"Desde ontem, ainda não comi. Fui informada que a comida acabou", conta à Lusa, em tom preocupado, porque sem comer tem dificuldade em amamentar o recém-nascido.
"Sem comer não tem como sair leite para a criança mamar", lamenta, de olhos arregalados, como quem procura à sua volta por uma solução.
Ela é uma das centenas de pessoas desalojadas pela passagem do ciclone Idai na sexta-feira no centro de Moçambique e que agora enfrentam a fome devido à escassez de assistência humanitária nos centros de apoio criados de forma espontânea em escolas publicas.
Uma outra moradora relata que o desespero por falta de apoio alimentar tem aumentado a cada dia no centro de acomodação da escola de Trangapasso, porque os únicos meios de sobrevivência ficaram soterrados quando a casa desabou.
"Temos problema de comida", diz à Lusa Amina Zacarias, moçambicana com seis filhos no centro de apoio, a dormir e a comer no chão de uma sala de aula onde as mesas e cadeiras dos alunos se empurraram para um canto.
No meio, no lugar das aulas, há agora uma fogueira, mas a água ao lume já só tem um resto de farinha de milho.
Amina pede que as autoridades distribuam tendas para as famílias recomeçarem a vida, "desenrascar" o dia-a-dia nos bairros de origem, na esperança de que as águas desçam e possam voltar às hortas que conhecem, nas quais sabem onde procurar comida.
Entre prantos de crianças a sofrer com fome, a população desalojada nos centros de abrigo clama por assistência humanitária urgente, para poder enfrentar a crise da falta de alimentos.
"Estamos a sofrer com fome" disse à Lusa, Maria Chuva, uma idosa que sustenta sozinha quatro netos no centro de acomodação, adiantando que "outros estão a recorrer a maçaroca [de milho]", mas ela, por falta de dentes já não a consegue comer.
A primeira assistência às vítimas no centro de apoio na escola de Trangapasso, Chimoio, chegou através da organização Save The Children, mas o donativo apenas cobriu dois dias de alimentação, estando desde domingo sem reabastecimento.
"As pessoas estão a tentar, à sua maneira, conseguir comida" disse à Lusa Carlos Zambo, um professor desalojado pelo ciclone.
Zambo disse que as autoridades já encontraram um lugar para implantar um centro de acomodação para a população "desocupar as salas", para que estas passem a acolher aulas, até agora paralisadas.
Pelo menos duas pontes desabaram e outras cinco estão submersas nos distritos de Sussundenga e Mossurize, na província de Manica.
O distrito do Mossurize está isolado do resto da província, só sendo possível o contacto por terra via Zimbabué.
O cinturão verde da cidade de Chimoio, que garante o sustento de centenas de famílias, através de produção de cerais e hortícolas, tem as culturas alagadas.
O Presidente da República moçambicano, Filipe Nyusi, disse na segunda-feira que o número de mortes devido ao ciclone Idai poderá ultrapassar os mil, estando confirmados atualmente 84.
O ciclone, com fortes chuvas e ventos de até 170 quilómetros por hora atingiu a Beira, a quarta maior cidade de Moçambique, na quinta-feira à noite, deixando os cerca de 500 mil residentes sem energia e linhas de comunicação.
No Maláui, as estimativas do Governo apontam para que tenham sido afetadas mais de 920 mil pessoas nos 14 distritos afetados, incluindo 460 mil crianças. Há registos de pelo menos 56 mortos e 577 feridos.
No Zimbabué, a avaliação das autoridades apontava para cerca de 1.600 casas e oito mil pessoas afetadas no distrito de Chimanimani, em Manicaland, com registos de 82 mortes e 217 pessoas desaparecidas.
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