“A sépsis é uma resposta imunológica extrema a uma infeção, que pode levar à falência dos órgãos e até à morte. Por outras palavras, é uma resposta tóxica e hiperativa do nosso corpo a uma infeção grave”, pode ler-se no site da rede de hospitais privados CUF. Que acrescenta que “de acordo com dados da Direção-Geral da Saúde, 22% dos internamentos em Unidades de Cuidados Intensivos devem-se a situações de sépsis, originando uma mortalidade hospitalar global de cerca de 40%. A mortalidade das formas mais graves da sépsis, como o choque séptico, é de cerca de 51%.”
Ora, são exatamente estes números que uma invenção portuguesa - já em funcionamento em alguns hospitais nacionais e internacionais - pretende mudar. Nuno Afonso, CEO da FastInov, explica ao SAPO24 que em causa está uma tecnologia que foi “desenvolvida de raíz pela FASTinov e que foi licenciada à Universidade do Porto". Alguma tecnologia de base vinha já da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, tinha sido desenvolvida pela professora Cidália Pina Vaz, mas depois foi continuado o desenvolvimento até se chegar ao produto que se tem hoje.
Nuno Afonso simplifica aquilo que foi um processo de anos de investigação em laboratório e no terreno. "A tecnologia passa pela realização de um teste de diagnóstico, nas situações em que há uma suspeita de infeção por bactérias graves no sangue dos doentes". Até aqui esses doentes, tipicamente, entravam no hospital e tinham que aguardar por uma análise do sangue, ou que lhes fosse prescrito um antibiótico empírico, "portanto sem saber exatamente a susceptibilidade. E durante esse processo o doente estava ali dois, três dias à espera de ver o seu tratamento ajustado porque a tecnologia demora muito".
Mas no hospital de Santo António e no IPO, no Porto, no Hospital Ramón y Cajal, em Madrid, e no Hospital Universitario Virgen del Rocio, em Sevilha já não é assim. Com este novo teste de diagnóstico, "em vez de se ter os doentes dois três dias à espera de uma optimização de tratamento, em apenas duas horas, a partir da confirmação da infeção a que chamamos cultura positiva, é possível gerar uma informação clínica num relatório e tomar uma decisão de ajuste imediato do tratamento do doente." Esta é a grande transformação: "É a forma como o processo se passa em termos médicos, e técnicos, dentro do hospital. É a capacidade do clínico que está a assistir a estes doentes poder atuar no dia da confirmação da infeção" numa doença em que todas os minutos contam.
Fundada em 2013, a FASTinov é um spin-off da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e foi fundada por médicos e investigadores da Faculdade liderados pela Professora Cidália Pina Vaz, que é até hoje a cientista chefe e administradora. Assim, as investigações e tecnologias que ali são feitas, são "muito baseadas na experiência e na necessidade identificada pelos fundadores." Neste caso específico, a Professora é hematologista, e liderou durante muito tempo, no Hospital de São João, esta área da microbiologia clínica e dos problemas das resistências." Nuno Afonso resume, aquilo que no fundo podia traduzir o que é o empreendorismo: "No fundo, tinha um problema e iniciou uma resolução para ele".
Continua a explicação ao SAPO24, "costumamos dizer que temos o cliente final que teve dentro da FASTinov desde o início. Porque a Professora Cidália Pina Vaz é a médica patologista, microbiologista, que tinha o problema, e que não se sentia bem em demorar tanto tempo a entregar esta informação clínica aos doentes que precisam de respostas muito rápidas nestas situações graves de sépsis. Portanto, no fundo, arrancou com uma tecnologia que já tinha no passado da sua investigação ligada também à Faculdade de Medicina. Havia uma investigação base que depois foi transformando na tecnologia que temos hoje."
Tecnologia essa que, neste momento, em Portugal, está em processo de avaliação em dois hospitais: o Hospital de Santo António e o IPO, ambos no Porto. "Estão a avaliar a tecnologia, a conhecer as suas mais valias a perceber como é que pode ser adaptada à realidade de cada hospital e como é que pode transformar a gestão da sépsis, numa situação tão crítica que quer uma resposta tão rápida e que normalmente leva a esperas de dois, três dias até se ajustar os antibióticos. No fundo, os hospitais estão a ver com estas tecnologia como é que vão passar a poder agir no dia antes de ser tarde demais".
A tecnologia é composta por um kit de diagnóstico físico e por um software. São operados, em conjunto, num equipamento que faz a análise da amostra do doente. É esse equipamento que é colocado nos hospitais para fazerem a do diagnóstico. Posteriormente, o software da FASTinov analisa estes resultados e determina o antibiograma, os testes de susceptibilidade. Que são o relatório que o clínico necessita para tomar uma decisão informada de ajuste terapêutico.
Internacionalização
Do ponto de vista da regulamentação, este dispositivo médico in vitro já foi validado pelo Infarmed e pode agora estar disponível, se for essa a vontade, em qualquer unidade de saúde portuguesa, no espaço da união Europeia, "ou outras geografias onde a marcação cee seja aceite". Contudo, "os Estados Unidos requerem uma aprovação da FDA e esse é um processo que a FASTinov irá fazer nos próximos anos.".
