A História ensina-nos sempre lições e mostra-nos como o tempo é algo tão relativo. No ano passado, assinalaram-se 25 anos da queda do Muro de Berlim. Fizeram-se reportagens, entrevistas sentidas, reconstituições da data; líderes políticos passaram mensagens de paz e solidariedade. Lembrar para que nunca mais volte a acontecer.
A verdade é que, nem um ano volvido da celebração desta data, a Europa está mais dividida do que nunca, e o pior é que alguns destes muros não são físicos, são barreiras invisíveis construídas por ideias e políticas – talvez as mais difíceis de derrubar.
O que são 25 anos na história recente da Europa e do Mundo? Quase nada ou muito tempo, dependendo da perspectiva que se tenha e da análise que se faça. É muito, se pensarmos em tudo o que mudou ao nível político, social e económico durante este um quarto de século. É pouco, quando constatamos que erros do passado continuam a repetir-se aqui tão perto. É tão pouco quando ainda tantos de nós têm vivas as memórias de uma Europa dividida.
Abafada pelas notícias da crise na Grécia, a Hungria foi anunciando ao mundo o sucesso da construção de um muro na fronteira com a Sérvia. O governo de Budapeste quer travar a entrada de imigrantes. Só este ano já foram mais de 78 mil pessoas a tentar entrar na Hungria pela fronteira com a Sérvia. Destas, poucas realmente conseguiram. O Governo só concedeu asilo a 240 pessoas durante este ano e tem recebido críticas por causa do repatriamento sistemático dos imigrantes ilegais.
Imigrantes ou migrantes, tanto faz, na sua maioria estão em fuga dos seus países de origem destroçados pela guerra – Síria e Afeganistão. Recorrem a esta porta de entrada na Europa para depois tentarem seguir viagem para outros países, como Alemanha ou Áustria. Vêm à procura de asilo político e de um novo começo. Aspirações que vão, a partir de agora, ter de “escalar” um muro de 175 quilómetros de comprimento e quatro metros de altura, que custou 21 milhões de euros.
A Hungria, que entrou para a União Europeia em 2004, tem sido criticada por outros parceiros, mas nada que tenha demovido o governo de Victor Órban de desistir da ideia de um muro como forma de combater o enorme fluxo migratório que está a atingir a Europa.
Por ironia do destino (ou não), no mesmo período em que o governo húngaro se congratulou ao mundo pela sua solução para travar a imigração, a UE erguia também um muro à volta da Grécia e das soluções apresentadas por Tsipras e Varoufakis, rodeado de números, memorandos e exigências. Nas ruas, o povo grego batia com a cara nas portas fechadas dos bancos. Mais um tijolo no muro invisível que vai dividindo a Europa.
Apesar da divisão de ideias e mentalidades, a Europa continua a ser o local de sonho e segurança para muita gente, principalmente para quem está numa situação miserável, a fugir de guerras e conflitos. Para quem já não tem mais nada a perder a não ser a própria vida. E qual tem sido a resposta da Europa a estas pessoas? Muros.
Antes da Hungria, já outro Estado-membro da UE tinha optado por esta solução. A Bulgária começou a construir, no ano passado, um muro de 32 quilómetros na sua fronteira com a Turquia e tem planos de alargá-lo por mais 82 quilómetros nos próximos tempos. A guerra civil na Síria, que assola o país desde 2011, já causou mais de 4 milhões de refugiados. Metade destes está na Turquia, que faz fronteira com a Síria e que se tornou o país com mais refugiados do mundo.
Mais recente é o muro em que se transformou Calais. Se antes a cidade portuária era um ponto de ligação entre França e Inglaterra, e continua a ser para quem tem um passaporte, agora é um limbo para milhares de imigrantes que tentam a sua sorte numa fronteira cada vez mais vigiada.
Em julho, o Reino Unido anunciou o financiamento de 9,9 milhões de euros para a construção de uma nova vedação em Coquelles, além de assegurar o reforço da segurança na entrada para o Canal da Mancha.
O discurso anti-imigração de David Cameron e companhia conseguiu desfigurar a realidade que se vive em Calais, fazendo daquela fronteira um “campo de batalha” contra a imigração ilegal, que conseguiu roubar a atenção dos media.
Mas contra factos não há argumentos: este ano chegaram a Calais entre a 2 a 5 mil pessoas, contra as 200 mil que chegaram a Itália e Grécia. Entre os países da UE mais procurados por imigrantes, Inglaterra é o que menos concede asilo: em 2014, o país recebeu quase 26 mil pedidos de asilo e concedeu 10.050. A Alemanha concedeu 97.275 e a França 68.500.
Erguem-se novos muros em Calais, vedações são reforçadas, há mais arame farpado e polícias, mas o Mediterrâneo continua a ser a principal rota para aqueles que procuram entrar na Europa. Rota para milhares, cemitério para outros tantos, o mar que, outrora, ligou países e culturas é, hoje, cenário de tragédias constantes.
Foi a partir dos botes sobrelotados de olhares perdidos e desesperados que começamos a ouvir os termos “migrantes” e “ilegais”. Mais um “mito” criado à volta de quem aqui chega que é, sobretudo, refugiado (62% dos que chegaram à Europa pelo Mediterrâneo fogem das guerras na Síria, no Afeganistão e Sudão). E, acima de tudo, são pessoas. São vidas arrebentadas por guerras e outros tantos horrores que vão sofrendo desde que resolvem fugir da morte quase certa nos seus países.
É este facto tão simples que tem passado ao lado, como um barquinho de papel numa piscina, dos nossos líderes políticos. É inconcebível virar as costas e fechar as portas a estas pessoas. Vai ser fácil acolhê-las e lidar com a maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial? Não. Mas continuar a erguer muros e a fechar os olhos não pode ser a única e vergonhosa resposta que temos para dar.
Alice Barcellos é jornalista de profissão e poeta de coração. Nasceu no Rio de Janeiro, em 1986, mas trocou a cidade Maravilhosa pela cidade Invicta há 15 anos. Adora contar estórias, quer seja em texto, fotografia ou vídeo. Quando não está a trabalhar no SAPO (e em outros projetos que vai participando), gosta de ter a cabeça voltada para o mar e para os livros, para os seus gatos e cadela ou jogar conversa fora com amigos.
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