Depois da eleição mais consensual de sempre de uma Presidente do Parlamento Europeu, os mesmos eurodeputados preparam-se para votar a eleição da única  candidata à presidência da Comissão Europeia, a repetente Ursula von der Leyen. Porém ao contrário do consenso no plenário em relação à presidente eleita do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, a ainda presidente da Comissão não reune o apoio generalizado, estando a sua reeleição nas mãos do grupo dos Verdes e alguns Conservadores (ECR).

Durante as últimas semanas von der Leyen tem-se reunido com os diferentes grupos políticos para procurar apoios e até António Costa apareceu em Estrasburgo para mostrar solidariedade.

A presidente da Comissão Europeia (CE) precisa de pelo menos 361 eurodeputados para ser eleita, isto assumindo que não existem faltas no plenário (a maioria final só se conhece no dia). Além disso, as três bancadas predispostas a apoiá-la valem 401 eurodeputados (Renew, S&D e PPE).

Como é feita a Eleição da Presidente da Comissão Europeia?

De acordo com o artigo 14.º do Tratado da União Europeia, ao Parlamento Europeu «compete-lhe eleger o presidente da Comissão». Na prática, e com base no Regimento do Parlamento Europeu, o candidato proposto pelo Conselho Europeu, neste caso Ursula von der Leyen, deve apresentar ao Parlamento as suas orientações políticas, seguidas de um debate. Em seguida, o Parlamento elege o presidente da Comissão por maioria dos deputados que o compõem — ou seja, 361, num Parlamento composto por 720 deputados. Se o candidato não obtiver a maioria exigida, o presidente convidará o Conselho Europeu a apresentar outro nome no prazo de um mês, para uma eleição seguindo o mesmo procedimento.

Como são nomeados os Comissários?

O presidente eleito atribui pastas políticas aos candidatos a comissários, um por cada país da UE.

Os comissários exercem as suas funções na Comissão independentemente dos governos nacionais dos seus países de origem.

Cada comissário indigitado tem de comparecer perante a comissão parlamentar competente para a sua pasta, que avalia se este é ou não adequado para exercer o cargo em questão.

Uma vez aprovados todos os 26 comissários indigitados (que se podem retirar se não receberem uma avaliação positiva), estes, juntamente com o presidente eleito e o alto representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, têm de ser aprovados pelo Parlamento Europeu numa votação única.

O Conselho Europeu nomeia formalmente todos os comissários para as respetivas posições, deliberando por maioria qualificada.

Qual a função da Comissão Europeia?

É o órgão executivo politicamente independente que propõe nova legislação, gere as políticas da UE de acordo com as competências definidas nos Tratados, executa o orçamento da UE e aplica o direito da UE.

Do lado de quem deseja o fracasso desta candidatura, está, pore exemplo, o recém-eleito deputado do Chega António Tânger Corrêa, que falou com o SAPO24 nos corredores do parlamento: "Nós vamos votar contra". "Pela última fase da gestão dela à frente da Comissão, que foi uma gestão praticamente ditatorial e a impor vontades aos Estados, nós somos contra. Somos soberanistas e duvidamos também da bondade das decisões dela".

A sombra das vacinas

A este tema acrescenta a recente polémica que marcou o dia anterior às eleições, quarta-feira, nos corredores do Parlamento Europeu: a deliberação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de anular a decisão da Comissão Europeia ocultar certas partes dos contratos relativos à vacina contra a covid-19.

Esta é uma polémica que também os deputados da Esquerda não conseguem ignorar. Noutro corredor, João Oliveira, eleito pelo PCP e no grupo da Esquerda Nórdica/The Left, aponta precisamente esta como uma das razões para não votar na atual presidente: "A questão das vacinas, que confirma precisamente que é de acordo com o interesse das multinacionais, neste caso farmacêuticas, que a Comissão Europeia e a União Europeia têm atuado".

"Depois de mais este escândalo, agora com esta decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia a confirmar isso mesmo, como é que é sustentável manter esta opção de manter a senhora von der Leyen, com tudo o que ela significa de manutenção das mesmas orientações políticas. Parece-nos que é muito difícil de sustentar uma escolha dessas e, naturalmente, da nossa parte ela não contará com o nosso voto para ser eleita", refere.

