar a crescer "a reboque" da crise da habitação, Vattani acredita que este modelo é também "outra forma de estar em sociedade", que assenta no coletivo, nos laços sociais e numa resposta solidária aos problemas. Neste quadro, no entender de Bernardo, “a ideia de envolvimento e participação deve ser o ponto de partida e não surgir apenas no fim, para retoques finais”. Saudando a intenção da autarquia, ressalva que tem de haver um diálogo sério.
Filipa Roseta diz, ao SAPO24, que acredita "muito que esse modelo vai funcionar". Ainda assim, acrescenta: "vamos ver, porque é um modelo que desapareceu muito durante estes últimos 10 anos, e que nós estamos a tentar reinventar. Vamos ver se funciona, agora nestas primeiras que já lançámos, se conseguimos de facto ter gente interessada e com capacidade de investimento, e com energia para fazer isto", conclui.
Para a vereadora, o conceito de cooperativa também é uma forma de dar resposta aos jovens. "Achamos que esta tipologia se adequa muito a casais jovens, jovens que estão a trabalhar os dois, já têm algum salário, já conseguiram poupar alguma coisa, e só pagam o valor da construção. É uma tipologia muito mais adequada a casais jovens do que a pessoas mais velhas", visto estarem a investir "num projeto a 90 anos", em que fazem "um esforço de, durante dois anos, construir aquele empreendimento, mas ficam com uma casa para a vida".
Tal como em Portugal, a crise habitacional em Espanha afeta maioritariamente os mais jovens. O Governo espanhol anunciou que vai facilitar o acesso a crédito bancário para comprar casa, sendo que jovens com idades até 35 anos, que comprem a primeira casa, e que tenham um rendimento anual inferior a €37.800, podem aceder a vales que podem ir até 20% do valor do empréstimo.
Questionada sobre se os jovens portugueses podem contar com alguma medida semelhante, Filipa Roseta explica que, ao nível da câmara, uma das primeiras propostas que fizeram foi a isenção de IMT para os jovens até aos 35 anos na compra de casas até 250 mil euros.
Esta medida foi chumbada por ser considerada "socialmente injusta". O vereador do PCP, João Ferreira, por exemplo, considerou, à margem desta discussão em março, que existe "uma esmagadora maioria que não tem dinheiro" para comprar casa em Lisboa, e que a isenção do IMT representa "2,57% do valor do preço" de uma casa até 250 mil euros, pelo que esse benefício não interfere na decisão dos jovens que têm capacidade financeira. Também Rui Franco, do Cidadãos Por Lisboa, considerou que é uma ideia que responde a um grupo com rendimentos superiores. Ricardo Moreira, vereador do BE, por sua vez, frisou que a maioria dos jovens ganha menos de 1.000 euros e indicou que "é uma medida contra 97% dos jovens", e Patrícia Gonçalves, vereadora do Livre, reforçou que "estas medidas não são para todos".
Relativamente à Gebalis, a empresa municipal que gere as casas da câmara, Filipa Roseta diz que a existência de tantas casas vazias aconteceu porque a empresa não tinha dinheiro para fazer aquelas obras. "A nossa decisão, mesmo antes do PRR, foi passar para lá o máximo de dinheiro possível para terem dinheiro para fazer aquelas obras. E são obras curtas, são pequenas. Em cada casa destas, que estava vazia - que são casas que existem, saiu uma família e ficou vazia - era qualquer coisa como 20.000 euros para pintar, reparar janelas, reparar cozinha, fazer obras e entregar a outra família. Ter tantas casas nesta circunstância é demasiado, não pode ser", defende a vereadora, remetendo para a decisão de investir 42 milhões de euros na Gebalis.
Desses, 17 milhões destinam-se a reabilitar "só" casas vazias, que precisam de "uma pintura rápida ou portas", por exemplo, e os restantes serão "para fazer obras nos bairros, pinturas, elevadores ou retirar amianto de coberturas", de acordo com a vereadora.
Porém, a “carência” de reabilitação ultrapassa os 100 milhões de euros, para cerca de 8.000 habitações que precisam de ser “rapidamente intervencionadas” com “pequenas obras”, especifica, acrescentando que o universo de fogos que necessitam de algum tipo de requalificação ronda os 13 mil.
