Com a proibição da candidatura do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, que teve o registo eleitoral negado no final de agosto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Jair Bolsonaro tornou-se líder na disputa presidencial no Brasil.
Para se preparar para a corrida, Bolsonaro trocou no início do ano o Partido Social Cristão (PSC) pelo Partido Social Liberal (PSL), concorrendo com o General Mourão (PRTB) como vice. A coligação dá pelo nome “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Antes, passou por outros cinco partidos: PPB, PDC, PPR, PFL, PTB e PP. Escreve a Folha de São Paulo que Bolsonaro decidiu começar a sua campanha rumo ao Palácio do Planalto ainda antes de 2018. “Ele tenta se vender como outsider na política, mas está no sétimo mandato como deputado federal”, acrescenta.
Já em 2016, no El País Brasil, se escrevia: “Bolsonaro quer ser presidente em 2018 e os ventos conservadores que sopram no Brasil estão disparando sua popularidade. Caso parecido já se viu na Itália com Silvio Berlusconi e hoje nos Estados Unidos, com um imparável Donald Trump. O deputado está tomando a sério a promessa, já lançada em 2014, de “ser o candidato da direita”".
Chamado de “mito” e “herói” pelos seus apoiantes e de “perigo à democracia” por críticos e adversários, Jair Bolsonaro, de 63 anos, está na política brasileira há quase três décadas.
Ganhou notoriedade nos últimos anos e transformou-se num líder capaz de mobilizar milhares de eleitores desiludidos com a mais severa recessão económica da história do Brasil, que eclodiu entre os anos de 2015 e 2016, ao mesmo tempo em que as lideranças políticas tradicionais do país tem sido envolvidas em escândalos de corrupção.
A 6 de setembro, durante uma ação de campanha na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, foi esfaqueado na região do tórax. Internado em estado grave e sujeito a duas cirurgias, Bolsonaro viu-se impedido de continuar a campanha eleitoral, sendo substituído no terreno pelos seus dois filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o deputado estadual Flávio Bolsonaro. Jair Bolsonaro deixou o hospital a 29 de setembro depois de ficar mais de três semanas internado.
Durante esse período, subiu nas intenções de voto dos brasileiros e consolidou a liderança da corrida eleitoral. Nas primeiras sondagens realizadas logo após o ataque, Bolsonaro atingiu 30% das intenções de voto, com um aumento de quatro pontos percentuais em relação ao resultado anterior.
Nascido em Campinas, São Paulo, em 1955, quase foi batizado como Messias, que se tornaria o seu segundo nome – era uma exigência da mãe, católica, mas prevaleceu na decisão a paixão do pai pelo Palmeiras, clube que também abraçou. Acabou por receber o nome de Jair em homenagem a Jair Rosa Pinto (1921-2005), médio que vestiu a camisola do Palmeiras entre 1949 e 1955.
Dos sete filhos da família Bolsonaro, apenas ele e outro irmão seguiram a carreira militar. Capitão do exército hoje reformado e defensor da ditadura militar – regime que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985 -, Bolsonaro iniciou a carreira política como uma figura caricata de posições extremas e discursos agressivos em defesa da autoridade do Estado e dos valores da família cristã.
Mas nem no exército tudo foi pacífico, como relata um perfil do El País Brasil datado de agosto de 2017, e intitulado "Bolsonaro, o ‘lobo solitário’ já sonha com a glória de “endireitar” o Brasil". Escreve a publicação que alguns documentos relatam a sua “imaturidade” e a “excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente”; sendo ao longo dos anos também acusado por “indisciplina” e “deslealdade” por ter escrito na revista Veja um artigo, sem autorização superior, com um pedido de aumento salarial e por planear com outro oficial um plano para explodir bombas em unidades militares do Rio de Janeiro.
Na sua campanha presidencial, Bolsonaro defende os valores tradicionais da família cristã, o porte de armas e ‘prega’ que o combate à violência no Brasil, país que atingiu a marca de 63.800 homicídios em 2017, deve ser feito de forma violenta pelas autoridades policiais.
Entre as suas propostas mais polémicas para a área de segurança pública está a implantação de uma figura jurídica no sistema legal que impediria homicídios cometidos por polícias em serviço de serem julgados criminalmente.
Além disso, o candidato a chefe de Estado brasileiro também declarou que se for eleito não vai aplicar recursos do Governo em instituições que atuam em defesa dos direitos humanos, afirmando ainda que pretende retirar o Brasil do Comité de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
O que ele já disse sobre mulheres, negros e homossexuais
Considerado uma pessoa polémica, que desperta paixões, ódios e controvérsia, Bolsonaro já foi condenado por injúria e apologia ao crime de violação após ter afirmado publicamente que uma colega parlamentar não merecia ser violada porque era muito feia. A ofensa foi proferida contra a deputada Maria do Rosário após uma sessão na câmara baixa do Parlamento brasileiro, em 2003. "Porque ela é muito feia, não faz meu género, jamais a violaria. Eu não sou violador, mas, se fosse, não iria violar porque não merece”.
Bolsonaro também foi acusado pela Procuradoria-Geral do Brasil de praticar o crime de racismo, em 2016, quando comparou descendentes de negros africanos que fugiram antes da abolição da escravidão e vivem em comunidades rurais demarcadas no interior do Brasil com animais.
