A seleção feminina de futebol participa, pela primeira vez, na fase final do Campeonato do Mundo de Futebol Feminino que decorre na Austrália/Nova Zelândia. A equipa nacional integra o grupo E, onde se encontram também as seleções dos Países Baixos, dos Estados Unidos da América e do Vietname.
Esta presença representa mais um passo em frente no futebol feminino português, mas, em Portugal, há ainda um longo caminho pela frente. Maria Magalhães, advogada e investigadora, licenciada em Direito pela Universidade Lusíada do Porto, com Pós-Graduação em Direito e Finanças no Desporto Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestre em Direito Desportivo pela Universidade de Lleida, escolheu precisamente este tema para abordar na sua tese intitulada “A igualdade de género no futebol português: uma proposta de contrato coletivo para o futebol profissional feminino”.
No trabalho que desenvolveu, a investigadora do Porto encontrou falta de assinaturas de acordos para o pagamento de salários, que acabam disfarçados de subsídios e alojamento, refeições ou viagem. E contratos celebrados como sendo prestação de serviços. Em entrevista ao SAPO24, Maria Magalhães considera que o facto de a Liga Portuguesa de Futebol Feminino não ser profissional ajuda a criar estes e outros problemas.
"Estamos a falar da liga que é o representante máximo do futebol feminino, mas é uma liga que não é profissional. Com isto, alguns clubes têm contratos profissionais com todas as suas atletas, sob o regime jurídico do praticante desportivo e a Convenção Coletiva para os jogadores, com a especificidade naturalmente do futebol feminino, e o Código de Trabalho", começou por explicar.
"Mas, depois temos partes das equipas que competem na Liga BPI com jogadoras amadoras, sendo assim, têm um contrato de prestação de serviços (vulgo recibos verdes) ou eventualmente têm ajudas de custo. Isto significa que são trabalhadoras não por conta de outro, mas sim, vamos lhes chamar, independentes, ou seja ficam reféns do contrato de prestação de serviços. Com recibos verdes não há direitos - há direito à remuneração, mas não há mais do que isto - não há direito a férias, subsídios e pior ainda, é-lhes negado a licença de maternidade e o direito à amamentação", acrescentou Maria Magalhães.
"E ainda há mais. Existem jogadoras que nem contratos de prestação de serviço têm. Apenas uns acordos para o pagamento de ajudas de custo no que diz respeito à alimentação, alojamento, alguns prémios e assim críamos a precariedade e a desigualdade, que acaba também por se refletir na própria competição", afirma Maria Magalhães.
"Todos devem ter o mesmo regime, apesar de no futebol haver as especificidades próprias do que é este desporto. É diferente do que é um trabalhador normal, mas deve-se adequar, ou seja, estamos a falar de uma proposta de convenção, que é sempre uma negociação entre as partes", disse Maria Magalhães.
Prestadoras de serviço, sem contrato, sem férias e outros direitos
Carla Couto, antiga jogadora de futebol, é um bom espelho desta situação. Ao SAPO24, Carla revelou que nunca teve "salário no futebol, tive ajudas de custo, mas nunca tive um contrato de trabalho. As únicas vezes que vivi do futebol foi quando fui jogar para a China e para Itália".
Também ao SAPO24, há uns meses, o presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista dizia o mesmo: "Chegámos a uma encruzilhada: por um lado as organizações dizem que querem promover o futebol feminino, por outro não acompanham aquilo que são as condições mínimas necessárias para as mulheres poderem escolher como profissão jogar futebol".
A diferença salarial entre os jogadores masculinos e femininos ainda continua a ser um tópico em destaque. Para Maria Magalhães "as diferenças salariais são mesmo muito grandes, mas eu acho que a preocupação das jogadoras não se prende apenas por esse fator. Prende-se mais pela precariedade dos contratos. Pela impossibilidade de poderem aceder em exclusivo à prática deste desporto".
Uma das diferenças entre o futebol masculino e o futebol feminino encontra-se bem patente na proteção às mulheres grávidas que são profissionais deste desporto. A lei portuguesa protege as trabalhadoras grávidas e prevê uma licença de maternidade sem perda de emprego ou salário, garantindo estabilidade desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Os tribunais compreendem que este direito se estende aos contratos a prazo fixo, que é o caso dos contratos desportivos (mínimo uma época desportiva, máximo cinco épocas). No entanto, as experiências reais podem variar. Há inúmeras situações de atletas que tiveram os seus contratos rescindidos após o anúncio da sua gravidez, durante a gravidez, bem como a não renovação dos seus contratos. Desta forma, as jogadoras, que quase não têm garantias formais, acabam por ter um fator agravante adicional e uma fonte de insegurança com a questão da gravidez, exemplificou Maria Magalhães.
"O facto de se propor cinco meses [de licença de maternidade] não significa que não possam ser menos", começa por explicar em relação a este problema Maria Magalhães. "Depende muito da condição física da atleta. Uma atleta tem uma outra preparação física que uma mãe normal não tem".
Com esta tese, Maria Magalhães pretende a assinatura dos CCTs, um passo importante para serem criadas condições estruturais para salvaguardar os direitos das jogadoras da mesma forma, e serem estabelecidas um conjunto de regras que tratariam dos aspetos específicos das relações laborais no futebol feminino, quer individuais quer coletivas, criadas por um acordo escrito entre a FPF e a SJPF aplicável a todos os clubes/SADs, que manteria todas as garantias e direitos do futebol, mas que visaria regular algumas questões específicas, conseguindo assim a regulamentação do futebol feminino em Portugal e, consequentemente, a igualdade e a não discriminação com base no sexo.
Recolha de informação e redação por David Pacheco com edição de Ana Maria Pimentel
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