O “Manual de Metodologias Participativas – Um guia para o envolvimento de agentes na gestão da floresta” resulta do projeto ‘ShareFOREST’, iniciado em março de 2021 e terminado em novembro último.

O projeto foi liderado por Elisabete Figueiredo, docente da Universidade de Aveiro, e coliderado por Eduarda Fernandes, professora do Politécnico de Leiria.

Numa resposta escrita enviada à Lusa, as investigadoras explicaram que o manual “pretende ilustrar como atividades, ferramentas e recursos relativamente simples e acessíveis para o envolvimento do público podem ser usadas com vantagem, não apenas no âmbito da promoção de uma maior participação e envolvimento nas decisões das florestas públicas”, como, com as necessárias adaptações, “nas decisões relativas à gestão da floresta privada e comunitária”.

Para tal, “são fundamentais o tempo de implementação e monitorização da metodologia, o desenho de tarefas de promoção de uma maior mobilização dos agentes e cidadãos e, naturalmente, vontade política e das entidades responsáveis pela gestão das florestas”, adiantaram.

Na investigação foram consideradas sete matas do litoral afetadas pelos fogos: as matas nacionais de Leiria, do Urso, do Pedrógão, das dunas de Quiaios e de Vagos, e os perímetros florestais das dunas e pinhais de Mira e o das dunas de Cantanhede.

Segundo Elisabete Figueiredo e Eduarda Fernandes, o objetivo do projeto ‘ShareFOREST’ não foi propor um modelo de governação alternativo ao existente, mas “integrar nesse modelo de gestão a participação e o envolvimento de cidadãos e agentes, por forma a que a mesma gestão e ordenamento integre e reflita os vários interesses, necessidades e expectativas”.

Para as docentes, o envolvimento e participação aumentam “o diálogo, a capacidade de negociação e priorização, a geração de consensos, assim como a legitimação social das medidas e planos adotados”, e evitam conflitos.

“Basicamente, tratou-se de propor que, em vez da atual consulta pública – pontual e realizada apenas na fase terminal das decisões e planos –, se possa adotar um modelo de participação e envolvimento que o seja de facto, tanto em termos do processo (desde o início) como em termos dos seus resultados, quer para as entidades gestoras, quer para os agentes e cidadãos”, sustentaram.

A participação defendida pelas investigadoras no âmbito do ‘ShareFOREST’ é um “envolvimento efetivo das partes, ou seja, que ultrapassa a mera consulta pública ou transmissão de informação, mas que se possa prolongar ao longo de todos os processos e cujos resultados sejam fruto da partilha e codecisão”.

Este projeto foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. A organização não-governamental de defesa do ambiente Oikos, sediada em Leiria, foi parceira.

Os incêndios de outubro de 2017 na região Centro provocaram 49 mortos e cerca de 70 feridos, registando-se ainda a destruição, total ou parcial, de cerca de 1.500 casas e mais de 500 empresas.

Mais de 80% da Mata Nacional de Leiria, que tem 11.062 hectares e ocupa dois terços do concelho da Marinha Grande, ardeu nestes fogos.

Falta de limpeza e negligência em matas litorais identificadas em investigação

A falta de limpeza, abandono e negligência nas matas litorais foram identificados por agentes e cidadãos inquiridos no âmbito de um projeto desenvolvido na sequência dos incêndios de outubro de 2017.

O projeto, denominado ‘ShareFOREST’, considerou sete matas do litoral afetadas pelos fogos: as matas nacionais de Leiria, do Urso, do Pedrógão, das dunas de Quiaios e de Vagos, e os perímetros florestais das dunas e pinhais de Mira e o das dunas de Cantanhede.

As investigadoras Elisabete Figueiredo (Universidade de Aveiro) e Eduarda Fernandes (Politécnico de Leiria) explicaram que o objetivo do projeto não era encontrar problemas nas matas do litoral, mas soluções para a promoção de maiores níveis de participação e envolvimento dos agentes e do público nos processos de decisão na gestão e ordenamento das matas.

Contudo, foram identificados alguns problemas relacionados com aquelas sete matas do litoral, “desde logo, a perceção de falta de manutenção e limpeza, referida tanto pelos agentes, como pela população inquiridos, assim como expressa nas narrativas mediáticas analisadas”.

“Na mesma linha, o abandono e a negligência destes espaços ao longo de um período prolongado que contribuiu (ainda que em conjunto com outros fatores) para os acontecimentos de outubro de 2017”, referiram as docentes.

A falta de recursos financeiros e humanos da entidade gestora (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) foi “também identificado pelos inquiridos como um problema importante na gestão destes territórios, assim como a ausência de uma verdadeira política de prevenção de incêndios e de defesa e valorização da floresta em Portugal”.

“A previsível longa recuperação e/ou regeneração das matas do litoral afetadas pelos incêndios de outubro de 2017 é também muito enfatizada nos questionários (e entrevistas) que realizámos”, assinalaram Elisabete Figueiredo e Eduarda Fernandes, referindo ainda que “a demasiada centralização das decisões relativas a estes territórios e a forte tutela pública dos mesmos foi também apontada com frequência”.

Porém, “uma eventual privatização das matas é rejeitada pela larguíssima maioria dos inquiridos”, acrescentaram.

O projeto ‘ShareFOREST’ incluiu, entre outras ações, a realização de um inquérito a agentes com interesse nos processos de gestão e ordenamento destas matas (organizações não-governamentais, empresas públicas e privadas, e autarquias, entre outros).

“Observou-se que existe uma discrepância entre os níveis de interesse (que são elevados) e os níveis de influência (que são reduzidos) naqueles processos, bem como um número reduzido de colaborações entre os vários agentes (175) inquiridos”, apontaram as investigadoras numa resposta escrita à Lusa.

Por outro lado, foram analisadas 1.056 notícias entre 15 de outubro de 2017 (data dos mega incêndios nas matas do litoral) e 15 de outubro de 2019 de oito jornais, locais, regionais e nacionais.

“Entre outros aspetos, os resultados desta tarefa demonstram a importância dada pela imprensa escrita aos agentes (especialmente políticos) como interlocutores privilegiados no que se refere aos incêndios, dando muito menor relevo às populações locais, empresários, organizações não-governamentais e movimentos cívicos e também aos especialistas técnicos e científicos”, sustentaram.

Segundo as docentes, “a análise demonstrou também que a avaliação do papel dos governos central e locais é muito negativa, enfatizando-se a ineficácia no desenho ou implementação de políticas de prevenção de incêndios e de gestão florestal, bem como a não assunção da responsabilidade pelos acontecimentos de outubro de 2017”.

‘ShareFOREST’ contemplou, igualmente, a análise das perceções sociais sobre as matas do litoral e os incêndios de 2017, com base num questionário a mil pessoas “residentes nas 16 freguesias que têm territórios integrados ou confinantes com as matas”.

Segundo a investigação, “os inquiridos tendem a valorizar menos a dimensão económica das matas e a valorizar bastante mais o seu papel na conservação dos recursos naturais e na proteção do património histórico para as gerações futuras, considerando que uma adequada gestão futura das matas deve passar por implementar recursos para cumprir estes objetivos”.