O candidato que lidera as sondagens às presidenciais do Brasil também responde num processo por declarações homofóbicas, feitas num programa de televisão e é investigado por suposta apologia ao crime de tortura. Esta última acusação baseia-se na homenagem que fez ao coronel Brilhante Ustra, um reconhecido torturador brasileiro, no momento em que votava a favor da destituição da ex-presidente Dilma Rousseff, que anos antes de entrar para a política foi presa e torturada durante a ditadura militar.
Na sequência da campanha #EleNão criada no Facebook, a 29 de setembro, milhares de pessoas manifestaram-se em várias cidades do Brasil contra o candidato. Desde o início de setembro que este movimento tem crescido com o apoio de artistas, grupos LGBT (Lésbica, Gay, Bissexual e Transexual), ambientalistas, professores, católicos e até mesmo de adeptos de clubes de futebol. Em vários países europeus também foram organizados protestos, nomeadamente em Portugal, Espanha, França, Alemanha, Itália e Suíça. Sendo as manifestações predominantemente organizadas por mulheres, tiveram a adesão de muitos homens que se juntaram aos protestos.
Também em setembro, mais de 300 artistas — intelectuais, cientistas e empresários brasileiros — assinaram um manifesto contra o candidato. Personalidades como os cantores Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque assinaram o documento contra Bolsonaro, que foi classificado por eles como uma ameaça à “herança civilizacional” do Brasil. “Mais do que uma eleição política, a candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso património civilizacional primário. É necessário rejeitar a normalização e unir forças na defesa da liberdade, da tolerância e destino coletivo entre nós”, diz o manifesto intitulado “Democracia sim”.
Por outro lado, o presidente da confederação das associações comerciais e empresariais do Brasil (CACB), George Teixeira Pinheiro, que representa 2,3 milhões de empresas, disse à Agência Lusa, por ocasião de uma conferência em Lisboa, que para os empresários brasileiros "a alternativa é Bolsonaro”. "Não tenho dúvida de que, para os empresários, a alternativa será o candidato Bolsonaro. Esse é o sentimento que tenho escutado como presidente das associações comerciais do Brasil em todos os eventos em que tenho participado e em todos os estados. Talvez porque os outros candidatos não souberam vender bem as suas propostas", afirmou.
Naquela que foi a sua primeira entrevista após ter recebido alta hospitalar e emitida no dia em que ocorreram vários protestos contra a sua candidatura, o candidato do PSL disse duvidar do crescimento do PT nas mais recentes sondagens e reforçou a dúvida sobre a transparência do sistema eleitoral. “Foi um absurdo o PT crescer [nas sondagens]. Não existe isso: o que eu sinto nas ruas, o que eu vejo nas manifestações – haverá uma grande amanhã – é um sinal claro de que o povo está do nosso lado e, da forma como isso é demonstrado, não dá para a gente aceitar passivamente a fraude”, disse.
Bolsonaro, que registou uma subida nas intenções de voto enquanto esteve internado, voltou a criticar o sistema eleitoral. O candidato sublinhou que “havia uma maneira de o auditar”, através do voto impresso”, mas que, “lamentavelmente o Supremo Tribunal [Federal] derrubou” essa possibilidade, pelo que, “fica a dúvida” sobre o ato eleitoral, concluiu.
Na mesma entrevista — no programa “Brasil Urgente” da TV Band — Bolsonaro afirmou que não aceitará outro resultado que não aquele que lhe seja favorável. "Não posso falar pelos comandantes militares, respeito todos eles. Pelo que vejo nas ruas, não aceito resultado diferente da minha eleição", disse.
Conservador, de extrema-direita ou fascista?
Como é que se pode caracterizar Jair Bolsonaro ideologicamente. Esta é uma questão que alguns jornalistas e analistas têm deixado no ar. Ao SAPO24, Daniel Cardoso, investigador no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), assume que "essa é uma pergunta difícil de responder". E justifica porquê. "Em vários assuntos, principalmente em termos económicos, não se conhece exatamente quais as ideias do deputado federal e candidato à presidência Jair Bolsonaro". O que se conhece até agora, diz, "indicia um pensamento liberal de privatização da várias empresas estatais brasileiras".
Em termos sociais e culturais, "o candidato é ultraconservador" e, por essa razão, Daniel Cardoso classifica a sua ideologia de extrema-direita. "A sua visão sobre direitos das mulheres, LGBT, classes mais desfavorecidas e negros é bastante radical e discriminatória e o candidato usa os ataques a estes grupos como arma política. Neste âmbito, apresenta-se como defensor dos valores tradicionais e da família tradicional brasileira. A sua ideologia é também bastante centrada na ideia de ordem e de reforço das forças de segurança e do exército, que são bandeiras tradicionais de movimentos de extrema-direita".
A sua ideologia é, ainda, "bastante nacionalista", principalmente "no que concerne ao reforço das fronteiras face à circulação de pessoas" — o investigador lembra que, recentemente, o candidato sugeriu a criação de campos de refugiados para as pessoas que têm fugido da Venezuela para o Brasil.
O candidato pode ser denominado de fascista, "principalmente devido às várias demonstrações de apoio à ditadura militar que vigorou no Brasil até aos anos 80 do século XX e por ter afirmado, recentemente, que não aceitaria o resultado das eleições, caso não vencesse".
Também Andrés Malamud, investigador principal no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, considera Jair Bolsonaro um candidato de extrema-direita.
E, olhando para como se posiciona no espetro político brasileiro, ambos académicos concluem que está no extremo do eixo, ou seja, sem ninguém à sua direita.
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