Já no mercado europeu, Nuno Afonso fala numa "fase extremamente entusiasmante". "Apercebemo-nos que a necessidade da gestão rápida da spésis não é apenas em Portugal, é europeia". Explica que na Europa do Sul a situação é mais aguda, há mais resistência aos antimicrobianos, tem a ver com a gestão dos antibióticos,".
O que transporta a conversa com o SAPO24 para outro ponto há muito discutido na sociedade, "é verdade que é necessário um rigor muito grande no uso dos antibióticos. Cada vez mais, em toda a Europa, os hospitais têm equipas de controlo de infeção e de gestão das infeções, o rigor é crescente para que haja um controlo do uso dos antibióticos". Nuno Afonso lembra que foram exatamente esses fármacos que desde a segunda guerra mundial "permitiram a qualidade de vida que temos hoje e o controlo da infeção", acrescenta que hoje o seu uso é "muito mais sofisticado", contudo "há algumas regiões da Europa onde pode não haver um rigor tão grande e haver mais resistências, por exemplo, no sul da Europa."
As estatísticas mostram que no sul da Europa há sempre resistencias superiores. "Portugal, Espanha, Itália e Grécia são sempre áreas de maior resistência do que os países no centro e norte da Europa". E, por isso, lembra com orgulho que a tecnologia da FASTinov foi validada pelo um Hospital Ramón y Cajal, em Madrid, com o apoio do Professor Rafael Cantón. E, mais recentemente, está a ser feita a primeira avaliação em ambiente clínico real num outro hospital universitário, o Hospital Universitario Virgen del Rocio, em Sevilha.
Mas estas não são as únicas experiências internacionais em curso, "estamos a trabalhar com um distribuidor prestigiado também de Milão e a preparar este tipo de avaliações em hospitais em Itália para que possam ter acesso a esta tecnologia que é disruptiva e permitirá alterar a forma como é gerida a situação da sépsis nesses hospitais."
Ganhos em vidas e em saúde
Nuno Afonso assevera que este tipo de tecnologia custa sempre "muitas dezenas de milhares de euros, ou até centenas". Estima que pode variar entre os 80 mil e os 200 mil euros. "Há uma gama elevada de de preços, é uma tecnologia que cresceu muitos nos últimos 30 anos. Em laboratórios académicos são muito sofisticados, depois há outros que fazem o trabalho laboratorial clínico que são menos sofisticados." Explica que as variações têm a ver com a possibilidade de ter mais multiplicidade de amostras, "quantas mais amostras forem lidas, mais lasers são precisos".
Mas se por um lado as preocupações com os custos de saúde têm aumentado, por outro os custos da sépsis são muito elevados. Não só do ponto de vista financeiro, como também do ponto de vista do custo das perdas de vida. Nuno Afonso explica que a sépsis é uma das áreas da medicina, e das condições médicas, que mais custos gera à saúde em geral.
E, por isso, "é essencial conseguir gerar tanto quanto possível tecnologias que possam gerir esses custos". Acrescenta que a FASTinov tem estado a tentar desenvolver estudos para quantificar essa realidade. E, na semana em que fala com o SAPO24, refere ter acabado de sair uma publicação de um estudo num congresso internacional de doenças infecciosas em Paris, que "mostra que a tecnologia da FASTinov tem a possibilidade de reduzir os custos na gestão destas condições graves, das infeções bacterianas no sangue, na ordem dos 1400 a 2400 euros por cada doente testado".
Este estudo compara esta nova tecnologia do antibiograma com as tecnologias que demoram dois a três dias e com as que demoram seis a oito horas e conclui que há evoluções significativas. As duas horas permitem ao hospital tomar uma decisão no turno da descoberta. "E esta é a grande transformação", diz o CEO da FASTinov. "O hospital pode cerca da hora de almoço, alterar um tratamento e salvar uma vida e com as outras tecnologias que existem neste momento não vai ser possível, porque se a resposta vier só à tarde ou no fim da tarde o hospital não vai fazer nada, não há alteração terapêutica e o objetivo clinico, depois, não se realiza e os custos depois começam a escalar."
O estudo que refere, a que o SAPO24 teve acesso, demonstra a possibilidade de se tomar uma decisão "no mesmo turno médico" em que a sépsis é diagnosticada. Processo que até aqui era impensável. Segunda a investigadora Filipa de Aragão, esta tecnologia reduz a mortalidade em 8% e os custos de saúde em 28%.
Em resumo, Nuno Afonso assevera, "a poupança líquida para o hospital, e para o sistema de saúde, como um todo. é real e estamos a falar - mesmo para um hospital individual - de montantes que podem ser de milhões de euros anualmente dependendo do número de doentes que um hospital possa ter". E, por fim, garante que compensa. "Os custos são elevados, a sépsis é muito onerosa para as unidades de saúde. Além do beneficio clÍnico, estamos também preocupados em poder ajudar a a controlar os custos de saúde. E estamos a conseguir."
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