Em 2017, um dos jornalistas italianos por trás dos "VatiLeaks", disse ao SAPO24, numa entrevista em Lisboa, ser "quase impossível pensar que os países latinos são imunes à pedofilia na Igreja". Apesar de alguns casos pontuais, Portugal tinha passado ao lado das grandes descobertas de casos de pedofilia ou encobrimento sistemático nas igrejas.
Essa mesma entrevista acabaria por nos levar à Nunciatura Apostólica, a "embaixada" da Santa Sé em Portugal. Lá, garantiam que a Igreja estava a “fazer o humanamente possível” para travar os casos de pedofilia, reforçando a política de “tolerância zero”. E garantiram que, pelo menos desde 2009, não tinham qualquer registo de casos de abuso sexual nas igrejas portuguesas. Esta conversa, porém, não foi oficial.
A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais na Igreja Católica Portuguesa começa esta terça-feira a receber testemunhos de vítimas que o queiram fazer, ou de terceiros que queiram denunciar casos que conheçam, sendo que o grupo de trabalho tem mecanismos instalados para triar falsos testemunhos que possam surgir, disse Pedro Strecht.
As denúncias e testemunhos podem chegar à comissão através do preenchimento de um inquérito online no site https://darvozaosilencio.org, que adota o lema e objetivo da comissão no seu endereço, mas também do número de telefone +351 917 110 000, disponível entre as 10:00 e as 20:00 diariamente, mas que não pretende ser nem uma “linha SOS, nem de apoio psicológico”, como frisou Filipa Tavares, assistente social com experiência em acompanhamento de crianças e famílias, que integra a comissão.
Os testemunhos podem também chegar por email – geral@darvozaosilencio.org – por escrito, enviadas para um apartado que vai estar disponível no site da comissão ou presencialmente, mediante marcação prévia de entrevista.
Para a recolha de testemunhos de vítimas que tenham sofrido abusos na infância e adolescência – a comissão vai trabalhar relatos de abusos até aos 18 anos – este grupo de trabalho apela ao envolvimento da comunicação social na divulgação do trabalho da comissão, para que motive eventuais vítimas a testemunhar.
O trabalho desta comissão independente vai decorrer ao longo deste ano, num espaço físico “descaracterizado” e “autónomo” da Igreja, estando prevista a apresentação de um relatório em dezembro. O financiamento dos trabalhos será assegurado pela CEP, mas estará aberto a eventuais contribuições de outras instituições, que serão divulgadas “mais à frente” deste processo, disse hoje Pedro Strecht.
Na apresentação da comissão, em dezembro, o presidente da CEP, o bispo José Ornelas, reivindicou a importância de se trilhar “um caminho de verdade, sem preconceitos nem encobrimentos” para a Igreja Católica portuguesa, reforçando o interesse da Igreja em apurar a verdade, mas evitando traçar expectativas sobre as descobertas e conclusões da comissão, a quem garantiu que terá meios de trabalho.
Na conferência de imprensa de ontem, que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), foi apresentada publicamente a composição da comissão, que, para além do coordenador, integra o psiquiatra Daniel Sampaio, o antigo ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, a socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e a cineasta Catarina Vasconcelos.
(Artigo atualizado às 15:28)
Comentários