Num duro golpe para Erdogan e o seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, islamita e nacionalista), Ekrem Imamoglu, 49 anos, candidato do Partido Republicano do Povo (CHP, centro-esquerda) e apoiado pelo partido de direita Iyi, venceu por uma curta margem as eleições locais de 31 de março na capital económica e demográfica da Turquia (15 milhões de habitantes na área metropolitana).
O AKP, juntamente com um anterior partido religioso e conservador (Partido do Bem-Estar, depois Partido da Virtude), controla Istambul desde 1994.
Após cerca de duas semanas de recontagem de votos, solicitada pelo AKP, a autoridade eleitoral turca anulou a votação, revogou o mandato de Imamoglu e ordenou novas eleições, ao referir-se a irregularidades na composição das equipas que supervisionaram o escrutínio no centro financeiro e cultural da Turquia. Os críticos acusaram o organismo oficial de atuar sob pressão do partido no poder.
Os resultados das municipais de 31 de maio forneceram um novo alento às oposições, até agora descredibilizadas pelas derrotas consecutivas nas urnas face a Erdogan.
De acordo com o Alto Comité Eleitoral, os resultados finais creditavam Imamoglu com um avanço de cerca de 23.000 votos face ao seu adversário, o ex-primeiro-ministro Binali Yildirim, um “peso pesado” do AKP e com mestrado em Engenharia Naval e Engenharia Oceânica numa universidade de Istambul.
Nas recontagens posteriores, após 17 dias de sucessivas impugnações, a diferença foi reduzida para uma escassa margem de 13.500 votos.
Para além de Istambul, o AKP foi derrotado, e com os resultados confirmados, em importantes cidades da Turquia, incluindo a capital Ancara, que também governava desde 1994.
Mas a perda da grande metrópole nas margens do Bósforo, que separa a “parte europeia” da “parte asiática” da Turquia, terá um significado particular e revestido de profundo simbolismo.
Foi em Istambul que Erdogan lançou a sua carreira política à escala nacional, ao tornar-se presidente do município da antiga capital otomana entre 1994 e 1998. E no passado, declarou por diversas vezes que “quem vence em Istambul vence na Turquia”.
No decurso da campanha, o candidato e dirigente do CHP, principal força da oposição, transmitiu uma imagem consensual face ao discurso geralmente mais agressivo dos líderes do AKP, e quando reivindicou a vitória em Istambul, depois anulada, disse que seria “o presidente de todos”, incluindo os que votaram contra a sua lista.
Imamoglu, que estudou Ciências Económicas na universidade de Istambul, surge agora como a figura que poderá contestar nas urnas a hegemonia do AKP, no poder desde 2002, e questionar a sua “invencibilidade”.
No domingo passado, a uma semana no novo escrutínio, os dois candidatos esgrimiram argumentos num histórico debate televisivo.
Binali Yildirim e Ekrem Imamoglu debateram durante três horas, na primeira iniciativa do género desde a chegada ao poder do AKP. O último confronto tinha oposto Erdogan e Denis Baykal, então líder do CHP, antes das eleições legislativas de novembro de 2002.
No debate de domingo passado, difundido em direto pelas principais cadeias televisivas turcas, Yildirim declarou que “foram roubados votos” em 31 de março em prejuízo da sua candidatura.
Na resposta, Imamoglu, cujo apelido significa “filho do imã”, disse que ainda se considerava “o presidente eleito” do município da grande metrópole e que a “injustiça” motivada pela anulação da sua vitória eleitoral em março vai “galvanizar” os eleitores.
“Foi um combate democrático pelos direitos” dos eleitores de Istambul, reafirmou. E apesar de sublinhar a vertente laica do seu partido, não tem ocultado que provém de uma família conservadora que sabe interpretar o Corão e comparece na mesquita às sextas-feiras.
O seu rival, com uma presença que transmite menos frescura, sublinhou a sua experiência de antigo ministro dos Transportes de chefe de governo — um cargo que deixou de existir na sequência do referendo constitucional de 2017 impulsionado por Erdogan. Imamoglu replicou que o candidato do AKP “não tem o direito de fazer promessas” eleitorais pelo facto de o seu partido governar Istambul há 25 anos.
Pouco antes do debate, Erdogan tinha saído em apoio do seu candidato e minimizou a importância do escrutínio de 23 de junho, ao sublinhar que o AKP controla 25 dos 39 distritos de Istambul.
“A eleição dentro de uma semana é apenas para eleger o presidente do município”, declarou o chefe de Estado, ao considerar que o voto apenas será “uma alteração na vitrina”, sem deixar de criticar o forte interesse dos ‘media’ estrangeiros por este novo escrutínio.
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