Já Catarina Martins, do mesmo grupo político, mas eleita pelo Bloco de Esquerda, recorda: "a Marisa Matias (anterior eurodeputada do Bloco de Esquerda), que na altura era quem cá estava, fez esse trabalho sobre as vacinas e os acordos que foram feitos com a Pfizer. Nós pedimos para ter acesso a documentação que era muito importante para compreender se houve influências indevidas e relação indevida entre Ursula von der Leyen e a Pfizer. Na altura, foram-nos negadas as comunicações que pedimos. Temos agora uma decisão do Tribunal que dá razão ao Parlamento Europeu. Mesmo as forças políticas que podem concordar com a sua desastrosa política, se levarem a sério as questões da transparência, não podem votar em Ursula von der Leyen", diz a antiga líder bloquista.

"Temos centrado a nossa oposição nas questões políticas, mas a relação com a Pfizer nunca foi explicada, e é um problema sobre a transparência das nossas organizações e a eventual permeabilidade da Comissão Europeia à corrupção", acrescenta.

Do lado dos que desejam a reeleição, João Cotrim de Figueiredo, vice-presidente do Renew, eleito pela Iniciativa Liberal, que nos recebeu no seu gabinete no edifício Winston Churchill, garante que todos os acordos foram cumpridos e avançam para o apoio total a von der Leyen.

"O Renew teve várias conversas com os partidos que constituíam a coligação com os Socialistas, os Populares e os Liberais na legislatura passada com o objetivo de reconstituir essa maioria. O acordo existe nesta altura. A esta quarta-feira podemos dizer que há acordo entre as três forças políticas, e portanto vai haver votação favorável ao conjunto de medidas que vão constar no programa, ao conjunto de distribuições de lugares, incluindo Presidente da Comissão", garante.

Quanto a previsões, atira: "Sem querer arriscar muito, até porque sou um eurodeputado recente, e portanto não domino todas as mecânicas e as dinâmicas que se passam aqui no Parlamento, mas eu diria que a probabilidade da presidente ser eleita é elevada, mas não é certa". Adianta ainda que falou pessoalmente com Ursula von der Leyen, numa conversa "bastante longa" sobre todos os aspetos do acordo e sobre os desafios essenciais para os próximos anos de União Europeia.

Abordaram "a importância que é ter uma Comissão ciente da responsabilidade que vai ter, disponível para tomar a liderança dos destinos da Europa, numa altura que nem a Alemanha, nem a França estão politicamente capazes de o fazer. Mas isso implica sujeitar-se também a um maior escrutínio do Parlamento Europeu e a uma organização política que se espera que venha do Conselho Europeu que seja clara para reformas que não serão fáceis".

Sobre a confiança na eleição, o otimismo é semelhante do lado do eurodeputado do PPE eleito pela Aliança Democrática (PSD, CDS e PPM) Sebastião Bugalho, que estima uma vitória de von der Leyen, uma vez que o “bom resultado” alcançado por Metsola “prova que é possível que as famílias europeias, mesmo quando divergem, conseguem encontrar consensos quando é necessário”.

Sobre o tema pouco mais falaram, estando plenamente confiantes na reeleição.

Do lado dos Socialistas, Ana Catarina Mendes, garantiu ao SAPO24 que estão muito interessados em ouvir "quais é que são os compromissos que a presidente da Comissão Europeia apresenta para a Europa", mas estão confiantes na reeleição, que apoiam.

"O essencial é que as instituições europeias funcionem todas. Há um acordo entre as maiores famílias pró-Europa para as instituições europeias. Esses acordos devem ser cumpridos e é o que eu espero para o Plenário de amanhã, depois de um debate, que tem que haver, que terá que ser mais esclarecedor, onde teremos que saber quais são as prioridades que nos vão ser apresentadas. Mas como democrata, acredito que os acordos são para cumprir e que as votações hão de ocorrer na melhor expetativa para o projeto europeu. É absolutamente fundamental que as instituições se entendam", acrescenta.

A este ponto acrescenta, o facto de não ser desejável que a Europa fique em "stand-by". "É preciso mesmo encontrar as soluções, arrumar os cargos eletivos que têm de ser eleitos, para então enfrentarmos os vários desafios. Temos uma guerra, a gestão dos fluxos migratórios, o problema da competitividade e da necessidade de autonomia estratégica da União Europeia e as questões da segurança, que têm de ser discutidas", sublinha.

