Eram 20:00, quando as chamas começaram a subir a encosta em direção à cidade de Oliveira do Hospital. Pelo caminho, apanharam a queijaria de Paulo Rogério.
Sem água e sem luz, o pastor socorreu-se dos tanques de refrigeração com 300 litros de leite para apagar o fogo que ameaçava a casa e a queijaria e que já lambia um dos tratores.
"Foi com o leite que era para fazer o queijo Serra da Estrela que tive de apagar as chamas. Consegui salvar a casa e a queijaria com 300 litros de leite", disse à agência Lusa Paulo Rogério, de 45 anos, que representa a terceira geração de pastores na sua família.
Apesar de ter salvado a casa, contou 132 ovelhas adultas mortas, com 50 borregos, e mais 140 ovelhas mortas de dois pastores a quem comprava leite. Sobraram cerca de 150, mais os cães Serra da Estrela, que hoje cirandam pachorrentos ao redor da queijaria.
"Com tudo queimado, tudo negro e com os animais que restaram a dar prejuízo [as ovelhas que morreram eram as que estavam a produzir leite para aquela temporada]", Paulo ainda chegou a fazer a mala para se ir embora de Oliveira do Hospital.
Apesar do embate inicial, no dia seguinte arregaçou logo as mangas e improvisou uma cobertura num dos pavilhões onde restavam apenas as paredes.
Esteve parado 36 dias e, pelo meio, valeu-lhe a ajuda de um grupo da Mealhada para comprar mais ovelhas bordaleira.
Ao fim de 36 dias parado, decidiu dar um novo rótulo ao seu queijo Serra da Estrela, onde se lê "Renascer das Cinzas", com uma fotografia dos terrenos queimados que mostra um fogo "que não era normal".
Orgulha-se de ter nascido já no meio e de ter revolucionado o setor, com produção de queijo Serra da Estrela durante todo o ano.
"Diziam que eu era doido", conta, para logo apontar para uma medalha de ouro, em 2009, com um queijo feito em agosto.
Apesar de um rótulo otimista a apontar para o renascimento, quando se fala de prejuízos e de apoios, Paulo Rogério altera o tom de voz.
Perdeu 200 mil euros, mas espera receber um apoio de pouco mais de 40 mil do Estado.
"O Estado vê-nos como talvez de terceira, nem portugueses de segunda. É um gozo tremendo o que fizeram", critica, questionando logo a seguir o porquê de ter voltado à profissão há uns largos anos.
"Eu sofri com os incêndios e aqueles em redor de mim sofreram, mas se eu não existo não ardiam cinco casas no começo da cidade, ardiam 50, que eu tinha 60 hectares de terra e tinha-os minimamente limpos. O agricultor e o pastor fazem defesa contra incêndios", vincou Paulo Rogério, num discurso que tanto fala de esperança, como de desilusão.
"A partir do dia em que comecei a trabalhar, houve logo o sentimento de renascer. Mas o problema é: renasce-se até que aspeto? Para trabalhar como estava antes dos incêndios vai demorar anos", lamentou o pastor, que, por agora, teima em ficar na sua terra, a tentar reerguer-se por entre o negro das montanhas e o verde do pasto que já se vislumbra da sua casa.
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