Por isso, a autarquia pediu para incluir os bairros municipais na Estratégia Local de Habitação de Lisboa (ELH), aprovada em 2019, o que permitirá "ir buscar também ao PRR algum apoio para este esforço de reabilitação", até porque o orçamento da câmara não dá para tudo. “Se conseguirmos alguma coisa com o PRR, vamos conseguir chegar a muitas famílias de uma maneira muito mais rápida”, assinalou.
Lisboa tem “casas e pessoas a viverem em habitação indigna” em bairros municipais, disse a vereadora aquando de uma entrevista da Lusa. É o caso do Bairro Municipal Carlos Botelho - ainda conhecido como Bairro Branco por quem lá mora -, onde os moradores se queixam da falta de comunidade, de espaços, seja um campo de futebol, lojas ou locais de convívio, e onde reina a descrença. “O que nós sentimos, como moradores, é que este bairro está abandonado, completamente”, disse Filipa Valente, voluntária da associação de moradores. “Está cada um por si e Deus por todos”
“As obras cabiam à Gebalis, à câmara Municipal de Lisboa. (…) Em mais de 20 anos que o bairro tem, nunca foram feitas, praticamente, obras de reabilitação (…). Ainda temos neste bairro coberturas de fibrocimento”, denunciou Nuno Santos, presidente da associação de moradores, constatando que “todo o edificado está em muito mau estado de conservação”.
É também o caso da Quinta do Lavrado, bairro no centro de Lisboa onde moradores foram realojados no início do século, e agora queixam-se que ali tudo falta e pouco funciona - desde portas arrombadas, elevadores parados e campainhas arrancadas, a quadros elétricos ao alcance de crianças, falta de iluminação e poças de água nos corredores e escadas dos prédios.
"Deixaram-nos aqui num buraco", diz Adelino Miguéis, nascido e criado na Curraleira, há 47 anos, que reconhece que o Programa Especial de Realojamento (PER), criado há 30 anos para erradicar as barracas das zonas metropolitanas de Lisboa e Porto, lhe deu a hipótese de mudar para uma casa melhor, mas que sublinha que o bairro "já está a ficar muito degradado" e que a manutenção das casas tem sido "zero".
Filipa Roseta, na entrevista à Lusa, referiu que a "megaoperação de reabilitação" dos bairros municipais chega a "muitos" que nunca foram intervencionados desde que foram erguidos, na maioria, com o PER. Segundo dados oficiais, mais de 8.500 famílias foram, nessa altura, realojadas em bairros municipais, e desde então muitos não tiveram nenhuma operação de manutenção. “Os edifícios não têm reabilitação, muitos, há 40, 30 anos, desde que foram feitos”
“Este ano vão arrancar 11 obras, porque já estavam no nosso orçamento”, disse Filipa Roseta, acrescentando que serão gastos 23 milhões de euros. Segundo a câmara, os concursos já foram lançados e as primeiras obras arrancarão ainda em maio, nos bairros Padre Cruz e Alfinetes. As restantes obras começarão entre junho e setembro.
"Queremos que esses bairros segregados do passado se integrem na cidade"
Se se continuarem "a produzir casas, mas há partes da cidade que ficam para trás", as assimetrias continuam - quando o objetivo é reduzi-las, diz a vereadora ao SAPO24. "Nós queremos uma cidade integrada, em que os edifícios estão integrados na cidade, não nos antigos bairros segregados, e queremos que esses bairros segregados do passado se integrem na cidade", explica a vereadora. "E as pessoas já não vão passar por lá e dizer: olha, isto é um bairro municipal".
Filipa Roseta diz que existem 66 bairros em Lisboa, e que muitos - mas não todos - já estão integrados na cidade. "As pessoas passam e não sabem que aquele edifício é municipal, e é esse o objetivo, conseguir integrar a nossa habitação num sistema municipal de habitação inclusivo, onde não se vê onde está o privado e onde está o misto. Quando saio à rua, deixo de perceber essas diferenças".
"Não é só o programa de obras públicas, é um sistema municipal de habitação completo, que trabalha não só pelo público, mas também pelo privado, e criando um sistema misto em que o público põe o terreno e o privado constrói. Nós acreditamos nesse sistema completo", explica Filipa Roseta ao SAPO24. "Não é só fazer obras públicas e só edifícios públicos. É um sistema municipal de habitação tripartido: público, privado e misto", porque "se for só a câmara a fazer obras públicas, não vai tão longe".
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel
*Com Lusa
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