Ainda na questão do "stand-by" de soluções, esta é um tema que não incomoda a quem está contra a reeleição, sendo que um novo nome só iria ao Parlamento em setembro. "Convenhamos que a questão dos prazos e dos processos acaba por ser uma questão secundária ou instrumental relativamente àquilo que é a substância da política. Eu diria que perdermos três, quatro, seis meses, um ano para encontrar uma solução que do ponto de vista político servisse os povos, não seria tempo perdido, seria tempo bem gasto. Se verdadeiramente não for esse o interesse, de facto qualquer prazo serve. O de amanhã pode ser eventualmente o prazo mais curto, mas verdadeiramente não serve aos povos", garante João Oliveira.

Recorde-se que em 2019 Ursula von der Leyen necessitou do apoio dos socialistas e do Renew para ser eleita. Na altura, o grupo dos Verdes votou contra von der Leyen, mas talvez agora seja a sua única salvação.

António Costa: um problema ou uma ponte para consensos?

Com o consenso e coesão entre as instituições europeias a ser aquilo que os deputados que apoiam a recandidatura da presidente mais desejam, surge também um novo ator neste cenário: a presença de António Costa na presidência do Conselho Europeu.

Para Cotrim de Figueiredo, esta não é a escolha ideal e não a apoiaram, mas "dos socialistas que foram apontados para o cargo o Dr. António Costa é a figura que menos nos desagrada".

"Naquilo que é a visão que tem para a Europa estamos em desacordo. Se a Comissão vai ter mais iniciativa, porque esta não virá de Estados-Membros que têm sido importantes na construção do projeto Europeu, vai ter que ter respaldo político no Conselho. Por isso, a pessoa que estiver à frente do Conselho não deve ser só um fazedor de pontes, mas também alguém que tem de preparar algumas reformas que são difíceis, e António Costa não é conhecido como alguém que gosta de fazer reformas. Podemos recordar a frase conhecida que diz que se 'arrepia' cada vez que ouve falar em reformas estruturais", acrescenta o eurodeputado liberal.

Já o Chega, agora parte da nova família dos Patriotas pela Europa, que integra forças como a União Nacional de França, de Marine Le Pen (a maior delegação, com 30 eurodeputados), o Fidesz, de Viktor Orbán, a Liga de Itália, de Matteo Salvini, ou o Vox, de Espanha, de Santiago Abascal, avançou ao SAPO24 que deseja no parlamento "unir as três grandes forças políticas à direita: o novo partido soberanista [Europa das Nações Soberanas], os Conservadores e nós".

"Queremos uma grande direita que inclua todas as direitas. Desde o centro-direita até uma direita um bocado mais radical. Não é mais à direita que os outros, é uma grande direita. Porque o PPE hoje em dia não é nada. Já foi direita. Eu lembro-me nos meus tempos iniciais no CDS, a seguir ao 25 de abril, nós éramos membros do PPE, e era um grupo completamente diferente do que é hoje. Era um grupo cheio de genica, cheio de ideias, cheio de força, e que hoje em dia é meramente um partido de poder, com um grupo de poder que não tem nada dessas características", justifica Tânger Corrêa.

Já sobre António Costa considera a sua presença "inútil". "António Costa vai fazer como de costume, que é aquilo que lhe interessa", sublinha.

E o futuro? O que esperar da nova legislatura?

Para o futuro do Parlamento Europeu João Oliveira olha com receio em vésperas desta importante eleição: "Para os povos da Europa, esta escolha, não é manifestamente positiva por tudo aquilo que a senhora von der Leyen representa de aprofundamento do rumo neoliberal que condena os povos à pobreza enquanto serve os interesses das grandes multinacionais, de aprofundamento do rumo federalista que, particularmente para o povo português e para o nosso país, tanto nos prejudica, submetendo-nos a imposições e a decisões que nos são completamente estranhas e alheias à nossa realidade nacional e às necessidades do país, e também em relação ao rumo do consenso militarista que tem conduzido a um escalar da guerra e da confrontação".

"A senhora von der Leyen representa no passado tudo isso e continuará a representar no futuro", reforça, ao mesmo tempo que avança ter submetido uma questão urgente à Comissão sobre o tema das vacinas.

