No interior da região, há cada vez mais estrangeiros a recuperarem antigas quintas ou a construírem a sua casa de raiz. Por entre as serras, onde apreciam o silêncio, a paisagem e os cursos de água escondidos, começam a estabelecer-se comunidades informais. Alguns aparecem para aproveitar a reforma, outros criam um negócio ou trabalham à distância e muitos procuram apenas um estilo de vida mais em comunhão com a natureza.
As motivações da escolha do interior da região Centro estão normalmente associadas à possibilidade de uma vida longe das cidades europeias, com muitos a apontarem para os preços dos terrenos de um território despovoado e abandonado, para o clima ou para a abertura das comunidades locais aos de fora.
O holandês Jack Broums decidiu mudar-se de uma zona rural da Bélgica para a Serra do Açor em 2011, mas a procura de um cantinho em Portugal começou uns anos antes.
Em 2007, andou por Tavira e pouco depois começou a explorar a região Centro. Após duas ou três viagens ao país, decidiu despedir-se do trabalho na gerência de um supermercado e mudar-se para Arganil, no interior do distrito de Coimbra.
"Escolhi o Centro porque queria estar mais perto das montanhas", conta o holandês de 51 anos, que ficou apaixonado à primeira vista por uma casa antiga que transformou na Quinta da Palmeira, um espaço de turismo rural.
Ao segundo ano em Portugal, juntou-se a uma mulher portuguesa. Tem dois filhos e fala um português perto do perfeito após sete anos de estadia pelo país.
"Foi a melhor decisão que tomei na minha vida. Parece que veio tudo junto: a casa, o hotel que está a andar bem, a mulher e duas crianças. Veio tudo junto", disse à Lusa Jack Broums.
Jules Herron, inglesa de 44 anos, há muito que pensava em viver fora da cidade e poder fazer coisas tão simples como plantar e colher a sua própria comida, mas em Inglaterra as propriedades no campo são demasiado caras para a maioria das pessoas.
Após uma visita a uns amigos que se tinham mudado para Portugal, decidiram despedir-se de Inglaterra.
Compraram uma propriedade num vale perto de Benfeita, Arganil, em 2011, e mudaram-se em 2012. Um ano depois, nascia a sua filha.
A quinta ainda é um projeto em construção. Produzem a sua própria comida, garantem eletricidade através de energia solar e vão ganhando algum rendimento seja com as vendas ‘online' de joalharia feita à mão por Jules, seja através de algum trabalho que o companheiro, carpinteiro de profissão, ainda faz em Inglaterra.
"Muitos dos estrangeiros que vêm para cá têm trabalho ‘online' e trabalham para fora", explica.
A experiência ainda "é um sonho. Estamos a construir as nossas vidas", sublinha.
"Aqui, há um sentimento de comunidade. Há muitas coisas em comum na forma como os estrangeiros aqui vivem - procuram um estilo de vida mais sustentável e uma maior ligação à natureza. Então, como há uma comunidade, é mais fácil para outros mudarem-se", aclara.
Pelo meio, há saudades da família e dificuldades com a burocracia que se torna ainda mais complicada para quem não fala português.
Porém, não se vê a sair da quinta que encontrou pela Serra do Açor, nem daquela comunidade que trouxe crianças a uma região que quase não as tem.
"Os mais velhos adoram e gostam de ver as crianças a andar pela aldeia, porque os seus netos já não estão por lá. Fazem sempre uma festa com as crianças", vinca Jules.
Perto de Benfeita, mora Lynn Mylou, uma holandesa de 36 anos que trocou Amesterdão pela pequena aldeia da Cerdeira, também em Arganil, sem ainda hoje saber muito bem como chegou ali, a uma encosta onde durante um ano construiu uma casa de madeira que foi com o incêndio de 2017.
Está em Portugal desde 2016 e se não fosse a comunidade que encontrou por aquelas bandas não acredita que teria conseguido tudo o que construiu num primeiro ano.
Agora, está a reabilitar uma casa de xisto e a tentar dar seguimento às ideias que começou a ensaiar no primeiro ano - disponibilizar um espaço educacional para pessoas que queiram experimentar a vida que Lynn tanto gosta de viver.
Quer dinamizar oficinas de permacultura, fermentação de comida, técnicas de construção, criar um estúdio de design utilizando a lã das ovelhas que pastam pelos montes da Serra do Açor ou dinamizar residências artísticas. Tudo para garantir uma vida mais sustentável, sem pensar em contas de luz ou de água e em consonância com a natureza.
Com a companhia de quatro cães, descobriu uma outra forma de estar na vida e já não pensa em regressar à cidade. "Não quero voltar a essa vida antiga. Mudei tanto, estive numa fase de crescimento tão grande e não quero voltar a ser uma escrava do sistema".
A calma na voz de Lynn só desaparece momentaneamente quando fala das burocracias em torno dos apoios para reconstrução pós-incêndio ou de candidaturas a fundos comunitários.
"Deixa-me louca", resume.
Mais para cima, em Faia, na Guarda, a holandesa Deirdre Meursing também fala de alguns contratempos. "Se conheces as pessoas certas, anda mais depressa. Se não, tens que ser paciente. Quem não fala português ainda mais difícil é", explica.
A holandesa de 27 anos não tem esse problema. Mudou-se há 11 anos para Portugal, com os pais, regressou depois para a Holanda para estudar no ensino superior e agora regressou com mais dois colegas holandeses da mesma idade para a freguesia da Faia, com o objetivo de avançar com um projeto agrícola.
"Na Holanda, é preciso seres milionário para ser agricultor", conta Deirdre. Os dados do Eurostat confirmam: é o país da Europa com o hectare de terra agrícola mais caro.
Naquela localidade da Guarda, montaram em 2016 um projeto de plantação de cânhamo para exportação.
Agora, preparam-se para mudar o projeto para Idanha-a-Nova, onde encontraram terra mais plana e um maior acesso a água para se focarem na produção de cânhamo.
A escolha de Portugal faz sentido para muitos estrangeiros. "A primeira razão é o clima, depois as pessoas são abertas, há muitos terrenos para venda e baratos e depois há zonas sem ninguém. Podemos conduzir por horas sem ver ninguém. Aqui, há quietude", salienta Deirdre.
"Apesar de personalidades diferentes, de pessoas que vêm de contextos e culturas diferentes, todos queremos trabalhar com a natureza, encontrar alternativas para este sistema que é tão disfuncional e procurar independência", vinca, por seu turno, Lynn.
Apesar da sua vida em Arganil não estar onde acharia que estaria por esta altura, por causa do fogo, não vê outra opção a não ser ficar numa terra que é dura, mas que parece que atrai cada vez mais gente.
"Há um efeito de íman. A maioria das pessoas tem uma história como a minha, que não conheciam isto, que chegaram aqui por acidente. Mas há uma atração energética por este espaço e acabam por ficar", salienta.
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