Já a colega de família política europeia, Catarina Martins, que na manhã de quarta-feira viu negada a possibilidade de discutir o conflito na Palestina na sessão sobre a Ucrânia, vê com apreensão a nova legislatura, mas diz que tem um compromisso claro: "É preciso parar o genocídio. Portanto, nós vamos continuar a falar da situação em Gaza. Eu acho, aliás, que ninguém compreende o papel que a União Europeia está a ter. A opinião pública europeia condena o que está a acontecer, e seguramente a maioria das pessoas nos vários Estados-Membros não quer que o seu dinheiro, ou que a indústria de armamento dos seus países, esteja a ser parte do que está a acontecer. As pessoas veem as crianças a serem mortas em Gaza. Espero muito melhor da União Europeia".

Sobre a eleição de von der Leyen, estão confiantes que não aconteça e reforça que esta "representa um acordo que tem das políticas que nós mais combatemos. Tem um tratado de governação económica que tenderá a impor austeridade aos nossos países e dificuldades nos serviços públicos, tem um pacto das migrações que faz com que haja dinheiro da União Europeia a ser entregue às milícias de tráfico de seres humanos e que prevê deter crianças e esvaziou completamente o pacto ecológico".

"Tem esta política de dois pesos e duas medidas. Quando chega à Ucrânia, e bem, a União Europeia diz que a Ucrânia tem direito ao seu território, à sua autodeterminação. Quando chega a Gaza, fecha os olhos e mantém o Contrato de Associação com Israel, ou seja, há armas e dinheiro europeu a servirem o genocídio em Gaza, o que é verdadeiramente inaceitável", acrescenta.

Em campos opostos, Tânger reforça os pontos em comum com a sua nova família. "Temos em comum o controlo da imigração, pois estamos completamente de portas escancaradas com os resultados que estão à vista. Uma reforma da PAC (Política Agrícola Comum), que para nós é muito importante, principalmente para os agricultores portugueses, e nomeadamente mais dramático ainda para os do sul de Portugal. Também as pescas, e nós temos que dar uma volta em toda a atitude da Europa relativamente às pescas em Portugal. Quanto à corrupção, nós queremos mais transparência, reforma das instituições, maior controlo da Comissão e maior poder ao Parlamento. No fundo, uma maior democraticidade das instituições europeias, mais perto do povo, mais perto das pessoas, porque as pessoas é que fazem a Europa. Não são as bolhas que a comandam", sublinha.

Mais ainda, diz que é prioridade a Agenda 2030, relativamente à qual afirma que "é tudo muito bonito. Parece a criação de um paraíso na Terra, mas depois na sua execução é completamente antidemocrática e nós não aceitamos isso", diz.

A Iniciativa Liberal quer que a nova Comissão se foque na "transição energética e na transição digital, e noutros problemas que entretanto se começaram a colocar, como a necessidade de reforçar o investimento em defesa e começar a preparar o alargamento". "Todos estes dossiês complexos, grandes e caros", diz Cotrim.

Além disso, querem garantir que os jovens ficam e acreditam na Europa, algo que a Iniciativa Liberal observou nas últimas eleições.

"De acordo com os dados das sondagens à boca das urnas, tivemos mais de 20% dos votantes abaixo dos 35 anos, que é algo que nos agrada particularmente. Mas nós nunca falamos diretamente para jovens. Falámos é de uma forma que os jovens percebem particularmente depressa e compreendem particularmente bem. Que é dizer que há necessidade de ter uma visão de futuro, com um espaço de mais oportunidades de crescimento profissional e pessoal, e voltar a dar à Europa aquilo que ela já teve: aquele ímpeto reformista de integrar mercados que desde o princípio do século se deixou de dar prioridade", sublinha.

"Continuamos sem ter um mercado único de energia, um mercado único de infraestruturas de transporte, nomeadamente ferroviário, um mercado único de capitais, não se finalizou a união bancária, continua a haver demasiados obstáculos no mercado único de bens e serviços, a própria circulação de pessoas, bens, serviços e capitais deixou de ser prioridade e nós gostaríamos que voltasse a ser. Da parte da presidente Ursula von der Leyen recebemos feedback muito positivo que isso vai debatido, porque se isso não acontecer vamos estar a dar razão àqueles que dizem que a Europa não serve os cidadãos europeus".

A eleição para a Presidente da Comissão Europeia começa esta quinta-feira às 9h00 da manhã em Estrasburgo, 8h00 em Portugal, e a votação é esperada por volta das 13h00 locais (12h00 em Lisboa).

*O SAPO24 está a acompanhar a eleição no Parlamento Europeu em Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu